Traducção de
Monteiro Lobato
SAGA Egmont
Minha Vida e Minha Obra
Translated by Monteiro Lobato
Original title: My life and work
Original language: English
Os personagens e a linguagem usados nesta obra não refletem a opinião da editora. A obra é publicada enquanto documento histórico que descreve as percepções humanas vigentes no momento de sua escrita.
Cover image: Shutterstock
Copyright © 1922, 2021 SAGA Egmont
All rights reserved
ISBN: 9788726873276
1st ebook edition
Format: EPUB 3.0
No part of this publication may be reproduced, stored in a retrievial system, or transmitted, in any form or by any means without the prior written permission of the publisher, nor, be otherwise circulated in any form of binding or cover other than in which it is published and without a similar condition being imposed on the subsequent purchaser.
This work is republished as a historical document. It contains contemporary use of language.
www.sagaegmont.com
Saga Egmont - a part of Egmont, www.egmont.com
Quando no futuro um outro Carlyle reescrever Os Heróes, ao lado de Moysés, de Cromwell, de Odin, figurará Henry Ford — o heróe do trabalho. Porque se ha no mundo um heróe do trabalho, um revelador das possibilidades do trabalho como remedio de todos os males que o não-trabalho, que o máo trabalho, que a iniqua organização do trabalho creou, é Henry Ford. Grande homem ao typo do heróe carlyliano não vale dizer o cabide de glorias que no momento se lentejoula de todos os galões da fama (em regra L’âne portant les reliques, de Lafontaine) — mas o que realiza ou lança a boa semente das beneficas transformações sociaes. Um é Luiz XIV, o grande; mas outro é Gutenberg, o immenso.
E quem no mundo moderno, mais que Henry Ford, está fecundando o progresso humano com o pollen que fará o nosso amanhã melhor que o nosso hoje e o nosso hontem?
O valor de Henry Ford não reside em ser o homem mais rico de todos os tempos; isso faria delle apenas um sacco mais pesado que outros saccos cheios; seu valor reside em ser elle a mais lucida e penetrante intelligencia moderna a serviço da mais nobre das causas: a suppressão da miseria humana.
Até aqui os solutores dos problemas sociaes não passaram de idealistas utopicos, ao molde de Rousseau ou Marx, dos que imaginam soluções theoricas, bellas demais para serem exequiveis. Ford não imagina soluções. Dedul-as. Admitte o homem como é, acceita o mundo como está, experimenta e deixa que os factos tragam á tona a solução rigorosamente logica, natural e humana. E’ o idealista organico. Suas idéas não vêm a priori, filhas da exaltação mental ou sentimental. Apenas reflectem respostas ás consultas feitas aos factos. D’ahi o valor immenso das suas idéas, a repercussão que começam a ter e a influencia profunda que necessariamente exercerão na futura ordem de cousas.
Vale, pois, Henry Ford, não como o maior sacco de ouro que já existiu, sim como a mais alta expressão da lucidez moderna.
Henry Ford nasceu em 1863 em Dearborn no Michigan, filho de modestos fazendeiros.
Nasceu mechanico e jamais trocou o estudo directo das cousas pelo estudo fallaz dos livros. Educou-se a si mesmo e vem disso grande parte da sua victoria. Quem entópe a mioleira com a vida morta dos livros torna-se inhabil para bem comprehender a vida viva das cousas humanas. Olhava com seus olhos, pensava com seu cerebro, fazia com suas mãos.
Muito menino ainda, o seu espirito chocou-se com o atrazo dos methodos agricolas, a rotina immemorial de tudo fazer á força de musculo, humano ou bovino. E concebeu a idéa de transportar para a resistencia do aço a dura tarefa que pesava sobre a carne.
Este pensamento o preoccupou sempre, mas antes de desenvolvel-o fez um desvio imposto pelas circumstancias. Guardou no intimo do cerebro a idéa da machina que viria libertar a agricultura das algemas da rotina e entregou-se de corpo e alma á industria intercorrente do vehiculo de turismo em condições de universalizar-se.
Annos e annos gastou no trabalho de crear o typo que correspondesse á sua idéa, até que um dia o teve como sonhara. Só então, creado o producto a fabricar, cuidou da fabricação.
Em 1896 organiza em bases modestissimas a sua empresa, onde apenas entrou em dinheiro a somma de …
28.000 dollares. Ford dá a ella uma directriz toda sua, producto da observação do mundo e jamais copia do que via fazer em redor de si.
Foi tido como um louco e olhado de cima pelos magnatas do momento. Mas Ford absorveu-se de tal modo e com tamanha intelligencia na sua realização que as posições se inverteram, e vinte e poucos annos depois era elle quem olhava d’alto para os magnatas e severamente lançava a sua condemnação aos processos monstruosos que os fizeram taes.
Ford creara a maior industria do mundo. Sua producção cresceu e cresceu numa vertigem. Actualmente transforma materia prima em utilidades no valor de 12 milhões de contos annuaes, produzindo mais de 7.000 carros por dia de oito horas. Quer isso dizer que com os 50.000 operarios submettidos á sua genial direcção Ford produz mais… que o Brasil. O Brasil com os seus 30 milhões de habitantes não alcança extrahir da terra ou manipular materia prima no valor nem da metade de 12 milhões de contos…
Muita honra faria a Henry Ford o simples facto de haver creado um negocio de monstruosas proporções, mas seu valor restringir-se-ia ao de um Creso moderno se ficasse nisso. Ford vae muito além. Traça os riscos de uma futura ordem de cousas mais efficiente e justa que a actual. Fazendo donativos? Creando escolas, bibliothecas, hospitaes? Não. Ensinando a trabalhar, provando que o trabalho é o supremo bem e demonstrando a altissima significação da palavra industria.
Industria não é, como se pensava, um meio empirico de ganhar dinheiro; é o meio scientifico de transformar os bens naturaes da terra em utilidades de proveito geral, com proveito geral. O fim não é o dinheiro, é o bem commum, e o meio pratico de o conseguir reside no aperfeiçoamento constante dos processos de trabalho conduzido de par com uma rigorosa distribuição de lucros a todos os socios de cada empresa. São tres estes socios, o consumidor, e receberá elle a sua quota de lucros sob forma de productos cada vez melhores e cada vez mais baratos; o operario, e receberá elle a sua parte sob forma de salarios cada vez mais altos; o dono, e receberá elle um equitativo dividendo.
Esta concepção, realizada com resultados surprehendentes em sua industria, rompe com todas as praxes e põe a nú o vicio mortal que inquina os fundamentos da industria moderna: associação de tres onde um só, o dono, recebe além do lucro que lhe cabe as partes que cabem ao operario e ao consumidor.
Posta nas bases de Henry Ford a industria deixa de ser o Moloch devorador de milhões de creaturas em beneficio dum nucleo de nababos e transforma-se em cornucopia inextinguivel de bens. Extingue-se o sinistro antagonismo entre o capital e o trabalho, que ameaça subverter o mundo. Reajusta-se a producção ao consumo e graças á distribuição equitativa desapparece o monstruoso cancro da miseria humana.
E’ possivel que a “questão social” não se solucione já com as idéas de Henry Ford: o homem é estupido e cégo. E’ possivel que o communismo, solução theorica, faça no mundo inteiro a experiencia que iniciou na Russia. Isto apenas retardará a unica solução certa, visto como unica baseada nas realidades inexpugnaveis — a de Henry Ford.
Homem de boa fé não ha nenhum que lendo My life and work, o grande livro de Henry Ford, não sinta que está alli a palavra messianica do futuro. E’ a palavra do Bom Senso, é a palavra da Razão, é a palavra da Intelligencia que não borboleteia, mas penetra no fundo das cousas como a broca de aço penetra no granito. Nelle Ford enfeixou num só fóco de luz todas as profundas conclusões do seu estudo das realidades. Essa luz, clara como a do sol, tonifica e desfaz a treva. A miseria humana é apenas uma consequencia da treva.
Para o Brasil não ha leitura nem estudo mais fecundo que o livro de Henry Ford. Tudo está por fazer — e que lucro immenso se começarmos a fazer com base na lição do portador da nova Boa Nova!
Estamos ainda no começo do desenvolvimento do nosso paiz — e nada mais fizemos, apesar do nosso decantado progresso, senão arranhar-lhe a superficie. Tem sido, na realidade, admiravel esse progresso, mas se comparamos o que está feito ao que resta a fazer, todas as nossas realizações equivalem a nada. Quando consideramos que só o trabalho da terra exige mais energia do que todos os estabelecimentos industriaes do paiz, abrese-nos a perspectiva das opportunidades que o futuro nos reserva. E justamente agora que lavra a agitação em tantos paizes e o desassocego inquieta o mundo, parece-nos bom o ensejo para suggerir algo do que se poderá fazer, á luz do que já se fez.
As expressões força motriz, apparelhamento mechanico e industria suggerem a muita gente a idéa de um mundo frio e metallico, onde flores, arvores, passaros e campos verdejantes desapparecem deante das grandes fabricas e tudo se transforma em machinas e em homens machinas. Não penso assim; acho que se não aperfeiçoarmos a machina e suas applicações, e se não nos tornarmos mais comprehensivos da parte mechanica da vida não poderemos gosar convenientemente das arvores, das flores e dos campos verdejantes.
Muito já se fez para banir a amabilidade da vida com admittir uma opposição entre o facto de viver e os meios que permittem viver. Tanto esperdiçamos tempo e forças, que pouco nos sobra para consagrar ao nosso prazer. Energia e machinas, dinheiro e bens, no emtanto, só nos prestam quando nos proporcionam liberdade de vida; são apenas meios para um fim. As machinas que trazem o meu nome, por exemplo, não as considero simplesmente como machinas. Se assim fôra eu teria ido cuidar de outra cousa. Considero-as como a prova concreta de uma theoria que presumo seja mais que uma simples theoria — alguma cousa que intenta fazer deste mundo uma melhor moradia do homem. O facto do exito excepcional da “Ford Motor Company” só é importante porque demonstra de modo palpavel o fundamento da theoria que nella venho realizando. Somente isto me autoriza a criticar, do ponto de vista de um homem qut não toi victima delles, o actual systema da industria e a organização financeira e social.
Se eu egoisticamente só pensasse em mim não desejaria alteração alguma nas formas estabelecidas. Se o dinheiro fosse a minha ambição, o systema actual me seria optimo, porque m’o fornece em abundancia. Preoccupo-me, porém, com o rendimento e a actual ordem de cousas não permitte o melhor rendimento porque dá azo a toda sorte de desperdicios e impede que muitos homens recebem o exacto equivalente do seu trabalho. E ninguem aproveita com isso. Penso, pois, numa melhor organização e num melhor ajustamento.
Não censuro o costume de mofar das idéas novas. Acho preferivel ser sceptico a respeito dellas e exigir provas da sua excellencia, do que lhes girar em torno numa continua exaltação. O scepticismo, se com isto queremos dizer cautela, é o volante da civilização; muitas das graves perturbações actuaes provêm de acceitarmos idéas novas sem antes investigarmos se são boas ou más. Uma idéa não é necessariamente boa porque seja velha, nem necessariamente má porque nova; se, porém, uma idéa antiga resulta 1 , já tem ella por si a força desta prova. As idéas são extremamente valiosas em si; uma idéa, porém, é apenas uma idéa. Está ao alcance de todos idealizar. Mas o que vale é converter idéas em utilidades.
Muito me interessa demonstrar que as idéas que temos posto em pratica são capazes de mais ampla extensão, e que longe de se restringirem ao fabrico de automoveis podem vir a tornar-se uma especie de codigo universal. Estou certo disso e demonstral-o-ei com a maxima evidencia, esperançoso de que taes idéas não sejam recebidas como idéas novas, e sim como um codigo natural.
A lei natural é a lei do trabalho e só por meio do trabalho honesto ha felicidade e prosperidade. Da tentativa de furtar-se a estes principios é que os males humanos defluem. Não ha suggestões que me impeçam de acceital-os como principios naturaes. A lei do trabalho é dictada pela natureza, e é um dogma que devemos trabalhar. Tudo quanto pessoalmente tenho feito veiu como o resultado da insistencia em que, já que temos de trabalhar, o melhor é trabalharmos com intelligencia e previsão; e ainda que, quanto melhor trabalharmos, mais bem nos sentiremos. Idéas, pois, do mais elementar senso commum.
Não sou um reformador. Acho que reformar o mundo é tarefa demasiado grande, e noto que ligamos muita importancia aos reformadores. Existem duas classes de reformadores, ambas nocivas. Todo homem que se intitula reformador quer apenas destruir o que existe. Lembra o que estraçalha a camisa só porque o botão do collarinho não entra na casa. Não lhe occorre alargal-a. Esta classe de reformadores em circumstancia alguma sabe o que vae fazer. Experiencia e reforma nem sempre andam juntas. Um reformador não pode manter o ardor do seu zelo deante dos factos; por isso os descarta.
Desde 1914 que innumeros homens adquiriram uma mentalidade nova. Muitos pela primeira vez na vida começaram a pensar. Abriram os olhos e convenceram-se de que estavam no mundo. Depois, num fremito de independencia abrangeram-no com um olhar critico e desde as bases o encontraram defeituoso. A intoxicação da investidura de critico da ordem social costuma romper o equilibrio do juizo. Todo critico moço carece em alto gráo deste equilibrio e propende a destruir a antiga ordem de cousas para estabelecer uma nova. Estes criticos conseguiram, de facto, crear um mundo novo na Russia; e é justamente alli que a obra dos fabricantes de mundos novos pode ser estudada. O exemplo da Russia nos ensina que da minoria e não da maioria é que procede a acção destruidora. Ensina-nos tambem que emquanto os homens vão dictando leis contrarias á natureza, esta as vae vetando mais implacavelmente que os proprios czares. A natureza oppoz o seu veto á Republica dos Soviets porque esta procurou negal-a, abolindo, sobretudo, o direito do trabalhador ao seu trabalho. Dizem que a Russia trabalha, mas isto não resolve o caso. A Russia trabalha mas o seu trabalho de nada vale porque não é livre. Nos Estados Unidos um operario trabalha oito horas por dia; na Russia, doze ou quatorze. Nos Estados Unidos, se um operario dispõe de meios e deseja folgar um dia ou uma semana, ninguem o impede. Na Russia o operario vae trabalhar quer queira, quer não. A liberdade desappareceu na monotonia de uma disciplina de presidio onde são todos tratados egualmente. Isto é pura escravidão. A liberdade é o direito de cada um dedicar-se ao trabalho por um tempo determinado e obter como recompensa meios de viver convenientemente, dispondo a sua vida particular como bem lhe pareça. Esta liberdade individual e cem outras semelhantes formam a grande Liberdade ideal. As manifestações secundarias da liberdade é que lubrificam o nosso viver quotidiano.
A Russia não podia prescindir da experiencia e da intelligencia. Logo que começou a dirigir suas fabricas por meio de commissões, arruinou-as todas: havia mais discussão do que producção. Logo que se desfez dos technicos, estragou milhares de toneladas de material precioso. Os fanaticos, com os seus dicursos, levaram o povo á fome. Hoje, para fazel-os voltar, os soviets offerecem grandes vantagens aos engenheiros, administradores, contramestres e inspectores que no começo haviam posto no olho da rua. O bolchevismo reclama aos brados o cerebro e a experiencia que ainda hontem tratara tão deshumanamente. Tudo o que a “reforma” trouxe para a Russia não passou de morte da producção.
Ha em nosso paiz um elemento sinistro que deseja metter-se entre os que vivem do trabalho de suas mãos e os que planejam e organizam este trabalho. A mesma influencia que baniu o cerebro, a experiencia e a technica da Russia, está empenhada em fazer o mesmo aqui. Não devemos permittir aos estrangeiros nocivos, aos que odeiam a humanidade feliz, que venham dividir o nosso povo. Na unidade está a força e a liberdade americana.
Existe ainda um outro reformador que, sem se ter nessa conta, possue uma analogia surprehendente com o reformador radical. O radical não possue experiencia, nem deseja tel-a. Est’outro possue abundante experiencia, mas nenhum proveito tira della. Refiro-me aos reaccionarios, que talvez fiquem surpresos de se verem collocados no mesmo nivel dos bolchevistas. O reaccionario deseja retroceder para uma situação anterior, não porque a julgue melhor, mas porque julga conhecel-a melhor.
Emquanto o radical quer destruir o mundo para fazel-o melhor, o reaccionario o acha tão bom que quer que tudo continue existindo sem mudança alguma até apodrecer. Tanto a primeira idéa como a segunda advêm de não se usarem os olhos para ver. E’ perfeitamente possivel destruir o mundo; não é, entretanto, possivel edificar um novo. E’ possivel deter o seu progresso, mas não é possivel, então, impedir a sua decadencia. Grande loucura esperar que, destruindo-se tudo, cada creatura consiga as suas tres refeições diarias, ou que, no caso de permanecer tudo petrificado, disso resulte uma distribuição de dividendo. O mal está em que tanto os reformadores como os reaccionarios fogem da realidade e perdem de vista as funcções primordiaes da vida.
Um dos primeiros conselhos da prudencia é que não devemos confundir os retornos reaccionarios com o retorno ao bom-senso. Atravessamos um periodo de fogos de artificio e de invenção de innumeraveis mappas e planos idealisticos de progresso, que não conduzem a cousa nenhuma. Obra de congressos, apenas. Ouvimos muita palavra bonita mas quando voltamos para nossas casas encontramos as lareiras apagadas. Os reaccionarios aproveitam a desillusão deixada por taes planos para provocar a volta aos bons tempos idos — que quasi sempre significam velhos abusos — e apesar de destituidos de visão vêm-se considerados como homens praticos. Quando taes homens sobem ao poder muita gente lhes sauda o retorno como um retorno ao bom-senso, á razão.
As funcções basicas da vida são a agricultura, a manufactura e o transporte. Sem ellas, impossivel a vida em sociedade. Cultivar, fabricar e transportar são cousas tão antigas como as necessidades humanas, e tão modernas como o que mais o seja. Constituem a essencia da vida physica. Quando desapparecem, cessa a vida collectiva. Ainda que hoje muitas cousas não andem direitas, sempre podemos esperar melhoral-as, se estes principios basicos permanecem firmes. A grande illusão está, precisamente, em pensar-se que alguem possa alterar taes fundamentos, usurpando a missão que só ao Destino cabe nas transformações sociaes. Os homens e os meios de cultivar a terra, fabricar e transportar as cousas, constituem os alicerces da sociedade. Emquanto subsistirem, o mundo resistirá a qualquer transformação social e economica. E emquanto trabalharmos em nossas tarefas serviremos ao mundo.
Ha muito trabalho a fazer e os negocios não passam de uma das formas do trabalho. Entretanto, a especulação com as cousas já produzidas nada tem de commum com os negocios 2 . E’ apenas uma mais ou menos respeitavel pilhagem. Abolil-a, porém, não é cousa que com leis se consiga. Leis nada conseguem de constructivo, sendo apenas uma policia. Esperar que de Washington venha o que não é dado vir das leis é perder tempo. Emquanto esperarmos que legislações façam desapparecer a pobreza e supprimam os privilegios veremos diffundirse aquella e crescerem estes. Muito já esperamos de Washington e temos tido em excesso (menos em nosso paiz, aliás, que nos outros) legisladores dos que promettem mais do que as leis podem conseguir.
Quando se chega a convencer um paiz inteiro, qual se fez ao nosso, de que Washington é o céo por detrás de cujas nuvens habitam a Omniscencia e Omnipotencia, tem-se-lhe inculcado um espirito de dependencia que é um máo prenuncio para o futuro. A salvação não está em Washington, mas em nós mesmos; a nossa actividade, entretanto, pode dirigir-se a Washington como a um centro de distribuição onde os esforços devam ser coordenados para o bem publico. Podemos ajudar o governo: mas o governo não nos pode ajudar.
O aphorismo: “Menos governo nos negocios e mais negocios no governo” é optimo, menos para os negocios e o governo, do que para o povo. Os negocios não foram a causa da fundação dos Estados Unidos. A Declaração da Independencia não foi uma carta de negocios, nem a constituição americana é uma convenção mercantil. Os Estados Unidos — o seu territorio, o seu governo e a sua vida economica — são apenas meios de dar ao povo uma vida digna de ser vivida. O governo é um servo e nunca deveria passar disso. No momento em que o cidadão se torna um accessorio de governo a sancção natural sobrevem, porque tal cousa é immoral, desnatural e antihumana. Mas não podemos viver sem governo, como não podemos viver sem negocios; são, porém, necessarios unicamente como servos, taes como a agua e os cereaes; se passarem a senhores transtornarão a ordem natural.
O cuidado do bem estar de um paiz só cabe a nós, como particulares e só assim ha acerto e garantia social. Nada custa ao governo prometter muito em troca de pouco, mas é incapaz de cumprir taes promessas. Os governos podem malabarizar com a moeda, como succedeu na Europa (e como os banqueiros fazem no mundo inteiro emquanto lhes rende), justificando-se com ridiculas theorias. Todos, entretanto, sabemos que só o trabalho pode fornecer as cousas de que necessitamos.
E’ pouco provavel que um povo intelligente como o nosso desvirtue os principios basicos da vida economica. A maioria dos homens comprehende muito bem que gratuitamente nada se adquire, e sabe, ainda que o não saiba explicar, que o dinheiro não constitue a riqueza verdadeira. As theorias que promettem tudo a todos e de ninguem exigem cousa alguma, depressa são rejeitadas pelo instincto do homem commum, ainda que elle não possa oppor-lhes razões em contrario. Sente que são falsas e isto lhe basta. A actual ordem de cousas, confusa, por vezes estupida e de varios modos imperfeita, leva uma vantagem sobre outra qualquer: funcciona. Certamente que esta ordem de cousas se absorverá de modo gradativo em uma outra, que tambem funccionará, não pelo que terá ella de novo, mas pelo que os homens nella puzeram. A razão pela qual o bolchevismo não resulta, nem resultará, não é de ordem economica. Pouco importa que a direcção da industria esteja em mãos de particulares ou sob o poder collectivo; que a participação do operario receba o nome de salario ou de dividendo; que se imponham ao operario comida, roupas e moradias determinadas, ou se lhe permitta vestir-se, comer e viver á vontade. São questões de detalhe. A incapacidade dos chefes bolchevistas está precisamente na importancia barulhenta que dão a estes detalhes. Fracassou o bolchevismo por anti-natural e immoral. O nosso systema, ao contrario, permanece firme. E’ defeituoso? Sim, e enormemente. E’ mal ajustado? Sim, e grandemente. Se a justiça e a razão predominassem deveria vir abaixo, é certo. Não cae, entretanto, porque está construido sobre dois solidos fundamentos, um economico, outro moral.
O principio economico é o trabalho. O trabalho é o elemento humano que nos permitte auferir beneficios da fecundidade da terra. E’ o trabalho do homem que faz das colheitas o que ellas são. Principio economico: todos nós trabalhamos com material que não creámos nem poderiamos crear, mas que recebemos como um presente da natureza.
O principio moral é o direito que cada um tem sobre o seu trabalho. De varias formas costuma ser expressado. A’s vezes toma o nome de direito de propriedade. Outras, apparece sob aspecto de um mandamento: Não furtarás. E’ o direito de cada um sobre a sua propriedade que faz do roubo um crime. Quando o homem ganhou o seu pão, tem o direito de possuil-o, e se alguem lh’o furta, faz mais do que furtar pão: lésa um direito sagrado. Desde que não produzimos, não podemos possuir. Entretanto, objecta-se: “Quem produz, só produz para o capitalista.”
Os capitalistas que o são porque descobriram meios de aperfeiçoar a industria productiva, constituem uma das bases da sociedade. Nada possuem de seu, mas administram a riqueza em beneficio dos outros. Os que chegaram a capitalistas por meio de especulações monetarias constituem um mal necessario, mas provisorio. Pode ser até que em absoluto não sejam um mal, se o seu dinheiro reverte em beneficio publico pela producção. Se, porém, serve apenas para complicar a distribuição ou erguer barreiras entre o productor e o consumidor, tornam-se nocivos e desapparecerão no dia em que se estabelecer uma relação mais justa entre o capital e o trabalho. E isso só se dará quando a humanidade comprehender que a saúde, a riqueza e a felicidade se obtêm exclusivamente por meio do trabalho.
Não ha razão alguma para que um homem disposto a trabalhar não possua meios de fazel-o e de receber o valor integral do seu trabalho. Como não ha razão nenhuma para que um homem que pode mas não quer trabalhar deixe de receber o valor inteiro dos serviços que presta á collectividade. Deve ser-lhe permittido receber o equivalente exacto do que deu. Se nada deu, nada tem a receber. Fica-lhe o direito e a liberdade de morrer de fome. A nada conduz prégar que cada um deve receber mais do que merece, sob pretexto de que alguns realmente recebem mais do que merecem.
Não ha maior absurdo do que pretender a egualdade entre os homens. A natureza os fez deseguaes e toda a concepção democratica que intenta igualal-os resulta pois num esforço que retarda o progresso. Todos os homens não podem prestar serviços eguaes, porque o numero dos aptos é muito menor do que o dos inaptos. E’ possivel que um grande grupo de incapazes consiga derrubar um punhado de capazes; mas cavarão a sua propria ruina. Os homens de valor é que dirigem a massa e permitten que os menos capazes vivam com menor esforço.
A concepção democratica que mira o abaixamento de nivel da capacidade favorece o desperdicio. Na natureza não ha duas cousas exactamente eguaes. Os nossos automoveis se constroem com peças que se substituem perfeitamente umas ás outras. Estas peças são tão semelhantes quanto o permittem os processos chimicos, o machinismo mais aperfeiçoado e a technica mais sábia. Não exigem a menor correcção, de modo que dois Fords são tão semelhantes que as peças de um podem passar para outro, indistinctamente, com ajuste perfeito. Entretanto, não são eguaes. A differença manifesta-se na marcha. Temos em nossas officinas homens que já guiaram milhares de carros e sustentam não haver dois eguaes. Depois de guiarem por uma hora ou menos um carro novo, distinguem-no immediatamente entre muitos, não pelo aspecto exterior, mas pela marcha peculiar.
Generalizei, mas quero agora ser mais preciso. A vida de um individuo deve ser proporcionada ao rendimento do seu trabalho. A occasião é boa para tratar do assumpto, porque acabamos de atravessar uma quadra em que o rendimento do trabalho era a ultima cousa em que pensava o industrial. Ninguem dava importancia ao preço de custo ou ao rendimento. As encommendas surgiam espontaneas, e emquanto outr’ora era o freguez que honrava o vendedor comprando-lhe a mercadoria, as circumstancias mudaram tanto que este passou a fazer um favor ao cliente proporcionando-lhe compras. Uma tal situação de monopólio era evidentemente prejudicial aos negocios. Os lucros exaggerados são máos para os negocios. Não andam elles bem quando tudo é facil demais, quando, á semelhança das gallinhas, deixa de ser mister esgaravatar a terra por longo tempo para encontrar o que se deseja. Tudo vinha com facilidade extrema, de modo que houve um enfraquecimento no principio que exige uma relação honesta entre o valor e o preço. Já não havia necessidade de zelar pela clientela. Muitos industriaes pareciam estar a dizer aos clientes: “Vão pemtear macacos!” Isto foi desastroso para os negocios, embora muitos o considerassem como “prosperidade”. Não era prosperidade — era apenas uma vã caça ao dinheiro. Caçar dinheiro não é a essencia dos negocios.
Quando não temos um plano de antemão traçado é muito facil inundar-nos de dinheiro, e no afan de ganhar mais deixarmos de fornecer ao publico o que o publico necessita. Muito incerto é o negocio cujo unico fito está no dinheiro. Seu desenvolvimento é irregular e poucas vezes alcança duração. A verdadeira funcção dos negocios é produzir tendo em vista o consumo e não o dinheiro ou a especulação. Produzir tendo em vista o consumo quer dizer produzir artigos de boa qualidade e a preços baixos, que satisfaçam ao publico e não somente ao productor. Quando o factor dinheiro se desvia do seu papel a producção tambem se desvia da sua missão, satisfazendo unicamente ao productor, o que é um mal. Com isto poderão advir resultados passageiros, conforme as circumstancias, mas quando o publico descobrir que não está sendo bem servido, sobrevirá a ruina do productor. Durante o periodo de “prosperidade” a que acabo de me referir a producção só cuidava de si. Quando o publico abriu os olhos, quantos industriaes foram pelos ares! Justificaram-se dizendo ter o paiz entrado num periodo de depressão. Não era isso. Era que tinha entrado em lucta com o bom senso e ninguem sae vencedor nesta lucta. Quem procura unicamente ganhar dinheiro descobre os melhores meios de perdel-o, mas quem trabalha pela paixão do bom trabalho descobre que o dinheiro empregado nesse trabalho se defende de maneira admiravel. O dinheiro vem como consequencia natural do trabalho honesto. E’ necessario ter dinheiro. Não devemos, porém, esquecer que o objectivo do dinheiro não é a ociosidade, mas a opportunidade de realizar novos serviços. Nada ha mais odioso ao meu ver do que uma vida ociosa. Ninguem tem direito á ociosidade e não ha para o ocioso logar na civilização. Querer supprimir o dinheiro é apenas procurar complicar os negocios, porque ha necessidade de uma medida do valor. Isso não quer dizer que o nosso actual systema monetario seja uma base satisfactoria para as trocas, ponto de que me occuparei em capitulo especial. A minha objecção contra elle é que tende a adquirir uma existencia propria e a refrear a producção em vez de facilital-a.
Todo o meu esforço visa a simplificação. Se ao povo falta tanta cousa, se até os productos de primeira necessidade lhes vêm tão caros (sem falar de certa porção de conforto que deve caber a todos) é porque tudo o que fabricamos é muito mais complicado do que devêra ser. As nossas roupas, a nossa alimentação, os nosos moveis, tudo poderia ser muito mais simples e ao mesmo tempo de maior belleza. Esses objectos eram outr’ora assim fabricados e de lá para cá nada mais fazem os fabricantes senão reproduzil-os.
Não quero dizer que devamos adoptar modas ridiculas. Não ha necessidade disso. As roupas não devem ser um sacco furado ao meio. Seria um figurino mais cominodo de fabricar do que usar. Um cobertor não exige córte de alfaiate, mas ninguem trabalharia a contento se andassemos todos envolvidos em cobertores, á moda dos indios. A verdadeira simplicidade é a que nos proporciona melhores serviços com maior somma de conforto. O defeito das reformas drasticas é que procuram impor ao homem o uso de taes e determinados artigos. A reforma do vestuario feminino, que consiste em enfeial-o, deve ser da iniciativa de mulheres feias, cujo unico intuito é desfigurar as bonitas. Está errado. O certo é tomarmos um artigo que vae bem e eliminar delle as partes superfluas. Applica-se esta regra a tudo, a um sapato, a um vestido, a uma casa, a uma peça de machinismo, a uma estrada de ferro, a um navio a vapor, a um aeroplano. A’ medida que diminuimos o inutil e aperfeiçoamos o resto, é claro que baixamos o custo do feitio. Mas, cousa bizarra! não é isso que se faz. Começa-se por abaixar o preço de fabricação em vez de começar por simplificar o objecto fabricado. E’ pelo artigo que devemos principiar. Primeiro, verificando se a sua fabricação é boa e se elle presta o maximum de serviços; depois, considerando se o material empregado é o melhor ou se apenas o mais caro; em seguida, se não ha meios de simplifical-o e reduzil-o de peso. E assim por deante.
Um excesso de peso num objecto é tão inutil como um laço de fita na cartola de um cocheiro; talvez mais, porque o laço pode servir para que o cocheiro identifique a sua cartola, ao passo que o peso inutil representa apenas um desperdicio de energia. Não posso imaginar como nasceu a illusão de que a força depende do peso. O peso fica bem num malho, para bater; mas é absurdo ariastar-se um peso excessivo quando não se trata de bater. Por que sobrecarregar uma machina de transporte com um peso inutil? Por que não ajuntar esse peso á carga que ella deve transportar? Sabemos que os obesos não podem correr com a mesma ligeireza que os magricelas; entretanto construimos a maioria dos nossos vehiculos de transporte como se um inutil peso de banhas pudesse augmentar a nossa velocidade. A miseria é em grande parte o effeito dos pesos inuteis que se arrastam na vida.
Um dia descobriremos o meio de eliminar o peso morto. Tome-se, por exemplo, a madeira. Para certos fins é a melhor substancia conhecida, mas faz perder muita força. A madeira que entra num carro Ford contém 30 libras d’agua. E’ preciso achar um meio de conseguir cousa melhor, material que com a mesma força e elasticidade não nos force a arrastar um peso inutil. E assim em milhares de outros casos.
Um agricultor faz sua tarefa da maneira mais complicada possivel. Creio que de toda a energia que despende no serviço apenas a vigesima parte é aproveitada. Se se montasse uma fabrica nos moldes das nossas lavouras os operarios trabalhariam montado uns nos outros. A peior fabrica da Europa é quasi tão mal installada como a media das nossas fazendas. A energia mechanica mal começa a ser empregada e não somente tudo se faz a pulso, como é raro que se consagre um pensamento á organização logica do trabalho. No decurso da sua tarefa diaria um lavrador subirá doze vezes uma escada que joga. Por annos e annos carregará agua em vasilhas em vez de metier na terra uns metros de cano. E quando se lhe depara um trabalho extraordinario, a sua nica idéa é arranjar operarios supplementares. Acha um gasto inutil empregar dinheiro em melhoramentos. E’ por isto que os productos do solo, ainda quando a preços baixos, são sempre caros, e os lucros do lavrador, por maiores que sejam, nunca valem pelo que deviam ser. São os vae-evens inuteis, os esforços desperdiçados que encarecem os productos e reduzem os lucros.
Na minha fazenda de Dearborn tudo se faz mechanicamente e innumeras causas de desperdicio foram eliminadas; mas não chegamos ainda á exploração verdadeiramente economica. Ainda não me foi possivel dedicar á tarefa os cinco ou dez annos de estudo laborioso que o caso exige, e o que resta a fazer é bem mais do que o que já se fez. Comtudo, em época nenhuma deixamos de auferir altos lucros das nossas colheitas. Não sou agricultor, sou industrial em agricultura. Quando todos os agricultores se considerarem industriaes, e adquirirem horror ao desperdicio de mão de obra e de material, os productos cahirão a preços baratissimos e os lucros da agricultura crescerão tanto que a lavoura entrará para o ról das carreiras mais rendosas e seguras.
O motivo da lavoura passar como uma das industrias mais incertas e de menores lucros, tem sido a falta de conhecimentos e a ignorancia do em que realmente consiste, o trabalho da terra. Nada poderá dar lucros se tratado pelos actuaes methodos agricolas. O lavrador só tem como guias o acaso e a rotina dos avós. Não sabe produzir economicamente, nem vender. Um fabricante que assim procedesse estaria fallido. O facto de que apesar de tudo a agricultura ainda sustenta os lavradores é a melhor prova dos prodigiosos lucros que della se poderão auferir com outro systema de trabalho.
E’ facil conseguir na fabrica ou na fazenda uma producção abundante e economica. O mal reside no pendor para tudo complicar. Consideremos, por exemplo, um aperfeiçoamento.
Quando se fala de aperfeiçoamento, entendem logo de uma alteração do producto; um producto aperfeiçoado é um producto que foi mudado. Não penso assim. Minha idéa é não me metter a fabricar antes de ter encontrado o que ha de melhor a fabricar. Não quero dizer com isto que um artigo não possa ser modificado, mas creio que ha vantagens em nem sequer experimentarmos a fabricação de um artigo antes de estarmos plenamente convencidos da sua utilidade, da perfeição com que foi estudado e da excellencia do material que entrará no seu fabrico. Se vossos estudos não vos levam a estas conclusões, continuae a estudal-o. A producção deve partir do proprio artigo. A fabrica, a organização, a venda, as combinações financeiras devem vir depois do artigo. Com elle tereis em punho um formão de córte afiado e ganhareis tempo. A causa de muitos fracassos industriaes tem sido a pressa em fabricar antes de ter um bom artigo a fabricar. Muitos imaginam que o principal numa empresa seja a usina, o apoio financeiro ou a direcção. O principal é o artigo e quem se aventura a produzir antes que o estudo delle esteja completo, perderá seu tempo. Doze annos consagrei eu ao meu modelo T, (que é o actual carro Ford), o primeiro que me satisfez. Não procurei lançar-me seriamente na producção antes de ter um artigo sério. E desde então este artigo não foi em essencia modificado.
Estamos sempre experimentando com idéas novas. Quem passa pelas estradas de Dearborn vê toda a especie de carros Ford; são modelos de experiencia e não modelos novos. Tenho por norma jamais deixar escapar uma boa idéa que se me apresente e não decido nunca com precipitação se uma idéa é boa ou má. Se me parece boa, ou se tem probabilidades para tanto, costumo experimental-a de todos os modos. Mas entre experimentar uma idéa e introduzir alterações num carro a distancia é grande. Emquanto a maioria dos fabricantes está sempre prompta para modificar os seus productos, em vez de modificar os methodos de fabricação, eu sigo um plano opposto.
Nunca ficam estacionarios os nossos prcessos de fabricação. Creio que não ha uma só peça do meu automovel, que ainda seja fabricada pelo processo inicial. Esta é a razão de fabricarmos tão barato. As poucas alterações introduzidas nelle foram feitas para augmento da commodidade ou da solidez. Os materiaes variam á medida que nos aperfeiçoamos no seu conhecimento. Seria desastroso que por occasional escassez de material se interrompesse a producção ou se augmentassem os preços; por isso procurei obter um material succedaneo, ou varios, para cada peça. 0 aço vanadio, por exemplo, é o nosso melhor aço e com elle obtemos a maxima resistencia com o menor peso. Mas não seria prudente fazer repousar o futuro dos nossos negocios sobre as possibilidades de obtel-o. E creamos um succedaneo. Todos os nossos aços são especiaes, mas para cada um delles possuimos um ou mais, perfeitamente experimentados, que podem substituil-os. Assim procedemos com todos os outros materiaes e com todas as peças. A principio construiamos bem poucas peças do nosso carro e nenhum motor. Agora fazemos todos os motores e a maioria das peças, porque isso nos sae mais em conta, além de que nos previne contra possiveis fluctuações do mercado. Durante a guerra o preço do vidro subiu de um modo extraordinario e nós somos os maiores consumidores de vidro do paiz. Para evitar crise semelhante construimos uma fabrica propria. Onde estariamos, se nos tivessemos dispersado em fazer mudanças em nosso producto? Mas não tocando nelle pudemos dedicar toda a nossa energia ao aperfeiçoamento da fabricação.
Em um formão a parte essencial é o cóite. Aqui está a base da nossa empresa. Pouco importa que um formão seja bem feito, ou que seja do melhor aço, ou que seja muito bem forjado: se elle não córta não é um formão. E’ um pedaço de metal. O que importa é o serviço que presta um objecto e não as suas méras possibilidades. Por que descarregar uma força tremenda num formão cégo, quando com um leve golpe num afiado se fará o mesmo serviço? O formão existe para cortar e não para receber marteladas. O martelar é apenas um incidente do trabalho. Se desejamos realmente trabalhar, por que não augmentarmos a efficienciá do trabalho, executando-o do modo mais rapido possivel? O fio no commercio está no ponto em que o artigo attinge o comprador. Um producto que não satisfaz tem o fio embotado, não córta. Para fazel-o penetrar na clientela faz-se necessario um dispendio inutil de esforços. Numa officina, o fio é o operario munido de sua machina; se o operario não fôr habil, a machina tambem não o será; se esta não prestar, nada valerá aquelle. Todas as vezes que se emprega mais força do que o trabalho exige, ha desperdicio.
O fundo da minha idéa é, pois, que o desperdicio de energia e a avidez do dinheiro impedem a boa producção. O desperdicio é devido em grande parte a não se comprehender o que se faz, ou á falta de cuidado no que se faz. E a avidez não passa de myopia. Tenho-me esforçado por produzir com o minimo de desperdicio, tanto de material como de mão de obra, e por vender com o minimo de lucro, fazendo depender o lucro total da massa das vendas; e na fabricação o meu fito é distribuir salarios maximos. Como isto tende a abaixar o preço de custo, e como vendemos com lucro minimo, é-nos possivel offerecer os nossos productos por um preço de accordo com a capacidade acquisitiva do publico. Desse modo, todos quantos se relacionam com a nossa empresa, sejam como directores, trabalhadores ou compradores, só têm que se felicitar da nossa sociedade. O organismo que creamos presta serviços, é esta a unica razão que me leva a falar delle. Os principios da sua efficiencia são os seguintes:
1. °) Não temer o futuro, nem idolatrar o passado. O homem que teme o futuro, que se arreceia do insuccesso, limita a sua actividade. O insuccesso é apenas uma opportunidade para recomeçar de novo com mais intelligencia. Não ha vergonha alguma num insuccesso honesto; ha vergonha em temer o insuccesso. Quanto ao passado, elle só nos serve para fornecer indicações para os progressos do futuro.
2. °) Despreoccupar-se da competição. Quem faz melhor que um outro deve ser o unico a fazer. E’ um crime atravessar os negocios do vizinho; é um crime porque é aproveitar-se em proveito proprio da situação conquistada pelo seu semelhante; é dominar pela força, em vez de dominar pela intelligencia.
3. °) Sobrepor o interesse da producção ao interesse do productor. Sem lucros, está claro, não se desenvolve uma empresa; nada ha máo no facto de ganhar dinheiro uma empresa bem conduzida não pode deixar de dar lucros; mas os lucros só devem vir, e vêm necessariamente, como a recompensa de uma boa producção. O lucro não pode ser o ponto de partida, mas deve ser o resultado dos serviços prestados.
4. °) Não reduzir a industria á arte de vender caro o que se fabrica barato. A industria consiste em obter materia prima por preços razoaveis, transformal-a com a menor despesa possivel em artigos vendaveis e entregar estes artigos ao consumidor. O jogo, a especulação, a fraude só podem entravar a marcha das operações.
Donde me vieram estas idéas? Que resultados deram? De que applicações geraes são possiveis? E’ o que iremos ver.