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„O despertar das sombras“

Marte, Setor 2 da Terra-de-ninguém, Estação de pesquisas do conselho científico, 26 de dezembro de 2265, 07:00 horas

Estaleiro-espacial Marte III, Cruzador-Interlink HYPERION, Alojamento pessoal da Comandante Noriko Ishida, 26 de dezembro de 2265, 07:30 horas

Marte, Setor 2 da Terra-de-ninguém, Estação de pesquisas do conselho de ciências, 26 de dezembro de 2265, 08:00 horas

Estaleiro-espacial Marte III, Cruzador Interlink HYPERION, Casa de máquinas 26 de dezembro de 2265, 08:00 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Sala de conferências I, 27 de dezembro de 2265, 09:00 horas

Cruzador Interlink HYPERION, em voo Interlink ao Sistema Rental, 03 de janeiro de 2266, 19:00 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Sistema Rental, 12 de janeiro de 2266, 10:15 horas

Alorasul (capital de Rental IV), Sistema Rental, 12 de janeiro de 2266, 16:00 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Sistema Rental, posição de estacionamento, 12 de janeiro de 2266, 16:30 horas

Alorasul (capital de Rental IV), Sistema Rental, 12 de janeiro de 2266, 17:30 horas

Alorasul (capital de Rental IV), Sistema Rental, 12 de janeiro de 2266, 19:30 horas

Estação espacial SOL-22, em órbita em Netuno, 13 de janeiro de 2266, 21:00 horas

Escritório da Presidente, Londres, 13 de janeiro de 2266, 23:05 horas

Cruzador Interlink HYPERION, em voo Interlink, 13 de janeiro de 2266, 23:55 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Sistema Kartas, 15 de janeiro de 2266, 13:10 horas

Alorasul (capital de Rental IV), Sistema Rental, 15 de janeiro de 2266, 11:30 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Sistema Kartas, 15 de janeiro de 2266, 13:55 horas

Sistema Kartas, Kartas VIII, 15 de janeiro de 2266, 15:10 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Sala de operações do Capitão, 16 de janeiro de 2266, 12:00 horas

Cruzador Interlink HYPERION, Enfermaria, 16 de Janeiro de 2266, 13:30 horas

Cinturão de Kuiper no Sistema SOL, Estação de pesquisas CAVE, 17 de Janeiro 2266, 00:10 horas

HYPERION, a caminho da Estação NOVA, 19 de Janeiro de 2266, 08:30 horas

Apresentação:

Tripulação Heliosphere 2265

Uma série de ficção científica

Ficha técnica


Heliosfera 2265

Volume 2

„O despertar das sombras


por Andreas Suchanek

 

 

Marte, Setor 2 da Terra-de-ninguém, Estação de pesquisas do conselho científico, 26 de dezembro de 2265, 07:00 horas

 

Com um zumbido a estação de escaneamento móvel parou de funcionar. As luzes azuis, vermelhas e verdes se apagaram. Houve um sussurro, e então a escotilha em frente a Jayden se abriu lateralmente. Cuidadosamente ele entrou por meio da abertura que apareceu na sala principal da estação de pesquisas. Ele teve que descer três degraus para deixar a área de entrada, e quase tropeçou, porque seu olhar se fixou na multidão de pessoas em frente a ele.

Os jalecos brancos circulavam por todos os lados, como um enxame de abelhas que avidamente servia a rainha. Nos muitos púlpitos estavam homens e mulheres do conselho de ciências. Eles discutiam fervorosamente, indicavam a seus Pads e balançavam a cabeça. Sua chegada foi tomada sem comentários, o que ele achou certo.

Atrás dele soava um zumbido. A escotilha novamente se moveu para o lado.

“Então é aí que estávamos”, disse o Almirante Sjöberg. Ele esticou sua jaqueta de uniforme com a mão e desceu da escada ao lado de Jayden. “Impressionante, não é mesmo?”

“É sim, senhor. E isso tudo foi erguido do chão em poucos dias?”

Sjöberg sorriu. Enquanto ele descia seu olhar, sua mão direita passava pela barba, com os pensamentos perdidos. Um costume que Jayden já havia observado muitas vezes. “Às vezes a administração é bem útil. Só é preciso segurar um pulser carregado nas têmporas das pessoas certas.”

Jayden riu. Ele gostava do humor do seu superior, a quem ele agradecia pelo comando do HYPERION.

Com o novo cruzador Interlink ele e sua equipe enfrentaram um combate contra naves parlidens inimigas. Não somente haviam trazido a vitória, como também conseguiram salvar um artefato altamente perigoso. E por isso mesmo é que ele estava aqui hoje. “Aonde está?”

“Me siga.” Sjöberg estava sério novamente.

Eles passaram pelo meio do mar de jalecos brancos. O salão redondo estava cheio de monitores, consoles, estações de medidas e tanques-holo. Um total de cinco elevadores multidirecionais levavam ao patamar inferior. Nas paredes, velhos mapas de Marte estavam pendurados. Por meio das fronteiras indicadas Jayden reconheceu que se tratava de sobras do tempo da ditadura Freeman. Lhe repugnava o fato de estar no mesmo chão que Freeman havia usado para seu assassinato em massa, há mais de dois séculos.

Sjöberg parou em frente a um dos elevadores. Um raio azulado saiu de uma lente sobre a porta e os tateava. Com um Ping as portas se moveram para o lado liberando-lhes o caminho para entrarem.

O Almirante acionou o ícone para o nível mais baixo. “Como você sabe, aqui há mais do que somente uma estação de pesquisas da Era Freeman. Há tempos todos os dados foram analisados, mas o governo de Marte escolheu deixar a Terra-de-ninguém como monumento. Aqui não se pode construir e as cúpulas atmosféricas permaneceram destruídas após a guerra.”

Ele parou por um momento em si.

“As estações de pesquisas antigas”, ele enfatizou as palavras cheio de repulsa, “ficaram em pé. Mesmo que eu pessoalmente relute em admitir, a solução mais evidente era que a Marinha Espacial ocupasse aqui. E por causa da proximidade do complexo principal do conselho de ciências, temos acesso aos corifeus das respectivas especialidades.”

“Às vezes os fins justificam, de fato, os meios”, disse Jayden. Deixando as emoções de lado, com as quais as salas estavam carregadas, as estações eram, afinal, somente construções abandonadas. Então por que não as utilizar? “O que aconteceu com o PROTECTOR?” ele se lembrava a contragosto da nave fantasma, que, com exceção do Tenente Larik, foi uma cova para toda sua tripulação. Jayden havia usado o cruzador-leve com o propósito de trazer o artefato de volta à União Solar.

“Ele está sendo reparado no momento. Em alguns meses ele vai ganhar uma nova equipe e voltar a serviço ativo. Pelo que recebi nos relatórios, os reparos do HYPERION foram também encerrados. Sua nova nave absorveu relativamente bem ao bombardeamento dos Parliden.”

Jayden consentiu. “Mesmo assim, foi por pouco. Para meu gosto, por muito pouco. Neste meio tempo, há novidades sobre o Parliden resgatado?”

No curso dos acontecimentos foi possível resgatar um Parliden com vida. Ele estava em encubação. Apesar de uma guerra que durou anos e dos decorrentes esforços diplomáticos, a humanidade quase não sabia de nada sobre esse povo. Esta era uma oportunidade única de descobrir mais sobre os Parlidens.

“Sobre o artefato, eu consegui estar ativo a tempo de assumir o controle sobre as investigações. Já sobre o Parliden, um outro foi mais rápido.”

“Michalew.” Jayden cuspiu o nome do Almirante odiado.

Sjöberg consentiu.

O elevador parou e as portas se abriram.

Em frente a Jayden uma versão menor da sala principal se abria, com todos os seus jalecos brancos e equipamentos. Mas ele percebeu os cientistas e os consoles só perifericamente. Toda a parede em frente ao elevador era feita de um aço transparente. Ali atrás o fractal flutuava, segurado por forças invisíveis.

Tess Kensigton, a oficial de localização do HYPERION, havia descrito a estrutura como uma Esponja de Menger no nível quarto de iteração. Um cubo, composto por 160 cubos menores e atravessados por vãos cúbicos. A superfície era de um material do tipo ônix.

Olhando mais longamente o fractal, Jayden começava a sentir-se como que absorvido pelo negro – e ficou arrepiado. “Essa coisa é fantasmagórica. Como é que a radiação foi neutralizada?” Ele ainda não estava tranquilo em pensar que essa coisa estava sendo analisada em Marte. Em todo o caso, isso teve o poder de despovoar um planeta inteiro.

“Nossos cientistas acionaram diversos escudos em série, mas tudo isto está no relatório que eu já lhe encaminhei. Parece que foi necessário que as ondas radiativas – para simplificar – fossem quebradas.”

“Eu espero que, com as tentativas, não tenha havido nenhuma outra vítima.”

“Não.” O Almirante balançava a cabeça. “É difícil de acreditar, que um cubo de 30 metros de dimensão tenha exterminado toda a população de um planeta - pra não se falar da tripulação do cruzador Parliden e do PROTECTOR.”

“O que quer que seja essa coisa, ele apresenta um enorme risco.” Jayden afastou o olhar do negro. “Alguns de meus oficiais sugeriram destruir o cubo. Eu não estou certo se foi uma boa ideia tê-lo trazido.”

“O temos sob controle. Isso é o que conta”, soou uma voz. Um homem atarracado empurrou Jayden com sua cintura consideravelmente larga. Uma visão rara nos tempos de esculturas genética e de correções-nano. “Ele fez uma série de vítimas em nome da ciência, não deixe que o instinto de medo animal faça com que tudo tenha sido em vão. Você fez a escolha certa, Capitão Cross.” Os cabelos brancos do homem estavam despenteados em todas as direções, o que lhe dava um ar de gênio maluco.

“E você é...?”, perguntou Jayden.

“Deixe-me lhes apresentar”, Sjöberg indicava o cientista, “Doutor von Ardenne. Ele é o diretor do Projeto Fractal.”

Jayden apertou a mão do homem. “Um prazer, Doutor. Eu espero que você consiga desvendar alguns segredos dessa coisa. sem que mais vítimas sejam feitas em nome da ciência.”

O cientista franziu a testa com a formulação provocante de Jayden, mas evitou uma disputa. “Fazemos todo o necessário para evitar danos à União Solar. Haverão sempre vitimas em experimentos perigosos, como os que conduzimos. Mas eu posso lhe garantir isso, Capitão Cross: nós sabemos o que estamos fazendo.”

“Sobre isso não tenho dúvidas.” Jayden jogou um olhar penetrante ao Almirante Sjöberg. O que ele pensava sobre o Doutor preferia não expressar em voz alta. “Ainda assim, vocês aqui lidam com um poder que nós nem conseguimos ter ideia do tamanho.”

“Já há outras descobertas, Doutor?” O Almirante tossiu levemente. “Acho que no momento isso seria o mais importante.”

“De fato, descobrimos algo que é motivo de preocupação.” Von Ardenne foi ao tanque holo no meio da sala e projetou uma figura do cubo. “Em dois dos lados do fractal há algo como um local de contato. Nesta área conseguimos fazer diversos deslocamentos em dois espectros de radiação. Ainda, há locais de ruptura, pequenos, microscópicos; como fios de cabelo, se quiser.”

“Você acredita que nestes locais foram retirados fragmentos do artefato?”

“É somente uma hipótese”, assegurou von Ardenne, rapidamente. “Mas uma bem possível. Temos que contar com isso...”

“Doutor!” uma assistente de laboratório interrompeu. “Os valores de radiação estão aumentando!”

“O quê?!” von Ardenne se virou e sentou-se em um dos consoles. “Isto é impossível!”

“O que está acontecendo?”, perguntou o Almirante Sjöberg. “von Ardenne, me dê um relatório do estado atual!”

Já que o cientista não reagia, Jayden escapou sem fazer barulho. Civis em uma estação de pesquisas militar só criavam problemas.

Depois de um período que parecia ter sido uma eternidade finalmente von Ardenne se permitiu responder. “As radiações eletromagnéticas do fractal estão subindo. Ele está ficando mais quente e então emitindo o dobro de radiações ultravioleta – com tendência de aumentar. E se eu tenho as indicações corretas.... inacreditável!”

“von Ardenne!” Sjöberg parecia estar a ponto de agarrar o homem pelo pescoço e o sacodir.

“Radiações fásicas!” O cientista olhava de seu console. “A coisa esta enviando dados ao nível mais baixo de fases.”

Jayden arregalou os olhos, espantado. Com exceção do HYPERION, todas as naves da União Solar – e das raças extraterrestres conhecidas - utilizavam o espaço fásico para voos espaciais em velocidade supraluz. Ainda, havia dentro da União Solar uma transmissão fásica de corrente relé, na qual se passava toda a comunicação.

“Que tipo de dados?” A voz do Almirante Sjöberg soava inquieta.

“Uma ótima pergunta, a qual eu gostaria de ter resposta”, respondeu von Ardenne. “São pequenos pacotes de dados, mas o conteúdo não faz sentido. Provavelmente estão codificados.”

Um flamejo rodeou Jayden. Em meio aos vãos do artefato haviam relampejos azuis. Energias emitidas pelo fractal entravam em iteração com os escudos ao redor. As primeiras fendas apareciam.

“Precisamos evacuar!” Doutor von Ardenne quase gritava. Sem dúvidas ele estava pronto a vitimar a sua própria vida para a ciência.

Jayden balançava a cabeça. Tarde demais.

O fractal emitia luzes ofuscantes. Uma onda de luz negra fluiu pela Sala, entrelaçou a mente de Jayden com a força de uma mandíbula de aço e extinguiu a realidade.

 

*

 

Estaleiro-espacial Marte III, Cruzador-Interlink HYPERION, Alojamento pessoal da Comandante Noriko Ishida, 26 de dezembro de 2265, 07:30 horas

 

Noriko estava em pé, relaxada, no meio de seu alojamento. Ela havia desativado as luzes. A única fonte de luz era o brilho da iluminação de navegação do Estaleiro-espacial III, que chegava de fora. Provavelmente o Capitão Cross iria receber novas ordens durante seu encontro com o Almirante Sjöberg.

Enquanto sua mente se deixava vagar, seu corpo seguia com os movimentos de Tai Chi Chuan, que ela exercitava há anos. A antiga arte de luta chinesa era um hobby, que fortalecia os dois: mente e corpo.

Em seus movimentos Noriko se mantinha centrada e respirava frustradamente. Sua mente estava como um oceano tempestuoso. Ela não conseguia deixar fluir, não conseguia relaxar.

Seus pensamentos sempre voltavam ao Almirante Michalew. Ela havia explicado ao Capitão Cross sobre os fatos daquele tempo. As conexões secretas entre o Almirante e seus oficiais protegidos, que Noriko havia descoberto havia alguns anos. Michalew saiu ileso das investigações e desde então fazia da vida dela um inferno. Logo depois de tudo ele a transferiu para o INCEPTION, onde os discípulos dele fizeram de tudo para complicar o trabalho dela. No final, o Capitão fez uma escolha errada durante uma batalha, o que levou à morte de muitos oficiais. Mas sua tripulação o protegeu e jogou a sujeira nos sapatos de Noriko.

O Almirante Sjöberg era o único que havia ficado do lado dela; ela era grata a ele por sua posição no HYPERION. Mas Noriko não se deixava iludir. O poder de Michalew era vasto. Ainda agora ele iria pensar em alguma coisa para apertar ela. Os rumores sobre a perda do INCEPTION e sua pretenciosa participação nisto já rodava pela tripulação. Ela não tinha o que fazer contra isso.

Ainda assim, Cross sabia que com ele não aconteceria nada. Mas em um futuro próximo ele deveria esperar um confronto com o Almirante, já que quem quer que se interpusesse entre Michalew e Noriko seria, sem dúvidas, um alvo.

Ela tentou mais uma vez relaxar sua mente – e não conseguiu. Balançando a cabeça, suspirou e desistiu. O serviço começaria somente em uma hora, o que poderia fazer até então, para se distrair? Ela então decidiu já ir visitar a ponte de comando. Ao invés de continuar pensando no que se passou, poderia então se concentrar nos relatórios e consultas que com certeza estavam inundando sua memória.

“Alpha 365 para Comandante Ishida”, soou a voz sem emoções do chefe de segurança pelo interfone.

“Ishida aqui.”

“Comandante, há cerca de meia hora houve um desentendimento físico a bordo. Eu levei os responsáveis ao escritório da segurança.”

“Estou a caminho.”

Um desentendimento físico? Uma bonita descrição para uma pancadaria. Por via de regra, tal coisa acontecia no máximo no convés de descanso e nunca era levado para fora.