Antero de Quental

Considerações sobre a Philosophia da Historia Litteraria Portugueza

Publicado pela Editora Good Press, 2022
goodpress@okpublishing.info
EAN 4064066410902

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Philosophia da Historia Litteraria Portugueza
I
II

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Foi publicado originariamente este pequeno trabalho em folhetins no jornal o «Primeiro de Janeiro». Parecendo, porém, a algumas pessoas de gosto que havia nas minhas considerações verdade e justiça sufficientes, e que valeria a pena, por isso, dar mais alguma circulação ás idéas emittidas, resolvo-me, para satisfazer ao voto d'essas pessoas, a imprimir á parte estas paginas, accrescentando-lhes algumas observações, suggeridas pelo escripto do snr. M. Pinheiro Chagas, «Desenvolvimento da Litteratura Portugueza», que só pude vêr depois de publicados os folhetins.

A. de Q.

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Philosophia da Historia Litteraria Portugueza

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Os Luziadas; ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação á sociedade portugueza e ao movimento da Renascença, por J. P. de Oliveira Martins. Porto, 1872.

Theoria da Historia da litteratura portugueza; these para o concurso á cadeira de Litteratura moderna, no Curso superior de letras, por Theophilo Braga. Porto, 1872.

I

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A philosophia das litteraturas é uma criação do nosso seculo, cujo genio, ao mesmo tempo subtil e profundo, se revela sobretudo nos estudos historicos, e a que um mixto particular de enthusiasmo e scepticismo, de erudição e intuição, dá uma singular facilidade para penetrar o caracter das varias raças, o espirito das varias idades e civilisações.

Uma maneira mais intima e juntamente mais larga de comprehender a humanidade e o individuo, que caracterisa o pensamento moderno, explica esta especie de condão magico com que o nosso seculo tem aberto os recessos obscuros, em que a alma dos tempos antigos parecia haver-se para sempre sepultado, defendida pelo silencio e pelo mysterio.{8}

Com effeito, em quanto se não viu, por um lado, na humanidade um todo vivo, cujos movimentos são determinados por leis naturaes e constantes, embora complexas e obscuras, e, por outro lado, no individuo, dentro da humanidade, uma força, não caprichosa, mas coherente, embora livre, e cujas manifestações são todas respeitaveis e legitimas, tendo todas a sua razão de ser e o seu valor; em quanto, sobretudo, se não comprehendeu que os momentos da historia não são contradictorios entre si, mas representam varios termos d'uma serie por onde o espirito humano, ascendendo, se affirma, transformando em parte as condições do meio em que se move, e em parte subordinando-se a ellas, e que, por isso, esses momentos não devem tanto ser julgados como comprehendidos; em quanto este ponto de vista, ao mesmo tempo idealista e scientifico, se não estabeleceu--a historia critica, intima, psychologica, era impossivel, e impossivel tambem a philosophia da historia.

É por esta razão que a critica e historia litterarias soffreram em o nosso tempo uma completa e profundissima renovação, e que a historia philosophica das litteraturas só recentemente se pôde constituir.

Considerava-se, ha 100 annos ainda, a obra litteraria como uma criação meramente individual, determinada apenas pelo sentimento pessoal, o genio, as disposições do poeta: não se via a relação estreita que ha entre a inspiração do individuo e o pensamento da época, a raça, o meio social, e o{9} momento historico. Uma poetica, tão estreita quanto inflexivel, media tudo, as producções de povos e tempos os mais diversos, por uma unica bitola, o gosto, e, dominada pela preoccupação fanatica do classico, bania da historia épocas e raças inteiras, condemnadas como barbaras, incultas, rudes. O que ha de mais caracteristico e muitas vezes de mais profundo na obra d'arte, a revelação do sentir intimo dos homens nas diversas condições moraes e sociaes, ficava d'este modo perdido para a critica, era despresado em nome d'um ideal de perfeição uniforme, em grande parte convencional, e em todo o caso abstracto e, por isso, irrealisavel.

Sabemos hoje que a esthetica, sob pena de se excluir systematicamente da realidade, não póde ser absoluta senão nas suas leis fundamentaes, isto é, n'aquillo mesmo em que é absoluto e immutavel o espirito humano: em tudo mais é, como elle, variavel e progressiva. Tem uma statica e uma dynamica: e se a primeira, que é toda abstracta, explica e dá a razão da segunda, que é toda concreta, é a segunda quem explica e dá a razão das obras d'arte, naturalmente concretas e contidas nas condições do tempo e do meio. Ao methodo exclusivamente abstracto substituiu-se o methodo historico, e para logo todas as litteraturas, as antigas e as modernas, as barbaras e as cultas, alumiadas por uma luz nova, appareceram com as suas feições caracteristicas, os seus relevos naturaes, os seus contornos, e vieram tomar cada qual o logar que lhe competia na serie{10}