Sumário

Página do Título

Introdução

Junho de 1942

Segunda-feira, 15 de junho de 1942

Sábado, 20 de junho de 1942

Sábado, 20 de junho de 1942

Domingo, 21 de junho de 1942

Quarta-feira, 24 de junho de 1942

Terça-feira, 30 de junho de 1942

Sexta-feira, 3 de julho de 1942

Manhã de domingo, 5 de julho de 1942

Quarta-feira, 8 de julho de 1942

Quinta-feira, 9 de julho de 1942

Sexta-feira, 10 de julho de 1942.

Sábado, 11 de julho de 1942.

Sexta-feira, 14 de agosto de 1942

Sexta-feira, 21 de agosto de 1942

Setembro de 1942

Quarta-feira, 2 de setembro de 1942

Segunda-feira, 21 de setembro de 1942

Sexta-feira, 25 de setembro de 1942

Domingo, 27 de setembro de 1942

Segunda-feira, 28 de setembro de 1942

Terça-feira, 29 de setembro de 1942

Outubro de 1942

Quinta-feira, 1 de outubro de 1942

Sábado, 3 de outubro de 1942

Sexta-feira, 9 de outubro de 1942

Sexta-feira, 16 de outubro de 1942

Terça-feira, 20 de outubro de 1942

Quinta-feira, 29 de outubro de 1942

Novembro de 1942

Sábado, 7 de novembro de 1942

Segunda-feira, 9 de novembro de 1942

Terça-feira, 10 de novembro de 1942

Quinta-feira, 12 de novembro de 1942

Terça-feira, 17 de novembro de 1942

Quinta-feira, 19 de novembro de 1942

Sexta-feira, 20 de novembro de 1942

Sábado, 28 de novembro de 1942

Dezembro de 1942

Segunda-feira, 7 de dezembro de 1942

Terça-feira, 10 de dezembro de 1942

Domingo, 12 de dezembro de 1942

Terça-feira, 22 de dezembro de 1942

Janeiro de 1943

Quarta-feira, 13 de janeiro de 1943

Sábado, 30 de janeiro de 1943

Fevereiro de 1943

Sexta-feira, 5 de fevereiro de 1943

Sábado, 27 de fevereiro de 1943

Março de 1943

Quarta-feira, 10 de março de 1943

Quinta-feira, 11 de março de 1943

Maio de 1943

Sábado, 11 de maio de 1943

Terça-feira, 18 de maio de 1943

Junho de 1943

Domingo, 13 de junho de 1943

"Embora caçula, já não es mais pequena,

Terça-feira, 15 de junho de 1943

Julho de 1943

Sábado, 11 de julho de 1943

Terça-feira, 13 de julho de 1943

Sexta-feira, 16 de julho de 1943

Segunda-feira, 19 de julho de 1943

Sexta-feira, 23 de julho de 1943

Segunda-feira, 26 de julho de 1943

Terça-feira, 29 de julho de 1943

Terça-feira, 3 de agosto de 1943

Quarta-feira, 4 de agosto de 1943

Quinta-feira, 5 de agosto de 1943

Segunda-feira, 9 de agosto de 1943

Terça-feira, 10 de agosto de 1943

Quarta-feira, 18 de agosto de 1943

Sexta-feira, 20 de agosto de 1943

Segunda-feira, 23 de agosto de 1943

Sexta-feira, 10 de setembro de 1943

Quinta-feira, 16 de setembro de 1943

Quarta-feira, 29 de setembro de 1943

Outubro de 1943

Domingo, 17 de outubro de 1943

Sexta-feira, 29 de outubro de 1943

Novembro de 1943

Quarta-feira, 3 de novembro de 1943

Segunda-feira, à noite, 8 de novembro de 1943

Quinta-feira, 11 de novembro de 1943

Quarta-feira, 17 de novembro de 1943

Sábado, 27 de novembro de 1943

Dezembro de 1943

Segunda-feira, 6 de dezembro de 1943

Quarta-feira, 22 de dezembro de 1943

Sexta-feira, 24 de dezembro de 1943

Sábado, 25 de dezembro de 1943

Segunda-feira, 27 de dezembro de 1943

Quarta-feira, 29 de dezembro de 1943

Janeiro de 1944

Domingo, 2 de janeiro de 1944

Quarta-feira, 5 de janeiro de 1944

Quinta-feira, 6 de janeiro de 1944

Sexta-feira, 7 de janeiro de 1944

Quarta-feira, 12 de janeiro de 1944

Sábado, 15 de janeiro de 1944

Sábado, 22 de janeiro de 1944

Segunda-feira, 24 de janeiro de 1944

Quinta-feira, 27 de janeiro de 1944

Sexta-feira, 28 de janeiro de 1944

Fevereiro de 1944

Quinta-feira, 3 de fevereiro de 1944

Sábado, 12 de fevereiro de 1944

Domingo, 13 de fevereiro de 1944

Segunda-feira, 14 de fevereiro de 1944

Quarta-feira, 16 de fevereiro de 1944

Sexta-feira, 18 de fevereiro de 1944

Sábado, 19 de fevereiro de 1944

Quarta-feira, 23 de fevereiro de 1944

Domingo, 27 de fevereiro de 1944

Segunda-feira, 28 de fevereiro de 1944

Março de 1944

Quarta-feira, 1º de março de 1944

Quinta-feira, 2 de março de 1944

Sexta-feira, 3 de março de 1944

Sábado, 4 de março de 1944

Segunda-feira, 6 de março de 1944

Terça-feira, 7 de março de 1944

Domingo, 12 de março de 1944

Terça-feira, 14 de março de 1944

Quarta-feira, 15 de março de 1944

Quinta-feira, 16 de março de 1944

Sexta-feira, 17 de março de 1944

Domingo, 19 de março de 1944

Segunda-feira, 20 de março de 1944

Quarta-feira, 22 de março de 1944

Quinta-feira, 23 de março de 1944

Segunda-feira, 27 de março de 1944

Terça-feira, 28 de março de 1944

Quarta-feira, 29 de março de 1944

Sexta-feira, 31 de março de 1944

Abril de 1944

Sábado, 1º de abril de 1944

Segunda-feira, 3 de abril de 1944

Terça-feira, 4 de abril de 1944

Quinta-feira, 6 de abril de 1944

Terça-feira, 11 de abril de 1944

Sexta-feira, 14 de abril de 1944

Sábado, 15 de abril de 1944

Domingo de manhã, 16 de abril de 1944

Segunda-feira, 17 de abril de 1944

Terça-feira, 18 de abril de 1944

Quarta-feira, 19 de abril de 1944

Sexta-feira, 21 de abril de 1944

Quinta-feira, 27 de abril de 1944

Sexta-feira, 28 de abril de 1944

Maio de 1944

Terça-feira, 2 de maio de 1944

Quarta-feira, 3 de maio de 1944

Sexta-feira, 5 de maio de 1944

Sábado, 6 de maio de 1944

Domingo de manhã. 7 de maio de 1944

Segunda-feira, 8 de maio de 1944

Terça-feira, 9 de maio de 1944

Quarta-feira, 10 de maio de 1944

Quinta-feira, 11 de maio de 1944

Sábado, 13 de maio de 1944

Terça-feira, 16 de maio de 1944

Sexta-feira, 19 de maio de 1944

Segunda-feira, 22 de maio de 1944

Quinta-feira, 25 de maio de 1944

Sexta-feira, 26 de maio de 1944

Quarta-feira, 31 de maio de 1944

Junho de 1944

Segunda-feira, 5 de junho de 1944

Terça-feira, 6 de junho de 1944

Sexta-feira, 9 de junho de 1944

Terça-feira, 13 de junho de 1944

Quarta-feira, 14 de junho de 1944

Quinta-feira, 15 de junho de 1944

Sexta-feira, 16 de junho de 1944

Sexta-feira, 23 de junho de 1944

Terça-feira, 27 de junho de 1944

Sexta-feira, 30 de junho de 1944

Julho de 1944

Quinta-feira, 6 de julho de 1944

Sábado, 8 de julho de 1944

Sábado, 15 de julho de 1944

Sexta-feira, 21 de julho de 1944

Terça-feira, 1º de agosto de 1944

EPILOGO

Introdução

O Diário de Anne Frank é um livro escrito por Anne Frank entre 12 de junho de 1942 e 1.º de agosto de 1944 durante a Segunda Guerra Mundial. É conhecido por narrar momentos vivenciados pelo grupo de judeus confinados em um esconderijo durante a ocupação nazista da Holanda. Publicado originalmente com o título de “Het Achterhuis. Dagboekbrieven 14 Juni 1942 – 1 Augustus 1944” (O Anexo: Notas do Diário 14 de junho de 1942 - 1º de agosto de 1944) pela editora "Contact Publishing" em Amsterdã em 1947, o diário recebeu ampla atenção popular e da crítica após sua publicação inglês intitulada "Anne Frank: The Diary of a Young Girl" pela Doubleday & Company (Estados Unidos) e Vallentine Mitchell (Reino Unido) em 1952.

Desde então, foi publicado em mais de 40 países e traduzido em mais de 70 idiomas, e vendeu mais de 35 milhões de cópias em todo o mundo, sendo 16 milhões só no Brasil.

Sua popularidade inspirou a peça de teatro "The Diary of Anne Frank", de 1955, dos roteiristas Frances Goodrich e Albert Hackett, que também a adaptaram para uma versão cinematográfica de 1959.

Suas anotações foram declaradas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como patrimônio da humanidade. Além disso, o livro figura na 19º posição da lista “Os 100 livros do século” segundo o Le Monde

Junho de 1942

Domingo, 14 de junho de 1942

Na sexta-feira, 12 de junho, acordei as seis horas. Pudera! Era dia do meu aniversário. É claro que eu não tinha permissão para levantar àquela hora, e por isso tive de refrear a minha curiosidade até as quinze para as sete. Ai então não aguentei mais e corri até a sala de jantar, onde recebi as mais calorosas saudações de Moortie (a gata).

Logo depois das sete fui dar bom-dia a mamãe e ao papai, e, depois, corri a sala de estar para desembrulhar meus presentes. O primeiro que me saudou foi você, possivelmente o melhor de todos. Sobre a mesa havia também um ramo de rosas, uma planta e algumas petúnias; durante o dia chegaram outros.

Ganhei uma porção de coisas de mamãe e papai e fui devidamente presenteada por vários amigos. Entre outras coisas, deram-me um jogo de salão chamado Câmara Escura, muitos doces, chocolates, um quebra-cabeça, um broche, os Contos e lendas da Holanda, de Joseph Cohen, Daisy e suas férias nas montanhas (um livro espetacular) e algum dinheiro. Agora posso comprar Os mitos da Grécia e Roma — que legal! Lies veio então apanhar-me para irmos à escola. No recreio, distribui biscoitinhos doces para todo mundo, e então tivemos de voltar as aulas.

Agora tenho que parar. Até logo. Acho que seremos grandes amigas.

Segunda-feira, 15 de junho de 1942

Minha festa de aniversário foi no domingo de tarde. Passamos um filme de Rin-Tin-Tin. Meus amigos e eu adoramos. Divertimo-nos a valer. Vieram muitos meninos e meninas. Mamãe está sempre querendo saber com quem vou me casar. Nem de longe suspeita que é com Peter Wessel; um dia — sem corar nem pestanejar — consegui tirar definitivamente essa ideia da cabeça dela. Durante anos, Lies Goosens e Sanne Houtman foram minhas melhores amigas. Mas depois conheci Jopie de Waal, na Escola Secundaria Israelita. Passamos a andar juntas, e ela e, agora, minha melhor amiga. Lies fez amizade com outra menina e Sane frequenta outra escola onde conquistou novos amigos.

Sábado, 20 de junho de 1942

Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário.

E estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de habito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração.

Ha um ditado que diz: "O papel e mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saia ou ficava em casa. Sim, não há dúvida de que o papel e paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao cerne da questão,

motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro.

Vou explicar isso melhor, pois ninguém ha de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem e esse o caso. Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos.

Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema e que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato e esse, e não sei como mudá-lo.

Daí, este diário. A fim de incrustar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria.

Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada. Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora.

Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. A 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai e socio.

O resto de nossa família, no entanto, sofreu todo o impacto das leis antissemitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram. Primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem a vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três as cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas as oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sequer sentar-se em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes.

Assim, não podíamos fazer isto e estávamos terminantemente proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo, Jopie costumava dizer: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. —  Nossa liberdade era terrivelmente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis.

Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém consegue imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela.

Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6oB, tive de despedir-me da Sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundaria Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro.

Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chegamos ao dia de hoje.

Sábado, 20 de junho de 1942

Querida Kitty

Vou principiar já. Tudo está tranquilo neste momento. Mamãe e papai saíram, e Margot foi jogar pingue-pongue com alguns amigos.

Eu também tenho jogado um bocado de pingue-pongue, ultimamente. Nós, jogadores de pingue-pongue, adoramos sorvete, principalmente no verão, quando sentimos mais calor por causa do jogo. Assim, quase sempre, ao final do jogo, vamos todos para a sorveteria mais próxima — a Delphi ou a Oasis —, onde são permitidos judeus. A Oasis geralmente está cheia, e em nosso imenso círculo de amigos sempre há algum cavalheiro generoso ou namorado que nos oferece uma quantidade de sorvete muito maior do que a que conseguiríamos devorar em uma semana.

Você deve estar admirada por eu estar falando de namorados, na minha idade. Mas, o que e que eu posso fazer? Ninguém pode evitar isso na minha escola. Sempre que um menino pede para vir comigo para casa, de bicicleta, e começamos a conversar, uma em cada dez vezes e certo de que ele se vai apaixonar loucamente e não vai mais me perder de vista. É claro que depois de algum tempo isso esfria, ainda mais que não dou muita bola para seus olhares ardentes, e vou em frente, pedalando despreocupadamente.

Se as coisas vão longe demais e eles falam em ir lá em casa "falar com papai", dou uma guinada na bicicleta, deixo minha mala cair, e quando o garoto estaca, para apanhá-la, já tratei de mudar de assunto. Esses são os tipos mais inocentes; há outros que atiram beijos ou tentam segurar-nos pelo braço; nesse caso, estão definitivamente batendo na porta errada. Salto da bicicleta e recuso-me a seguir em sua companhia, e, fingindo-me insultada, digo-lhes claramente que não me interessam.

Pronto, os alicerces de nossa amizade foram criados. Até amanhã.

Sua Anne.

Domingo, 21 de junho de 1942

Querida Kitty

A turma B1 está tremendo, e o motivo e que brevemente vai haver uma reunião de professores. Estamos a conjecturar sobre quem vai passar de ano e quem vai repetir. Miep de Jong e eu divertimo-nos a beca só de ver Winn e Jacques, os dois garotos que se sentam atrás de nós. Acho que não vai lhes sobrar um tostão para as férias, de tanto que apostam. E "Você vai passar", "Não vou", "Vai", o dia inteiro. Nem mesmo os pedidos de Miep para se calarem nem minhas explosões de broncas surtem efeito.

Na minha opinião, um quarto da classe devia ficar onde está. Não há dúvida de que existem uns malandrões de marca maior, mas os professores são também um bocado venais, e só espero que desta vez sejam justos, só para variar.

Por meus amigos e por mim, não tenho medo. Havemos de passar nem que seja raspando, embora eu não confie muito na minha matemática. Enfim, só nos resta esperar com paciência. Enquanto isso, procuramos nos animar uns aos outros. Dou-me bem com todos os meus professores, nove ao todo, sete homens e duas mulheres. O Sr. Keptor, o velho professor de matemática, ficou aborrecido comigo um bocado de tempo, por eu falar demais. Tive de fazer uma redação cujo título era "A tagarela". Imagine, a tagarela! O que é que eu podia escrever? De qualquer forma, anotei em minha agenda e tratei de ficar bem quieta.

Naquela noite, ao terminar meus deveres de casa, meu olhar caiu sobre o tal título escrito na agenda. Fiquei pensando, enquanto mordiscava o cabo da caneta-tinteiro, que qualquer um pode rabiscar algumas tolices, com letra bem grande e separada, mas a dificuldade era provar, acima de tudo, a necessidade que se tem de falar. Pensei e pensei, e então, subitamente, tive uma inspiração. Ao terminar as três páginas pedidas, dei-me por satisfeita. Meu argumento foi o de que falar muito e uma característica tipicamente feminina e que eu faria o possível para controlar-me, mas jamais ficaria completamente curada. Visto que minha mãe falava ainda mais do que eu, como podia eu lutar contra as leis da hereditariedade? O Sr. Keptor acabou rindo dos meus argumentos, mas como eu continuasse a falar, passou-me um novo trabalho. Desta vez o título era "A incurável tagarela". Entreguei a redação, e o Sr. Keptor não teve queixas durante uma ou duas aulas. Mas na terceira, contudo, irritado, não se conteve:

—  Como castigo por falar demais, Anne vai fazer uma composição intitulada Quack, quack, quack, fala dona Pata. —  A turma toda caiu na gargalhada e eu também ri, se bem que minhas invencionices, nesse assunto, já estivessem esgotadas. Precisava pensar numa coisa nova e original. Por sorte, minha amiga Sanne tem jeito para escrever poesia e se ofereceu para me ajudar, fazendo toda a composição em verso. Exultei de alegria. Keptor quis fazer-me de tola com aquele tema ridículo, mas eu ia fazer o feitiço virar contra o feiticeiro e fazer com que toda a turma risse dele. Terminamos o poema, e ele ficou perfeito. Era a história de uma pata mãe e de um cisne pai que tiveram três patinhos. Os patinhos acabaram sendo mortos a bicadas pelo pai por grasnarem demais. Felizmente Keptor entendeu a brincadeira, leu o poema em voz alta, com comentários, para a turma toda e para várias outras turmas. Desde então, eu falo e não recebo broncas ou dever adicional. Keptor chega mesmo a gracejar a meu respeito.

Sua Anne.

Quarta-feira, 24 de junho de 1942

Querida Kitty

O calor está terrível, e estamos positivamente derretendo, mas mesmo assim, temos que ir a pé a todos os lugares. Só agora vejo como era gostoso andar de bonde, mas esse e um luxo proibido aos judeus. Temos mesmo e que andar a pe. Ontem, a hora do almoço, fui ao dentista, na Jan Luykenstraat. E bem longe, da escola a Stadstimmertuinen. Durante a tarde, na aula, quase adormeci. Felizmente a assistente do dentista foi muito gentil e me deu um copo de água — ela e uma pessoa muito amigável.

Aos judeus só e permitido andar de barca. Ha um pequeno barco que sai de Josef Israelskade, e o homem nos levou assim que lhe pedimos. Não e por culpa do povo holandês que estamos passando todos esses vexames.

Eu bem que gostaria de não precisar ir à escola, pois minha bicicleta foi roubada durante os feriados da Pascoa, e papai entregou a de mamãe, por segurança, a uma família crista. Graças a Deus as férias estão chegando. Mais uma semana e termina esta agonia. Ontem aconteceu uma coisa engraçada. Eu ia passando pelo estacionamento das bicicletas quando ouvi alguém me chamar. Voltei-me e dei com o rapaz bonito que conhecera na tarde anterior, em casa de minha amiga Eva. Aproximou-se, um tanto acanhado, e apresentou-se como Harry Goldberg. Eu estava realmente surpresa, pensando no que ele poderia querer comigo. Não tive que esperar muito. Perguntou-me se poderia acompanhar-me até a escola. — Já que você vai para aquele lado... — respondi, e fomos andando. Harry tem dezesseis anos e uma conversa divertida. Hoje de manhã estava de novo a minha espera e acho que daqui para diante vamos nos encontrar sempre.

Sua Anne.

Terça-feira, 30 de junho de 1942

Querida Kitty

Até hoje, não tive um minuto de folga para escrever a você. Passei o dia de quinta-feira com amigos. Sexta, tivemos visitas, e assim tem sido até hoje. Harry e eu ficamos nos conhecendo melhor esta semana, e ele contou-me muita coisa sobre sua vida. Veio sozinho para a Holanda e mora com os avos. Os pais estão na Bélgica.

Harry tinha uma namorada chamada Fanny. Eu a conheço. E uma criatura sem sal nem pimenta. Depois de me conhecer, Harry está percebendo que, ao lado de Fanny, não fazia mais do que sonhar de olhos abertos. Quanto a mim, parece que lhe sirvo de estimulante mantendo-o bem acordado. Veja você como cada pessoa tem sua utilidade e que estranhas utilidades temos as vezes!

Jopie dormiu aqui, sábado à noite, mas no domingo foi para a casa de Lies, e eu fiquei aqui a me aborrecer tremendamente. Harry devia aparecer a noite, mas as seis da tarde telefonou. Quando atendi, ele disse:

—  Aqui fala Harry Goldberg. Por favor, gostaria de falar com Anne.

—  Sim, Harry. E Anne quem fala.

—  Alo, Anne, como vai?

—  Muito bem, obrigada.

—  Sinto muito, não posso aparecer aí hoje à noite, mas gostaria de falar com você. Posso ir aí por uns dez minutos?

—  Claro. Estou esperando. Até logo.

—  Até logo. Vou para aí agora mesmo.

Desligou o telefone.

Depressa, mudei de vestido e dei um jeitinho no cabelo. Fui então esperá-lo a janela, um tanto nervosa. Afinal, avistei-o. Não sei como não disparei escada abaixo. Em vez disso, esperei com paciência que ele tocasse a campainha e só então desci. Ele irrompeu porta adentro assim que atendi.

—  Anne, minha avó acha que você e ainda muito criança para estar saindo sempre comigo e que eu devia ir à casa dos Leurs, mas não sei se você soube que não estou mais saindo com Fanny.

—  Não, por que? Vocês brigaram?

—  Não, nada disso. Eu apenas disse a Fanny que já não estávamos nos entendendo bem e que talvez fosse melhor terminar o namoro, mas que ela sempre seria bem-vinda em nossa casa e que eu esperava também ser bem recebido na casa dela. Sabe, eu pensei que Fanny estivesse saindo com outro rapaz e a tratei a altura. Mas não era verdade. Agora, meu tio acha que eu devo pedir desculpas a Fanny, mas eu não quero fazer isso. Resolvi, portanto, terminar tudo. Enfim, essa foi apenas uma das muitas razoes. Minha avó prefere que eu namore Fanny a você, mas eu não quero. Esses velhos tem ideias antiquadas e eu não estou a fim de seguir o que eles dizem. É verdade que necessito de meus avos, mas, de certa forma, eles também precisam de mim. De hoje em diante, estarei livre as quartas-feiras a noite.

Oficialmente vou as aulas de xilogravura, para agradar a meus avós. Na realidade, frequento as reuniões do Movimento Sionista. Meus avos são contra os sionistas e não admitiriam que eu fosse. Estou longe de ser um fanático, mas sinto certa inclinação e acho aquilo interessante. De qualquer forma, vou deixar o movimento, pois, ultimamente, a confusão lá vem aumentando muito. Quarta-feira vai ser o meu último dia. Daí em diante poderei ver você quarta de noite, sábado de tarde, domingo de tarde e talvez até mais.

—  Mas, se seus avos são contra nossos encontros, você não deveria fazer isso escondido!

—  O amor encontra meios.

Quando passamos pela livraria da esquina, vi Peter Wessel com mais dois amigos. Ele disse: "Alo". E a primeira palavra que ele dirige a mim, há muito tempo, e eu fiquei bem satisfeita.

Harry e eu andamos bastante, e, finalmente, ficou decidido que eu o encontraria as cinco para as sete, em frente à casa dele, na noite seguinte.

Sua Anne.

Julho de 1942

Sexta-feira, 3 de julho de 1942

Querida Kitty

Harry veio visitar-nos, ontem, para conhecer meus pais. Eu havia comprado um bolo recheado de creme, biscoitos, docinhos e mais uma porção de coisas gostosas para o chá. Mas nem Harry nem eu achamos legal permanecer ali na sala, formais, um ao lado do outro. Fomos dar um passeio, e, ao trazer-me de volta, já passavam dez minutos das oito horas. Papai ficou muito zangado e achou que eu tinha feito muito mal, pois é perigoso para os judeus serem encontrados fora de casa depois das oito. Prometi-lhe que dali por diante estaria sempre em casa até as dez para as oito.

Fui convidada para ir a casa dele, amanhã. Minha amiga Jopie vive mexendo comigo por causa de Harry. Não que eu esteja apaixonada por ele, isso não! Posso ter muitos flertes

—  Ninguém acha nada demais nisso —, mas um namorado firme, como diz mamãe, isso e coisa diferente.

Harry foi a casa de Eva uma noite dessas e ela me contou que lhe perguntou:

De quem você gosta mais, de Anne ou de Fanny?

Ele respondeu: — Não e da sua conta.

Mas quando foi embora (eles não haviam mais conversado durante o resto da noite) disse a Eva: — Olhe, e de Anne. Até logo e não conte nada a ninguém. —  E partiu, como um raio.

É fácil perceber que Harry está apaixonado por mim, e isso e divertido, para variar. Margot diria: — Harry é um rapaz direito. —  Concordo, mas acho que ele e mais do que isso. Mamãe não poupa elogios: um rapaz bonito, um rapaz bem-educado, um rapaz simpático. Ainda bem que toda a família o aprova. Ele também gosta de todos, mas considera as minhas amigas muito criançonas. No que tem toda a razão.

Sua Anne.

Julho de 1942

Manhã de domingo, 5 de julho de 1942

Querida Kitty

Os resultados dos nossos exames foram anunciados no Teatro Israelita, na sexta-feira passada. Eu não poderia ter desejado coisa melhor. Meu boletim não foi nada mau. Tive um vix satis[1], um 5 em álgebra, dois 6, e o resto, tudo 7 ou 8. Em casa todos ficaram muito contentes, embora, em questão de notas, meus pais sejam diferentes da maioria. Não se importam muito com as notas do meu boletim, desde que me vejam feliz, satisfeita e não muito desinteressada do estudo. Acham que o resto vem com o tempo. Eu penso exatamente o contrário. Não quero ser má aluna. Realmente eu deveria estar cursando o sétimo ano da Escola Montessori, mas fui aceita na Escola Secundaria Israelita. Quando todas as crianças judias tiveram de ir para escolas israelitas, o diretor aceitou-nos, Lies e eu, condicionalmente, e após um pouco de persuasão. Confiou em nós e não quero desapontá-lo. Margot, minha irmã, também recebeu o boletim, brilhante, como sempre. Passaria com louvor, se isso existisse em nossa escola, tão inteligente ela e. Papai, ultimamente, está sempre em casa, pois não tem o que fazer no escritório; deve ser horrível a pessoa se sentir ocioso e desnecessário.

O Sr. Koophuis tomou conta da Travies e o Sr. Kraler da firma Kolen & Co. Ha dias, quando caminhávamos pela pracinha, papai falou pela primeira vez em nos escondermos. Perguntei-lhe por que falava nisso. —  Bem, Anne — respondeu ele —, você sabe que há mais de um ano estamos transportando viveres, roupas e mobília para a casa dos outros; não queremos que os alemães nos apreendam os haveres e muito menos que deitem as garras sobre nós. O melhor será desaparecermos por nossa própria conta, em vez de esperar que venham nos buscar.

—  Mas, papai, quando será isso?

Ele falara tão seriamente que me deixou angustiada.

—  Não se preocupe, arranjaremos tudo. Aproveite bem sua vida despreocupada enquanto puder.

Foi tudo. Oh! Que a realização destas palavras tão sombrias esteja muito distante ainda!

Sua Anne.

Quarta-feira, 8 de julho de 1942

Querida Kitty

Parece que se passaram anos de domingo até hoje. Tanta coisa aconteceu, que e como se o mundo tivesse virado de cabeça para baixo. Mas ainda estou viva, Kitty, e isso e o que importa, diz papai.

Sim, na verdade ainda estou viva, mas não me pergunte onde nem como. Você não entenderia uma só palavra, por isso vou começar contando o que aconteceu no domingo à tarde.

As três horas (Harry acabara de sair para voltar mais tarde) alguém tocou a campainha. Eu estava preguiçosamente deitada ao sol na varanda, lendo um livro, e por isso não ouvi. Pouco depois Margot apareceu na porta da cozinha, toda alvoroçada. —  As SS mandaram uma notificação chamando papai — sussurrou ela. —  Mamãe já foi falar com o Sr. Van Daan. — (Van Daan e um amigo que trabalha na firma de papai.) Foi um choque para mim. Uma convocação! Todo mundo sabe o que isso significa! Pela minha imaginação começaram a levar para os campos de concentração, prisões. Permitiríamos que ele fosse condenado a isso? —  É claro que ele não vai — disse Margot enquanto esperávamos juntas. —  Mamãe já foi falar com os Van Daan para resolver se devemos ir para o esconderijo amanhã mesmo. Os Van Daan vão conosco, seremos sete ao todo.

Silêncio. Não conseguíamos trocar uma palavra, pensando em papai, que estava visitando uns velhinhos no Joodse e nada sabia do que estava acontecendo. Enquanto esperávamos por mamãe, com aquele calor e naquela ansiedade, ficamos cada vez mais caladas e assustadas.

Subitamente a campainha tocou. —  É Harry — disse eu. Margot segurou-me, recomendando-me que não abrisse a porta, mas isso nem foi necessário, pois ouvimos mamãe e o Sr. Van Daan conversando com Harry lá embaixo. Pouco depois entraram, trancando a porta. A cada toque de campainha Margot e eu nos esgueirávamos até a porta espiando com cuidado para ver se era papai. Não devíamos abrir a porta para ninguém mais.

Mamãe pediu que Margot e eu saíssemos da sala, pois o Sr. Van Daan precisava falar com ela a sós. Sozinhas no quarto, Margot contou-me que a convocação não fora para papai, mas para ela. Fiquei mais assustada ainda e pus-me a chorar. Margot tem dezesseis anos. Será que eles levavam meninas dessa idade, sozinhas? Graças a Deus ela não vai. Mamãe mesma afirmou isso. Talvez papai se referisse a isso, quando falou em nos escondermos.

Esconder — para onde iriamos? Para a cidade, para o campo, para uma casa ou um chale? Mas quando, como e onde?

Eu sabia que não podia formular essas perguntas, mas, por outro lado, não conseguia tirá-las da cabeça. Margot e eu começamos a guardar nossas coisas mais importantes nas pastas da escola. A primeira que guardei foi este diário, depois os rolinhos de cabelo, lenços, os livros da escola, um pente, velhas cartas. Guardei as coisas mais incríveis, ao pensar que íamos nos esconder. Não me arrependo; recordações valem muito mais do que vestidos.

Papai chegou finalmente as cinco horas, e telefonamos ao Sr. Koophuis para saber se podíamos ir lá a noite. Van Daan foi apanhar Miep. Miep trabalha com papai desde 1933, e tornou-se nossa amiga intima, tanto quanto Henk, com quem se casou há pouco tempo. Miep chegou e enfiou em sua sacola alguns sapatos, vestidos, casacos, roupas de baixo e meias, prometendo voltar a noite.

Um silencio fúnebre recaiu em nosso lar. Ninguém quis comer nada, o calor continuava intenso, e tudo se tornou estranho. Alugávamos o quarto grande, de cima, a um tal Sr. Goudsmit, homem divorciado, de seus trinta anos. Logo naquela noite ele parecia não ter mais nada a fazer, e ficou conosco até as dez horas sem que pudéssemos livrar-nos dele, a não ser que cometêssemos alguma indelicadeza. As onze, Miep e Henk van Santen voltaram. Novamente, meias, sapatos, livros e roupas de baixo desapareceram na bolsa de Miep e nos enormes bolsos de Henk, até que, por volta de onze e meia, eles próprios desapareceram. Eu estava exausta e, a despeito de saber que aquela seria a última noite que dormiria em minha própria cama, peguei no sono imediatamente, só acordando na manhã seguinte, as cinco e meia, quando mamãe me chamou. Felizmente, o calor não estava tão intenso como no domingo; uma chuva morna e constante caiu o dia inteiro.

Vestimos montes de roupas, como se fossemos viajar para o polo norte, com a única intenção de levá-las conosco. Nenhum judeu em nossa situação sonharia sequer em sair à rua carregando uma mala com roupas. Eu vestia duas camisetas, três calcinhas, um vestido e, sobre ele, uma saia, uma jaqueta, um casaco de verão, dois pares de meia, sapatos de amarrar, um capuz de lá, um cachecol e mais algumas coisas. Estava quase sufocando antes de sair, como todos. Mas ninguém se importou com isso.

Margot encheu a sacola com livros da escola, foi apanhar a bicicleta e saiu atrás de Miep para o desconhecido — pelo menos eu nem imaginava para onde. Imagine que eu ainda não sabia onde seria o nosso esconderijo. As sete e meia fechamos a porta atrás de nós. Moortie, minha gatinha, foi a única criatura de quem me despedi. Ela ficaria com os vizinhos e seria bem tratada. Isso ficara escrito em uma carta dirigida ao Sr. Goudsmit.

Havia meio quilo de carne na cozinha para a gata, a mesa do café ainda estava posta com as xicaras e pratos usados, as camas desfeitas, tudo dando a impressão de uma partida não planejada. Mas naquele momento não estávamos preocupados com impressões, só pensávamos em sair, fugir dali e chegar em segurança, nada mais. Continuo amanhã.

Sua Anne.

Quinta-feira, 9 de julho de 1942

Querida Kitty

Saímos debaixo de uma chuva torrencial, papai, mamãe e eu, cada qual com uma pasta de escola e uma sacola de compras abarrotada até a boca de tudo o que pudemos colocar lá dentro.

As pessoas que iam para o trabalho olhavam-nos com simpatia. Podia-se notar em seus rostos o quanto sentiam por não poderem oferecer-nos condução, mas ali estava a berrante estrela amarela que falava por si mesma.

Só depois de já estarmos a caminho e que mamãe e papai começaram a me dizer alguma coisa do plano. Há meses que, na medida do possível, mudamos nossos bens, mantimentos e objetos de maior necessidade, e as coisas estavam suficientemente preparadas para que fossemos nos esconder por nossa própria conta, no dia 16 de julho. O plano tivera de ser antecipado dez dias por causa da convocação, e, desse modo, nossas acomodações não estariam muito bem organizadas, mas teríamos de nos acomodar da melhor forma possível.

O esconderijo seria no mesmo edifício onde papai tinha seu escritório. E uma coisa difícil de entender, porém mais tarde explicarei. Papai não tinha muita gente trabalhando com ele: o Sr. Kraler, Koophuis, Miep e Elli Vossen, uma datilografa de vinte e três anos. Todos sabiam de nossa chegada. O Sr. Vossen, pai de Elli, e os dois rapazes que trabalhavam no deposito não haviam sido informados.

Vou descrever o prédio: no andar térreo há um imenso armazém que é usado como deposito.

A porta da frente da casa fica ao lado da porta do armazém. Do lado de dentro da porta principal há um corredorzinho que leva a uma escada. No topo da escada há outra porta de vidro fosco onde está escrito ESCRITORIO com letras pretas. Esse e o escritório principal, grande, bem iluminado e espaçoso. Elli, Miep e o Sr. Koophuis trabalham ali durante o dia.

Um pequeno quarto escuro contendo o cofre, um guarda-roupa e um armário grande conduz a um segundo escritório, um tanto escuro também. Aqui costumam ficar o Sr. Kraler e o Sr. Van Daan; agora, somente o Sr. Kraler. Por um corredor pode-se chegar ao escritório do Sr. Kraler, mas é preciso atravessar uma porta de vidro que se abre por dentro, sendo muito difícil abri-la pelo lado externo.

Do escritório de Kraler, por um corredor comprido, passa-se pelo deposito de carvão e, subindo quatro degraus, chega-se ao salão de luxo do prédio, que é o escritório particular. Mobília escura e austera, linóleo e tapetes no chão, radio, lustre de bom gosto, tudo de primeira. Ao lado, uma cozinha espaçosa com água quente e fogão a gás. A seguir o WC. Este e o primeiro andar.

Uma escada de madeira liga o corredor de baixo com o andar superior. Em cima há um pequeno patamar e, de cada extremidade deste, sai uma porta. A da esquerda dá para um deposito de carvão, na parte da frente da casa, e para os sótãos. Uma dessas escadas holandesas muito íngremes sai de um lado e dá para outra porta, que se abre para a rua.

A porta da direita dá para o nosso Anexo Secreto. Ninguém poderia imaginar que existissem tantos quartos por detrás daquela porta feia e cinzenta. Diante dela há um pequeno degrau. Depois dele, uma escada íngreme. A esquerda, um pequeno corredor conduz ao que iria converter-se no quarto e sala da família Frank; ao lado, um quartinho menor seria o quarto de estudos e de dormir das duas meninas da família. A direita, um quarto minúsculo, sem janelas, com um pequeno lavatório e um compartimento de WC; dali saia outra porta que dava acesso ao meu quarto e de Margot. Se você subir a próxima escada e abrir a porta lá em cima, vai ficar espantada de ver, nesta velha casa ao lado do canal, um quarto tão amplo e claro. Nesse quarto há um fogão a gás e uma pia (o quarto havia sido utilizado como laboratório). Agora, está e a cozinha do casal Van Daan, além de ser a sala de estar, de jantar e a copa de todos nos.

O apartamento de Peter Van Daan será um minúsculo quarto corredor. Junto ao patamar do segundo andar existe também uma mansarda. Bem, agora você já foi apresentada ao nosso lindo Anexo Secreto.

Sua Anne.

Sexta-feira, 10 de julho de 1942.

Querida Kitty

Espero não a ter aborrecido com minhas minuciosas descrições da nossa nova casa, mas achei bom você saber onde viemos parar.

Mas, continuando a história — lembra-se, eu ainda não havia terminado —, ao chegarmos a Prinsengracht, Miep nos levou rapidamente para o nosso Anexo Secreto e, fechando a porta atrás de nós, deixou-nos sozinhos. Margot já se encontrava lá, pois viera muito mais depressa, de bicicleta. A sala de estar e todos os outros cômodos estavam incrivelmente atulhados. Todas as caixas de papelão que haviam sido mandadas para o escritório, meses antes, estavam amontoadas no assoalho e sobre as camas. O quarto menor estava entupido até o teto com roupa de cama. Era preciso começar a arrumação imediatamente, se quiséssemos dormir em camas decentes naquela noite. Mamãe e Margot não estavam em condições de mover uma palha; atiraram-se sobre as camas por fazer, exaustas, sentindo-se infelizes e não sei mais o que. Mas os dois faxineiros da família, papai e eu, pusemos mãos à obra imediatamente.

Passamos o dia inteiro a desfazer caixas e arrumar armários, martelando e limpando até cairmos de cansaço. Não comemos nada quente o dia todo, mas nem ligamos. Mamãe e Margot não comeram por estarem cansadas e nervosas demais, e papai e eu por estarmos muito ocupados.

Terça-feira continuamos o trabalho interrompido na véspera. Elli e Miep foram buscar nossas rações, papai melhorou o deficiente sistema de proteção da casa; esfregamos o chão da cozinha e assim continuamos trabalhando o dia todo.

Até quarta-feira não tive um pingo de tempo para pensar na imensa mudança ocorrida em minha vida. Só agora arranjei alguns minutos para contar a você tudo o que aconteceu e, ao mesmo tempo, situar-me dentro dos acontecimentos passados e dos que ainda estão por vir.

Sua Anne.

Sábado, 11 de julho de 1942.

Querida Kitty

Mamãe, papai e Margot não conseguem se acostumar com o relógio de Westertoren, que marca as horas a cada quinze minutos. Eu já me acostumei. Aliás, gostei muito dele desde o primeiro dia. Ao anoitecer, então, parece um amigo fiel. Imagino que você vai querer saber como se sente uma pessoa que "desaparece". Pois confesso que eu também ainda não sei. Penso que neste lugar nunca vou me sentir realmente em casa, o que não significa, contudo, que eu o deteste. Sinto como se estivesse em férias, morando em uma pensão esquisita.

Talvez seja uma comparação meio doida, mas é assim que eu sinto. O Anexo Secreto e o esconderijo ideal. Embora seja meio inclinado para um lado e um tanto úmido, tenho certeza de que não existe esconderijo melhor em toda Amsterdam e, talvez, em toda a Holanda. Nosso quarto, a princípio, parecia muito nu, sem nada nas paredes, mas graças a papai, que havia mandado antecipadamente minha coleção de cartões-postais e de retratos de artistas de cinema, com o auxílio de cola e de um pincel, transformamos as paredes num quadro imenso. Assim ficou muito mais alegre.

Assim que os Van Daan chegarem, apanharemos madeira do sótão e faremos alguns armários para as paredes e outras coisinhas para tornar o ambiente mais acolhedor.

Margot e mamãe estão agora um pouco melhor. Ontem mamãe foi para a cozinha pela primeira vez, desde que chegamos. Foi fazer uma sopa, mas acabou se distraindo, conversando lá embaixo, e se esqueceu completamente das ervilhas, que se queimaram, viraram carvão, não havendo quem as desgrudasse da panela. O Sr. Koophuis trouxe-me um livro chamado Anuário dos jovens. Ontem, nos quatro fomos ao escritório particular e ligamos o rádio. Mas eu fiquei tão apavorada que implorei a papai que subisse comigo. Mamãe, compreendendo o que eu sentia, subiu também. Tememos, também, que os vizinhos ouçam ou suspeitem de qualquer coisa anormal. Logo no primeiro dia improvisamos umas cortinas, se e que se pode chamar aquilo de cortinas. Não passam de retalhos de fazendas, cada qual de um tamanho, qualidade e padrão, que papai e eu costuramos "daquele jeito". As nossas obras de arte foram finalmente afixadas em seus lugares por meio de alfinetes de gancho, e acho que lá vão permanecer até que possamos sair daqui.

A nossa direita há alguns edifícios comerciais grandes e a esquerda, uma fábrica de moveis. Ninguém fica lá depois das horas de trabalho, mas, mesmo assim, os sons conseguem atravessar as paredes. Margot foi proibida de tossir a noite, apesar de estar com um resfriado fortíssimo. Por isso nós a obrigamos a tomar fortes doses de codeína. Estou louca para que chegue terça-feira, quando os Van Daan vão se juntar a nós. Vai ser muito mais divertido e menos silencioso. O silencio e o que mais me assusta as tardes e a noite. Gostaria demais que um dos nossos protetores pudesse dormir aqui. Não lhe posso descrever como e opressivo não poder sair nunca. Vivo também morta de medo de sermos descobertos e fuzilados. Não é uma perspectiva das mais agradáveis. Temos de falar baixinho e pisar de leve durante o dia para que o pessoal do deposito não nos ouça.

Alguém está me chamando.

Sua Anne.

Agosto de 1942

Sexta-feira, 14 de agosto de 1942

Querida Kitty