Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 2008 Helen Bianchin. Todos os direitos reservados.
NA CAMA DO SEU MARIDO, N.º 317 - Agosto 2013
Título original: The martinez marriage Revenge.
Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.
Publicado em português em 2009
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-687-3383-8
Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño
www.mtcolor.es
– Podemos dar outra volta? Por favor!
O ruído e a cor da feira rodeavam-nas. Música alta, gargalhadas, os gritos das crianças no carrossel, a roda gigante... barracas que chamavam a atenção de uma menina.
Havia tendas às riscas que prometiam aventuras excitantes, carrinhos de algodão doce, cachorros quentes e barracas que ofereciam bonecos de peluche como prémio por se derrubarem patos que andavam às voltas.
O sorriso de Nicki era uma doçura, o seu bom feitio era uma bênção. Shannay abraçou, amorosa, a sua filha. Os seus pequenos braços rodearam-lhe o pescoço.
– Estamos a divertir-nos, não estamos?
Shannay sentiu como lhe tocava naquela fibra sensível que reagia ao amor incondicional de uma menina.
– Uma vez! – acedeu e pagou outra volta. – Depois, temos de ir.
– Eu sei – concordou Nicki, alegre. – Tens de ir trabalhar.
– E tu tens de dormir bem para poderes estar atenta amanhã na escola.
– Assim, poderei crescer e ser tão inteligente como tu.
Aumentou o volume da música e o carrossel começou a dar voltas. Nicki agarrou nas rédeas do cavalo de cores brilhantes.
Licenciara-se, mas não fora assim tão inteligente no que se referira à sua vida pessoal, pensou Shannay. Um casamento acabado em menos de dois anos não podia ver-se como algo especialmente bom, apesar das circunstâncias atenuantes.
Águas passadas não movem moinhos, disse para si, enquanto o carrossel perdia velocidade até parar.
– Acabou-se!
Shannay desceu e depois tirou a sua filha do cavalo às cores.
Os bonitos olhos escuros da menina faiscavam entre gargalhadas de delícia, enquanto gritava e dava um beijo sonoro na face da sua mãe.
Os olhos do seu pai, pensou Shannay, tentando controlar a tensão que sentia no estômago ao pensar no homem com quem se casara cinco anos antes, noutro país.
Marcos Martínez, nascido em França, filho de pais espanhóis, criado e educado em Paris, e com os estudos universitários realizados em Madrid.
Falava várias línguas, era atraente, sensual, encantador... Apaixonara-se por ele e arrastara-a para uma vida muito diferente da que levara até então.
Dissera para si mesma que se adaptaria... e fizera-o. Ou assim pensara. Mas não para a família dele, que lhe deixara claro que não encaixava com o seu estatuto.
Uma complicação adicional fora o facto de a família ter favorecido a escolha de uma namorada aceitável... Estrella de Córdoba. A morena impressionante de olhos pretos, de linhagem espectacular e obscenamente rica.
Algo que, tanto a família Martínez, como a própria Estrella nunca tinham deixado Shannay esquecer. Ou que Marcos e Estrella tinham sido amantes... Uma situação que depressa se reatou depois do seu casamento, se acreditasse nos rumores. Rumores activamente alimentados por uma parte da família Martínez, com o objectivo de debilitar as defesas de Shannay.
As provas irrefutáveis da infidelidade de Marcos, depois de vinte meses de se terem casado, tinham provocado uma discussão explosiva, que acabara com Shannay a mudar-se para um hotel e, posteriormente, a entrar no primeiro avião de volta para a Austrália.
Em poucas semanas, conseguira um bom emprego numa farmácia dos subúrbios de Perth, arrendara um apartamento, comprara um carro... e tomara a decisão de pôr Marcos onde devia estar: no passado.
Era difícil, quando a sua imagem penetrava constantemente os seus pensamentos diurnos e assaltava os seus sonhos à noite.
Era impossível, quando náuseas persistentes a tinham feito ir ao médico e descobrira que estava grávida de algumas semanas.
Era incrivelmente irónico, dado o quão desesperadamente quisera dar um filho a Marcos, que a confirmação da concepção tivesse chegado quando o seu casamento já acabara.
Durante a gravidez, decidira não informar Marcos da sua paternidade, caso perdesse o bebé, e depois desenvolvera um instinto maternal tão forte que contar-lhe nem sequer fora uma opção.
Como precaução, escondera o seu rasto com sucesso, recorrendo ao apelido de solteira da sua mãe e fazendo com que o correio lhe chegasse através de uma rota realmente tortuosa.
Naquele momento, quase quatro anos depois de abandonar Madrid, a vida corria-lhe bem. Organizada, pensou. Tinha um apartamento num edifício moderno de alto nível, nos subúrbios de Applecross, e trabalhava das cinco horas até à meia-noite numa farmácia não muito longe da sua casa. Era ideal porque lhe permitia passar o dia com Nicki e também pagar a Anna, uma viúva agradável de um apartamento vizinho, para que ficasse com a menina à noite.
– Posso levar um pouco de algodão doce para casa, para o comer com Anna? – a expressão de Nicki era angélica: – Prometo que depois lavarei os dentes.
Shannay abriu a boca para lhe oferecer o melão que trazia num tupperware, mas depois mudou de ideias.
– Está bem – disse e conteve-se de acrescentar qualquer observação.
Como podiam ir à feira e não comer algodão doce?
O rosto da menina iluminou-se.
– Adoro-te, mamã. És fantástica!
Shannay abraçou com força a sua filha.
– Eu também te adoro, diabinho – riu-se e deu-lhe um beijo na face.
Levantou a cabeça... e ficou paralisada quando o seu olhar se encontrou com o de duas pessoas que pensara nunca mais voltar a ver. Achara que ninguém da família Martínez voltaria a cruzar-se no seu caminho. Que possibilidades havia, vivendo em lados opostos do mundo?
E porque estavam ali, numa feira num parque dos subúrbios de Perth?
Sentiu um aperto no coração, antes de começar a pulsar-lhe a um ritmo descontrolado.
Era evidente que a tinham reconhecido, portanto não podia fugir.
– Shannay – houve uma pausa quase imperceptível antes de Alejandro Martínez recompor a sua expressão.
Shannay levantou o queixo e olhou fixamente para o irmão mais novo de Marcos, que, seguidamente, olhou para a menina e depois para ela.
– Alejandro – fria, educada... Ela também conseguia fazê-lo. – Luisa – reconheceu a jovem que estava ao seu lado.
Tinha de se afastar já.
– Mamã?
Não! Da boca de uma menina inocente saíra a única palavra que não deixava nenhuma dúvida sobre de quem era Nicki.
Shannay viu como a boca de Alejandro se contraía até se transformar numa linha.
– É tua filha?
Antes que pudesse dizer alguma coisa, Nicki explicou, com voz solene:
– O meu nome é Nicki e tenho três anos.
«Oh, querida», quase gritou, «tens alguma ideia do que acabaste de fazer?».
A acusação silenciosa que viu no olhar de Alejandro alarmou-a e não teve a mínima dúvida de que, se estivesse sozinha, lhe teria lançado uma recriminação.
Os laços da família Martínez eram tão fortes que Shannay teve a certeza de que não havia a mínima possibilidade de que Alejandro permanecesse em silêncio.
Mal conseguiu controlar o desejo de rodear Nicki com os seus braços e desatar a correr a toda a velocidade para casa... e fazer as malas. Entrar num avião para a costa leste e perder-se numa nova cidade.
– Se me dão licença – conseguiu dizer, com frieza. – É um pouco tarde.
Shannay agarrou na mão da menina, virou-se e obrigou-se a andar de um modo controlado para a saída, com as costas direitas e a cabeça erguida.
Tinha orgulho para dar e vender. E não olhou para trás enquanto avançavam entre a multidão. O sangue gelou-lhe nas veias enquanto colocava o cinto de segurança da cadeirinha à menina no carro.
– Esquecemo-nos do algodão doce.
– Compramos qualquer coisa no caminho – no supermercado, vendiam-no embalado.
Ligou o motor do carro.
– Não será o mesmo – disse a menina, sem rancor.
Não, não seria. «Bolas!», praguejou. Se não tivessem dado outra volta no carrossel... Mas tinham dado. E era demasiado tarde para recriminações. Voltou para casa e agiu como um autómato enquanto dava banho e preparava Nicki, e se preparava para ir para o trabalho. Depois, deixou a sua filha ao cuidado de Anna e foi de carro para a farmácia.
De alguma forma, conseguiu passar a noite a vender medicamentos e a dar conselho aos clientes que lho pediam.
Preocupação, receio, medo... A mistura evidente aumentara a sua tensão quase até ao ponto de rebentar e à hora do fecho tinha uma bela dor de cabeça.
Foi um grande alívio chegar ao seu apartamento, agradecer a Anna, ver como estava Nicki, despir-se e meter-se na cama.
Mas não conseguiu adormecer... a pensar na reacção do seu marido quando descobrisse que tinha uma filha... a sua filha.
Poderia tentar negar que ele era o pai de Nicki? Uma gargalhada nasceu e morreu na sua garganta. Marcos só tinha de pedir um teste de ADN. E depois?
Um estremecimento percorreu o seu corpo magro.
Marcos era um estratega desumano e tinha dinheiro e poder suficientes para ultrapassar qualquer obstáculo que se interpusesse no seu caminho.
Mas Shannay seria uma excepção. Ninguém poderia interpor-se entre a sua filha e ela. Ninguém!
A sua resolução intensificava-se a cada hora que passava. Tal como a tensão nervosa.
Estava claro que Marcos entraria em contacto com ela. Ou pessoalmente, ou através de um representante legal. Ela podia não importar nada a Marcos, mas uma filha era outro assunto.
Dado que Alejandro podia dizer-lhe onde a encontrara, que dificuldade suporia para um homem como Marcos descobrir a sua casa ou o seu trabalho?
«É canja!», comentou uma voz interior.
Ter consciência disso não lhe agradou. Mal comia e dedicava o tempo que passava acordada a tentar adiantar-se a todas as possibilidades que Marcos poderia escolher para aparecer.
A necessidade de se certificar de que Anna tomasse todas as precauções enquanto Nicki estivesse a seu cargo acabou com uma pergunta:
– Estás com problemas legais?
– Não... Não, é claro que não! – reiterou Shannay.
– Era tudo o que precisava de saber.
Uma mãe aparentemente solteira com uma menina... Como não haveria de chegar à conclusão de que podia haver uma batalha iminente pela custódia?
– Obrigada – disse, com verdadeira gratidão.
Quanto tempo demoraria Marcos a conceber a sua estratégia e a pô-la em prática? Alguns dias? Uma semana?
Primeiro, tinha de consultar um advogado para saber quais eram os seus direitos. Tinha uma ideia aproximada do básico e era suficientemente ardilosa para se dar conta de que o que parecia lógico e racional nem sempre era a verdade.
Também poderia interpor um pedido de divórcio. Dado que estava separada há muito mais tempo do que o necessário, seria apenas uma questão de tempo conseguir a dissolução do casamento.
Pelo que o único assunto que ficaria pendente seria a questão da custódia.
Um calafrio percorreu-lhe o corpo e instalou-se nos seus ossos.
Marcos não poderia pedir a custódia de Nicki... pois não? Que direitos poderia ter?
Shannay abraçou-se para evitar tremer de medo. O seu ex-marido tinha o dinheiro e o poder para alcançar qualquer objectivo que se propusesse.
Um grito silencioso ecoou-lhe na cabeça.
Se ele decidisse que queria Nicki, moveria céus e terra para o conseguir.
«Só por cima do meu cadáver!», decidiu Shannay.
Marcos Martínez percorreu o terminal internacional com Carlos, o seu assistente pessoal e guarda-costas de confiança, ao seu lado.
O legado dos Martínez dotara-o das feições imponentes e bem definidas dos seus antepassados e de uns olhos impressionantes e quase pretos que projectavam a dureza de um homem versado nas fraquezas da natureza humana.
Tinha uma aura de força e de masculinidade intensa, para além de uma perigosa falta de piedade, o que era um mau presságio para qualquer adversário.
Relacionava-se com a nobreza espanhola e dispunha de uma fortuna pessoal que o punha nos lugares mais altos da lista de ricos europeus.
E notava-se... Pelo fato da Armani, os sapatos italianos e o Rolex no pulso.
O longo voo não conseguira fazê-lo perder minimamente o controlo. O seu luxuoso avião privado tinha todo o tipo de comodidades e estava dotado da última tecnologia, o que lhe permitia ter um escritório ambulante.
Como trabalhara, analisara listas, gráficos e dados, e se mantivera em contacto com Alejandro... não fora capaz de desligar e dormir. Algo que normalmente fazia na cama confortável de que dispunha no quarto privado que havia na cauda do avião.
Em vez disso, vira-se perseguido pela imagem de uma jovem, tirada recentemente com a máquina fotográfica de um telemóvel: Shannay Martínez... Naquele momento, Robins. E a sua filha.
Havia duas imagens, a de antes e a de depois. Na primeira, serena, feliz e amorosa. Mãe e filha a rirem-se.
Na segunda, a expressão da menina continuava igual, mas a da sua esposa, no entanto, reflectia comoção e algo mais... O pressentimento de que a sua vida como fora desde que saíra de Madrid iria acabar?
Sem dúvida!
Apertou o queixo enquanto saíam pelas portas de vidro do terminal e entravam numa limusina que os esperava.
O motorista colocou as suas malas no porta-bagagem e depois sentou-se ao volante. Marcos mal reparou na paisagem enquanto saíam do aeroporto.
Uma filha!
Quase não conseguia controlar a raiva, até que o visor do telemóvel se iluminou com a chamada de Alejandro.
Como se atrevia Shannay a mantê-lo na ignorância da existência de uma filha?
A sua reacção inicial fora dar instruções ao seu piloto para que se dispusesse a viajar para a Austrália, mas, em vez disso, agira com calma, consultara os seus advogados e planeara uma estratégia. No dia seguinte, tentaria pô-la em prática.
A suíte de Marcos, num hotel da cidade, oferecia todo o tipo de luxos. Tirou o casaco, afrouxou a gravata, organizou a sua bagagem e sentou-se confortavelmente para ler com atenção o relatório que lhe tinham facilitado.
O detective que contratara tinha feito um bom trabalho. No documento havia uma lista exaustiva dos movimentos de Shannay nos últimos dias, a sua morada, o seu telefone que não aparecia na lista telefónica, a matrícula, marca e modelo do seu carro, o seu local de trabalho, o jardim infantil de Nicki. Detalhes que preenchiam alguns dos espaços em branco e revelavam que não tocara nem num cêntimo do dinheiro que ele depositara num banco em seu nome, nem na quantia que fora acrescentando mês a mês.
Queria abaná-la e tê-lo-ia feito se a tivesse ao seu alcance.
O que estava Shannay a tentar demonstrar? Algo que ele já sabia: que as suas relações familiares, a sua riqueza e o seu estatuto social nunca a tinham impressionado.
Ela caíra na sua vida, literalmente, pensou, recordando o momento em que o salto fino de um dos seus sapatos ficara preso numa grelha e ela caíra contra ele numa rua central de Madrid.
Não estava preparado para a química instantânea... nem para a necessidade instintiva de prolongar o contacto com ela.
Tinham bebido um café num café próximo, trocado números de telemóvel... e o resto era história. Marcos fechou o relatório e aproximou-se da área envidraçada que oferecia uma bonita vista sobre o rio Swan.
O céu era um cenário de fundo azul dos edifícios altos da cidade, a vegetação cuidada... um panorama colorido para o qual olhava ausente e que lhe recordava uma paisagem semelhante de alguns anos antes, quando deslizara um anel no dedo de Shannay. Uma época em que os dois tinham o suficiente com o outro e raramente passavam um momento afastados.
Marcos sentiu que o seu corpo ficava tenso com as lembranças de tudo o que tinham partilhado. O entusiasmo desinibido dela, a sua gargalhada, a sua paixão. A sua própria resposta libidinosa fora de controlo. Algo que nunca sentira antes com nenhuma mulher.
Nem em nenhum outro aspecto da sua vida. No mundo dos negócios, tinha a reputação de ser um homem frio e de manter a calma na pior situação. Uma conduta que lhe granjeara o respeito dos seus adversários. Virou-se para se afastar das janelas e olhou para o seu relógio. Fora um voo longo, mudara de fuso horário e tinha de se adaptar.
Nadar na piscina do hotel e depois uma boa sessão de ginásio ajudá-lo-ia a aliviar a tensão.
Com isso na cabeça, escreveu uma mensagem a Carlos, depois tirou a roupa, vestiu um fato-de-banho, um robe, procurou uma toalha e meteu-se no elevador.
Hora e meia depois, de banho tomado e vestido com um fato formal, saiu para a rua, entrou na sua limusina e disse ao motorista que o levasse a uma morada na cidade.
O advogado altamente qualificado de Perth que a equipa jurídica de Marcos contratara para representar os seus interesses na Austrália confirmou certos aspectos legais e explicou-lhe o procedimento. A reunião acabou quase no fim o dia.
De volta ao hotel, tirou o casaco e a gravata, pediu o jantar ao serviço de quartos, ligou o portátil à Internet e comunicou com o escritório de Madrid.
Shannay baixou-se até ficar à altura de Nicki, abraçou-a e sussurrou-lhe:
– Adoro-te.
– Eu também – disse a sua filha, enquanto ela se levantava.
– Tem um bom dia.
O jardim infantil era cuidadosamente organizado, a maior parte era brincadeira, uma coisa importante para as crianças. Nicki gostava especialmente do tempo que passava com os seus colegas a brincar com plasticina, a pintar com os dedos ou a ouvir histórias contadas pelas educadoras de infância.
– Tu também.
Nicki misturou-se entre os seus colegas e Shannay sorriu ao vê-la a estabelecer uma conversa animada com um dos seus amigos.
Estava na altura de partir, meter-se no carro e voltar para casa. Tinha de fazer algumas chamadas, para além de tarefas domésticas, antes de vir buscar a sua filha.
Um pouco depois, estava a trocar as calças de ganga e a camisa por uns calções e uma t-shirt, e punha mãos ao trabalho.
Limpar o pó, varrer e limpar o chão ajudou Shannay a consumir um pouco da energia que lhe sobrava devido aos nervos. Aspirou o chão com um brio fora do comum. Mais cinco minutos e teria acabado, então tomaria banho, vestir-se-ia, faria algumas chamadas e iria buscar Nicki.
O som do intercomunicador foi quase inaudível com o ruído do aspirador. Desligou o aparelho, atravessou a sala e afastou um sentimento estranho de preocupação... Era absurdo.
Passara vários dias em pulgas, à espera que Marcos desse o seu primeiro passo, a agonizar à espera que acontecesse e a avaliar as consequências.
Pelo amor de Deus, podia ser qualquer pessoa a tocar à campainha...! Portanto, respirou fundo e foi ver o ecrã do intercomunicador.
As fortes medidas de segurança tinham sido uma das razões pelas quais comprara aquele apartamento. A protecção era uma coisa importante numa grande cidade e ficava mais tranquila sabendo que tomara todas as precauções possíveis.
Voltaram a tocar à campainha... e ficou sem fôlego quando reconheceu a figura masculina que aparecia no ecrã: Marcos Martínez... em carne e osso.
A imagem a preto e branco não conseguia diminuir as suas feições poderosas... a estrutura óssea forte do rosto, o olhar penetrante e a boca bonita.
Shannay sentiu um nó no estômago só de o ver e devido à onda de lembranças que despertou nela.
As lembranças boas eram os seus carinhos e a paixão que despertara nela... Aquelas não tão boas eram as discussões que tinham resultado numa escalada de ódio.
Ficou a olhar para o ecrã. Não fazia sentido adiar o inevitável.
Tremiam-lhe as mãos quando pegou no auscultador, recitou uma breve expressão de reconhecimento e viu endurecer a expressão de Marcos.
– Abre-me a porta, Shannay! Temos de falar.
– Não tenho nada para te dizer.
Por um momento, o olhar dele escureceu e a sua voz adquiriu um tom perigoso e suave.
– Pretendo ver a minha filha.
– Não tens nenhuma prova de que seja tua.
– Queres fazer isto a mal? – o seu olhar trespassava o ecrã.
– Perdemos a capacidade de dialogar há muito tempo.
A expressão de Marcos endureceu e Shannay tinha a sensação desagradável de que conseguia vê-la... O que, é claro, era impossível!
Mesmo assim, essa certeza não conseguia tranquilizá-la, nem evitava que os calafrios de medo lhe percorressem as costas.
Era fácil desligar o ecrã. Não era assim tão fácil tirá-lo da cabeça. E a sua poderosa imagem recusava-se a desaparecer, apesar de todos os esforços que fizera enquanto tomava banho, vestia umas calças pretas de ganga, uma blusa simples, colocava uma maquilhagem leve e apanhava o cabelo.
Pegou na sua mala e nas chaves, fechou a porta do apartamento e desceu de elevador até ao estacionamento. Os nervos atacavam-lhe o estômago enquanto caminhava para o seu carro... Hesitou ligeiramente ao ver um homem alto, apoiado na porta do acompanhante.