Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 2013 Maya Blake. Todos os direitos reservados.
TERRAMOTO DE PAIXÕES, N.º 1504 - Novembro 2013
Título original: The Sinful Art of Revenge
Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-687-3754-6
Editor responsável: Luis Pugni
Conversão ebook: MT Color & Diseño
Depois de os convidados se irem embora, a campainha da porta tocou. Reiko, que se tinha sentado para tirar os sapatos, endireitou-se no sofá e franziu o sobrolho.
A campainha voltou a tocar antes que recordasse que dissera ao mordomo que podia ir para casa. Levantou-se com um suspiro e dirigiu-se para o hall. Aquela festa não fora uma boa ideia, não estavam para aquele tipo de gastos. No entanto, Trevor tinha insistido. Para manter as aparências.
Reiko fez uma expressão de desagrado. Sabia muito bem o que era manter as aparências. Era perita nisso. Quando a situação o requeria, como naquela noite, era capaz de sorrir, rir-se e sair airosa de uma conversa espinhosa.
Mas a máscara estava a rachar e ultimamente inclusive o pequeno esforço de se obrigar a sorrir a deixava exausta. E tudo começara quando soubera que andava à procura dela...
Os seus pensamentos travaram quando abriu a porta e um gemido escapou da sua garganta ao ver o homem à frente dela: Damion Fortier.
– De modo que era aqui que te escondias – murmurou ele, – na casa de campo de Trevor Ashton... Perdão, de sir Trevor Ashton – corrigiu-se.
A voz profunda e aveludada do visitante inesperado, marcada pelo sotaque francês inconfundível, gotejava satisfação e uma raiva mal contida.
Reiko tinha temido aquele momento desde que soubera que andava à procura dela. Fora por isso que não tinha permanecido no mesmo sítio durante mais de alguns dias. Uma onda de pânico invadiu-a.
O ar de suprema confiança em si mesmo que exibia não tinha diminuído desde a última vez que o vira.
Damion, sexto barão de Saint Valoire, descendia de uma família francesa aristocrática, media quase dois metros e era incrivelmente atraente, inclusive quando estava furioso, como naquele momento.
O cabelo, castanho e ligeiramente ondulado, roçava-lhe o fato cinzento que usava, mas não lhe dava um aspeto descuidado, nem fora de moda. Os seus ombros largos chamavam a atenção, mas, apesar do seu físico atlético, o que realmente se destacava era a beleza das suas feições.
Reiko, a quem tinham incutido o amor pela arte desde a nascença e que tinha aprendido tudo o que havia a saber sob a tutela do seu falecido avô, era capaz de distinguir uma obra-prima a dez metros de distância. Não fora em vão que escolhera a profissão que escolhera.
Damion Fortier era uma versão de carne e osso do David de Miguel Ângelo, com umas feições de uma beleza tão singular e arrebatadora que atraía todos os olhares. E quanto aos seus olhos, aqueles olhos cinzentos... Recordavam-lhe sempre as nuvens furiosas de tormenta que se formavam antes de começarem a cair raios e trovões.
– Não vais cumprimentar-me sequer?
Reiko inspirou profundamente para tentar acalmar o seu coração e obrigou-se a dar um passo em frente e a estender-lhe a mão.
– Como se supõe que devo chamar-te? Monsieur Fortier? Ou talvez prefiras «barão»? Agora que já sei que não te chamas Daniel Fortman, quero saber como deveria dirigir-me a ti.
Em vez de ficar à espera, apertou a mão a Damion.
«Enfrenta os teus fantasmas.» Não era o que lhe dissera o seu psicoterapeuta? Deveria exigir-lhe que lhe devolvesse o seu dinheiro. Até ao momento, o conselho não lhe tinha servido de nada, pelo contrário, era como se os seus fantasmas se tornassem ainda mais fortes e temíveis.
Uma explosão de calor desbaratou os seus pensamentos quando os dedos de Damion apertaram os seus. Aquele contacto fez aflorar lembranças enterradas no fundo da sua mente e isso fê-la sentir-se ainda mais tensa, mas ignorou-os, desesperada, e pôs a outra mão sobre as de ambos.
Viu surpresa nos olhos de Damion. Tinha aprendido que aquele truque, fazer um movimento audaz, desarmava sempre o adversário o suficiente para poder ver por detrás da fachada, para poder ver a pessoa por debaixo daquela máscara civilizada das aparências.
Reiko pensara que depois de cinco anos teria superado a traição de Damion, mas o simples facto de a recordar fazia com que se sentisse como se estivessem a cravar-lhe uma adaga no coração. Claro que... Como poderia esquecê-lo? Vira o seu avô a definhar diante dos seus olhos pelo que Damion Fortier lhes fizera.
– Porque raios vieste aqui? – perguntou-lhe, largando a sua mão.
Embora não o tivesse convidado a entrar, Damion entrou e fechou a porta atrás dele.
– Não me deste oportunidade de me explicar...
– Quando se supõe que deveria ter deixado que te explicasses? Depois de os teus guarda-costas quase derrubarem a cabana do meu avô porque pensavam que te tinham sequestrado? Ou talvez depois de o teu chefe de segurança ter deixado escapar que não eras um simples empresário, mas Damion Fortier, um membro da nobreza francesa e o homem que estava a arruinar sem piedade o meu avô ao mesmo tempo que se deitava comigo?
Que cega que estivera! E que estúpida que fora por confiar nele!
– O que aconteceu com o teu avô não passou de negócios.
– Não te atrevas a defender-te com os negócios! Tiraste-lhe tudo pelo qual trabalhara, tudo o que lhe importava. E só para engordares a tua conta bancária.
Damion encolheu os ombros.
– Fez um acordo, Reiko. E tomou decisões muito desafortunadas que depois tentou abafar. Pela amizade que tinha com o meu avô, dei-lhe tempo mais do que suficiente para solucionar o problema, mas não o fez e se mantive a minha identidade em segredo foi porque não queria que os sentimentos complicassem as coisas.
– É óbvio. Os sentimentos são muito inconvenientes quando se trata de fazer dinheiro, não é assim? Sabias que o meu avô morreu apenas um mês depois de o deixares na bancarrota?
Apesar dos anos que tinham passado, ela ainda se sentia culpada por não ter sido capaz de ver o que estava a acontecer até ser demasiado tarde. Estava encantada com Damion, fora crédula e pagara-o muito caro.
Os olhos de Damion obscureceram e agarrou-a pelo braço.
– Reiko...
– Importas-te de ir direto ao assunto? – interrompeu-o. – Tenho a certeza de que não andaste a perseguir-me durante semanas só para recordar o passado.
Um passado que nunca teria imaginado que fosse persegui-la inclusive em sonhos, sob a forma de pesadelos angustiantes.
Damion semicerrou os olhos.
– Sabias que estava à tua procura?
Reiko forçou um sorriso.
– É óbvio. Os tipos que mandaste atrás de mim divertiram-me muito. Estiveram a um passo de me apanhar em algumas ocasiões, sobretudo nas Honduras.
– Achas que isto é uma brincadeira?
Reiko sentiu um aperto no coração.
– Não tenho ideia do que é, mas, o quanto antes mo explicares, mais depressa poderás sair da minha vida.
Damion pareceu ficar atónito por um instante e os seus olhos relampejaram enquanto lhe escrutinavam o rosto. Finalmente, apertou os lábios, como se quisesse conter as palavras que estava prestes a pronunciar.
– Preciso de ti.
Reiko olhou aturdida para ele e fez um esforço para não engolir em seco, certa de que ele deduziria como estava nervosa.
– Tu... precisas de mim?
De todas as situações possíveis que imaginara para um possível reencontro com Damion, aquela nem sequer lhe tinha passado pela cabeça. Ao fim e ao cabo, o que podia querer Damion Fortier, quando a usara e depois se desfizera dela como se fosse um trapo?
Damion deslizou a mão pelo seu braço, fazendo com que uma onda de calor a invadisse, e entrelaçou a mão com a dela.
– Deixa que o expresse de outro modo – disse-lhe com aspereza. – Necessito dos teus conhecimentos.
Aquilo estava mais de acordo com o que ela tinha esperado.
– Tem cuidado, Damion. A tua altivez não te faz precisamente simpático e não penso que queiras ir-te embora daqui pensando que fizeste a viagem de Paris até ao sul da Inglaterra em vão. Levaste semanas a encontrar-me, portanto, o mínimo que podes fazer é comportar-te de um modo civilizado comigo, pois talvez da próxima vez não te seja tão fácil encontrar-me.
– Para que isso acontecesse terias de me despistar e perder-te de vista, e não tenho intenção de o fazer. E quanto a comportar-me de um modo civilizado... Tenho de admitir que, de momento, não ocupa precisamente o primeiro lugar da minha lista de prioridades.
A irritação de Reiko não conseguia anular a sobrecarga sensorial que lhe provocava a sua virilidade, a sua proximidade, o aroma da sua loção de barbear, o calor da sua pele morena.
Tentou desesperadamente afastar da mente a lembrança daquela pele contra a sua, de como gostava de vestir a camisa dele ao levantar-se depois de uma noite de paixão.
Uma onda de calor surgiu no seu ventre e expandiu-se por todo o corpo, tentando-a. Um ruído de vidros partidos fê-la dar um salto. Damion arqueou um sobrolho.
– A equipa de cateringue ainda está aqui. Dá-me um instante para lhes dizer que podem ir-se embora. Depois, poderás continuar a ameaçar-me à vontade.
Damion semicerrou os olhos, mas largou-a. Reiko dirigiu-se para a cozinha e não a surpreendeu que Damion a seguisse.
Entregou um cheque ao responsável, agradeceu-lhe e pediu-lhe que ele e o resto dos empregados da agência de cateringue recolhessem as coisas e se fossem embora pela porta de trás.
Em seguida, voltou para a sala, seguida novamente por Damion, enquanto se esforçava para que não lhe notasse a dor que tinha nas ancas e na pélvis. Estava há muito tempo de pé e os sapatos de salto alto eram-lhe muito incómodos desde o acidente.
No entanto, embora estivesse desejosa de subir para o seu quarto, fazer os dolorosos exercícios de alongamento que tinha de fazer todas as noites, tomar um duche e meter-se na cama, ainda tinha de se livrar daquele homem que a seguia como um animal selvagem perigoso. Conduziu-o para o salão, caminhando direita, e virou-se para ele.
– E então? Não vais retomar a imitação perfeita de um ogre com que estavas a presentear-me há pouco? – provocou-o.
Damion esboçou um sorriso triste.
– Quero voltar para o meu hotel de Londres esta noite, portanto, irei direto ao assunto. O meu avô desfez-se de três quadros há quatro anos, pouco depois de a minha avó morrer, e penso que saibas alguma coisa a respeito deles.
O coração de Reiko contraiu-se.
– Talvez.
Damion apertou os dentes e deixou escapar um suspiro cansado.
– Não brinques comigo, Reiko. Sei que foste tu quem negociou a venda.
– Mas brincar é o que fazemos melhor, Daniel! – respondeu-lhe ela. – Fingir ser uma coisa quando na realidade somos outra.
Damion passou uma mão pelo cabelo.
– Olha, surpreendeu-me que o teu avô não me reconhecesse e...
– Tinha a cabeça ocupada com outras coisas, como tentar evitar que lhe tirasses tudo.
Damion assentiu.
– Quando me dei conta, pensei que era melhor que não soubesse.
– E eu? Estávamos juntos há um mês e meio. Tiveste tempo de sobra para me dizer a verdade e não o fizeste.
Porque na realidade nunca lhe tinha importado, porque, conforme parecia, não merecia que fosse sincero com ela apesar de terem dormido juntos.
– Não dramatizes o que houve entre nós, Reiko. Saíste da minha vida como quem muda de camisa. Claro que... Tinhas um incentivo, não era?
– Se te referes ao dinheiro...
– Ao dinheiro e ao homem que me substituiu quando a tua cama ainda estava quente! – exclamou ele, com os dentes apertados.
A vergonha abriu caminho entre o pânico escuro e os sentimentos contrários que a invadiam. De nada lhe serviria dizer-lhe que não tinha motivos para se envergonhar: defraudara-se e isso era outra coisa que os seus fantasmas nunca a deixariam esquecer.
Embora a vários passos de distância, podia sentir a raiva e o desprezo de Damion, como se as emoções negativas palpitassem no ar.
– Bom, agora que revivemos essas lembranças tão íntimas, que tal passarmos a outros assuntos? – disse-lhe ele com sarcasmo. – Recuperei um dos quadros que o meu avô vendeu: Femme de la voile, mas não consegui dar com os atuais proprietários dos outros dois: Femme en mer e Femme sur plage. É imperativo que encontre os dois, mas o que tenho mais urgência em recuperar é o Femme sur plage.
Reiko pestanejou.
– E também queres recuperar o Femme en mer? – murmurou. – Pensava que...
– O que pensavas?
Reiko pensara que Damion quereria o maior e mais espetacular dos três quadros, não o mais pequeno, que só um punhado de gente tinha podido ver nos seus cinquenta anos de existência.
– É indiferente. Porque queres recuperá-los?
Damion enfiou uma mão no bolso das calças e uma expressão intrigante atravessou o seu rosto.
– Não te diz respeito.
Não sabia como estava enganado...
– Penso que sim. Quere-los para os exibir na exposição privada na galeria da tua família em Paris na semana que vem. Foi por isso que passaste os últimos meses atrás dos quadros, não foi?
Damion ficou muito quieto.
– Só seis pessoas sabem dessa exposição e ainda nem sequer enviei os convites. Como conseguiste essa informação?
Reiko encolheu os ombros.
– Não tens de te preocupar, não filtrarei a informação a ninguém, nem revelarei as minhas fontes. Na minha profissão, seria um suicídio.
– Pois, será homicídio se não mo disseres.
Reiko ficou quieta, consciente de que, se Damion deixasse cair um pouco a mão esquerda, notaria a cicatriz do seu braço.
– Não seria uma nódoa na história da tua nobre família? Além disso, se me matares, nunca mais voltarás a ver esses quadros que tanto valor têm para ti.
Damion franziu o sobrolho e olhou-a fixamente.
– Não me lembro de há cinco anos seres assim tão maldosa, nem de albergares esse rancor. O que raios te aconteceu?
A pergunta inesperada fez com que o pânico a invadisse novamente. Só Trevor e a sua mãe sabiam o que lhe acontecera. Trevor jamais trairia a confiança que tinha nele e a sua mãe era demasiado egoísta para se preocupar com o seu estado emocional.
Soltou-se de um puxão, dando um passo atrás, e esforçou-se para manter a compostura.
– Já não sou a rapariga inocente e crédula de há cinco anos, Damion. Portanto, se vieste até aqui pensando que ia abanar a cauda como um cão de colo que te esperava ansioso, estás muito enganado.
O quimono branco justo de Reiko ressaltava os seus seios voluptuosos, a cintura estreita e as curvas das suas ancas. Usava o cabelo de um modo diferente de como Damion recordava, com uma franja espessa que lhe caía sobre a têmpora, tapando-lhe parte do lado direito da cara, enquanto o resto da cabeleira escura lhe caía sobre as costas como um manto de veludo.
Ficou a olhar para o seu rosto, mais maquilhado do que antigamente, com uma mistura de surpresa e incredulidade. Baixou o olhar para a sua boca, para o pequeno sinal sobre o lábio superior. Não sabia se queria beijá-la ou agarrá-la pelos ombros e abaná-la.
A Reiko que conhecera cinco anos antes teria advertido o efeito que estava a ter nele naquele momento. Ter-lhe-ia dirigido um sorriso sedutor e desavergonhado, e teria começado a tentá-lo com o seu corpo, com a absoluta confiança em si mesma de qual seria o resultado.
Aquela Reiko, no entanto, ficou a olhá-lo com frieza, com um olhar hostil, como se estivesse a contar os minutos que faltavam para que se fosse embora e o perdesse de vista.
A Damion surpreendeu-o a sensação de vazio que lhe provocou aquele olhar.
– Nunca te compararia a um cão de colo, mas a um felino de excecional astúcia. E sabendo o que sei dos negócios obscuros que fazes para vender e conseguir obras de arte, suspeito que seja uma qualidade muito útil na tua profissão.
– O meu trabalho não tem nada de desonesto.
– Ah, não? E o que me dizes da tua inclinação a comercializar obras de arte roubadas? Obras de arte que desaparecem antes que notifiquem a polícia do seu paradeiro?
Reiko franziu o nariz.
– Não deverias acreditar em tudo o que lês.
– Vais encontrar aqueles quadros para mim – disse-lhe Damion.
Os olhos verdes de Reiko relampejaram.
– Dás-me ordens como se fosse da tua propriedade. E não é assim, portanto, muda essa atitude.
Damion esboçou um leve sorriso.
– Parece-me que há uma coisa que não compreendes, ma belle – disse-lhe, suavizando o seu tom. – Dá-me a impressão de que achas que estás em posição de negociar comigo. Pois fica sabendo que ou me ajudas a encontrar os quadros, ou entregarei à Interpol uma extensa pasta que tenho sobre ti com muitos dados... interessantes. E deixarei que sejam eles a decidir o que fazer contigo. Quanto ao dono desta casa...
Reiko empalideceu ligeiramente.
– O que tem Trevor?
– Na semana passada, contactei-o e, apesar de me ter mentido dizendo que desconhecia o teu paradeiro quando estava a esconder-te, estou disposto a deixar passar essa afronta se me ajudares.
– E se não o fizer?
– Posso fazer-lhe a vida muito difícil se não cooperares. E tendo em conta o estado das suas finanças... – encolheu os ombros e deixou a frase no ar.
Reiko empalideceu ainda mais.
– Enfrentar-te-á, ambos o faremos.
– Ah, sim? E como, pode saber-se? Está arruinado e tu liquidaste recentemente noventa por cento dos teus ativos. Não sei porquê, mas suponho que seja uma questão de tempo que descubra o motivo.
– Como sabes que...? – fazendo um esforço para controlar as suas emoções, Reiko deu um passo atrás e disse-lhe: – Não imaginava que fosses capaz de recorrer à chantagem para conseguir os teus propósitos.
– E eu jamais pensei que fosses capaz de estar com outro apenas três semanas depois de abandonares a minha cama. Deixemo-lo em que os dois nos sentimos profundamente dececionados um com o outro, chérie, e vamos ao que interessa – disse-lhe com tom gélido. – E para que vejas que sou generoso, até te pagarei bem: dois milhões de dólares por encontrares os dois quadros – Reiko ficou boquiaberta perante aquela quantia e um sorriso zombador aflorou aos lábios dele. – Imaginava que com isso despertaria o teu interesse. Ouve os teus instintos: aceita o acordo que estou a propor-te.
Damion estava a pô-la entre a espada e a parede: podia recusar-se ou podia aceitar o dinheiro. Com todo aquele dinheiro poderia fazer muitas coisas, mudar a vida de muitas pessoas.
– Fá-lo-ei pelos dois milhões, mas quero outra coisa.
Damion olhou para ela com desprezo.
– Era de esperar. O que queres?
– Que me convides para a tua exposição privada.
– Non – recusou-se imediatamente.
Reiko apertou os lábios.
– De modo que o meu talento é suficientemente bom para procurar os quadros, mas não para me dar com a gente do teu círculo, não é assim?
– Exato – respondeu ele, sem pestanejar.
Reiko deixou passar aquele insulto. Enquanto Damion se deixasse enganar, como o resto da gente, não veria as suas cicatrizes, não veria a dor que havia na sua alma, o medo constante, a escuridão contra a qual batalhava todos os dias e que se esforçava para ocultar.
– Se queres que encontre depressa os quadros, não deverias negar-me o que estou a pedir-te.
Aquilo também lhe daria oportunidade de encontrar a última estátua japonesa de jade que estivera a tentar recuperar. As investigações que fizera naquela semana apontavam para um político francês eminente que assistiria à exposição privada de Damion.
Como ele se manteve impassível, mudou de tática.
– A tua lista de convidados para essa exposição é o sonho de qualquer entendido em Arte. Duvido que tenha outra oportunidade como essa de me misturar com gente tão influente nesse mundo ou de ver a famosa coleção Ingénue de Saint Valoire.
– Eu não descreveria como um sonho ter-te na minha exposição. De facto, diria que seria um pesadelo.
Apesar de saber que não acreditaria, Reiko disse-lhe:
– Não sou uma ladra. Convida-me para a tua exposição privada. Quem sabe? Talvez aprenda alguma coisa com os teus convidados seletos e me transforme numa cidadã modelo.
Damion semicerrou os olhos e Reiko conteve o fôlego ao mesmo tempo que mordia a língua para não dizer mais nada. Às vezes, o silêncio era a melhor arma.
– É-me indiferente. Tens de me dar a tua palavra de que usarás todos os meios ao teu alcance para encontrar os quadros.
A expressão grave e o tom quase arrasado de Damion fizeram com que Reiko levantasse a vista para ele. Viu nos seus olhos uma emoção a que não soube dar nome e por um instante quase esqueceu tudo o que sabia sobre aquele homem e esteve prestes a acreditar que aqueles quadros significavam realmente algo para ele. No entanto, isso era impossível. Damion Fortier era um canalha sem coração, o que não lhe desse dinheiro não passava de sentimentalismo, de problemas.
A sua linhagem podia ser do sangue mais puro, mas ele era um canalha que nos últimos cinco anos deixara uma série de corações partidos à sua passagem e que pagava pelo silêncio daquelas mulheres despeitadas com um presente de despedida muito caro. E quanto à sua relação com Isadora Baptiste, com quem estivera um ano inteiro...
– Porque estás tão interessado nesses quadros? – perguntou-lhe. Durante alguns minutos, ele permaneceu calado e Reiko pensou que não ia responder. Uma expressão de dor apareceu no seu olhar e ela ficou sem fôlego ao vê-la. A dor era uma emoção com que estava familiarizada, tal como a culpa. De repente, assolou-a a necessidade de saber e, com o coração disparado, perguntou-lhe novamente: – Porquê, Damion?
– Quero... Preciso de os recuperar. O meu avô está a morrer. Os médicos deram-lhe menos de dois meses de vida. Tenho de encontrar os quadros, estou a fazer isto por ele.