Editado por Harlequin Ibérica.
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Reclamada pelo xeque, n.º 114 - julho 2021
Título original: Reclaimed by the Powerful Sheikh
Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.
Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-1375-525-0
Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.
Créditos
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Epílogo
Se gostou deste livro…
Mason McAulty não sabia se estava a respirar. Era muito provável que sim, que a necessidade obrigasse o seu corpo a fazê-lo automaticamente, mas, durante uma corrida, não tinha tempo para se recordar que tinha de respirar.
Também era verdade que, durante uma corrida, não permitia que nenhum pensamento indesejado a desconcentrasse. Normalmente, a sua mente era como uma corrente fria, cristalina e imparável. Daquela vez, não era assim. Devia estar a pensar no cavalo que montava, não nesse homem do passado ou do presente, nesse homem de que queria fugir, em Danyl.
Antes de ganhar o mesmo ritmo que os cascos do cavalo, dominou o arrepio que lhe vibrou no peito devido ao que podia ter acontecido. Parou de pensar nisso e concentrou-se na linha invisível a meio da pista, atrás da curva de que se aproximava a toda a velocidade.
Gostava da tensão das coxas que a seguravam em cima do Veranchetti, só ouvia um barulho interminável e os joelhos absorviam os movimentos ondulantes do cavalo. Estavam perfeitamente sincronizados.
Era o que fazia com que a adrenalina corresse pelas suas veias. Não era fácil, não era algo natural como voar. Era preciso firmeza, músculo, domínio, compreensão e intuição para aguentar tanta potência, para a acompanhar e fazer coisas incríveis.
Podia ter estado horas montada num cavalo, anos até, mas tinham sido apenas uns segundos, talvez um minuto. No entanto, os últimos dezoito meses condensavam-se nesse momento. Mais nada importava e, mesmo assim, tudo importava. Tinha de ganhar aquela corrida pelo pai, por si própria, por tudo o que acontecera e por tudo o que aconteceria.
Implacável, pôs de parte todos os pensamentos, deixou de pensar no cavalo que tinha à frente, nos que tinha ao lado e nos muitos que tinha atrás. Olhou para a frente, como o Veranchetti com as palas, enquanto entravam na última curva. Sentiu uma emoção por dentro quase física, quase tangível. Era quando o Veranchetti tomava a iniciativa, como se ele também se esquecesse de tudo até ao último segundo.
Era quando ela esboçava um sorriso leve, quando o Veranchetti entrava na corrida como se tudo o que tinham feito antes fosse uma preparação para esse momento. Sentia o preciso instante em que mostrava esse impulso inconcebível, em que ficava à frente e surpreendia todos menos a ela, em que só havia um suspiro entre o sucesso e o fracasso, entre o passado e o presente, entre o presente e o futuro.
Só um instante… Um suspiro.
Dezembro, no presente
Danyl Nejem Al Arain tinha de respirar, tinha de se concentrar no que o outro dos membros do Círculo dos Vencedores estava a dizer, mas não conseguia. Tinha a cabeça num milhão de coisas diferentes e todas apontavam para o baile que ia celebrar-se no palácio real dentro de uma semana, o baile que acabaria com a sua prudência.
– Antonio, eu…
– Tens de ir. Entendo. Tens de governar um país. Não te preocupes, o John e o Veranchetti já estão a caminho.
– A caminho de onde? – perguntou Danyl, com receio.
– De Ter’harn.
– O quê?
– A pedido da tua mãe. Como estava previsto que fossem para o evento de Ano Novo, pediu que chegassem um pouco mais cedo para que pudessem participar nas celebrações.
– Esse baile está a fugir do meu controlo.
– Não tanto como os planos da minha futura sogra para o casamento. Quer soltar cinquenta pombas enquanto saímos da igreja. Las Vegas nunca pareceu tão atraente!
– Las Vegas…? – repetiu Danyl, tentando perceber do que o amigo falava.
– Não estás a ouvir-me? – inquiriu Antonio, com impaciência.
– Sim, Las Vegas. Se quiseres celebrar o casamento lá, conta comigo – afirmou Danyl.
– Agradeço-te. Olha, ligo-te porque… tenho de saber quem será a tua acompanhante no casamento. Quem é a tua próxima candidata para ser a futura rainha perfeita? Tenho de reconhecer que, segundo o que o Dimitri me contou sobre a Brigitta…
– Digo-te quando souber – interrompeu Danyl.
– É que, devido à atenção da imprensa por causa da vitória da McAulty, vamos organizar um serviço de segurança mais rígido.
– Entendo. Aviso-te quando escolher uma acompanhante e vejo-vos, à Emma e a ti, dentro de uma semana no baile.
Danyl desligou sem ouvir a resposta do amigo, mas sabia que Antonio o perdoaria.
Tinha de governar um país…
Guardou o telemóvel no bolso em vez de o atirar contra a parede, que era o que queria fazer. Podia saber-se o que a mãe estava a pensar para convidar John, o treinador do Círculo dos Vencedores, e o Veranchetti, o seu cavalo puro-sangue para o evento? Não só isso, também falara com Antonio e Dimitri sem ele saber. Evidentemente, estava a tramar alguma coisa e tinha de a deter imediatamente. Quanto mais coisas fosse acrescentando à festa, mais possibilidades havia de alguma coisa correr mal, de aquilo não ser perfeito… e o baile tinha de ser perfeito.
Afastou a cadeira da mesa de madeira maciça cheia de papéis do escritório com tecnologia de última geração e desenho de vidro e aço que tinha em Aram, a capital de Ter’harn. Sentia a falta da eficácia e da tranquilidade do seu ambiente profissional e amaldiçoava suavemente a mãe pelo melodrama que o obrigara a voltar, contrariado, ao palácio real.
Saiu para o corredor e dois empregados afastaram-se apressadamente enquanto o seu guarda-costas o seguia de perto. Tinha a certeza de que os pais estariam na sala de jantar àquela hora. Percorreu os corredores com firmeza e sem reparar nos enfeites centenários das paredes ou no chão com ladrilhos brancos, azuis e verdes, embora continuasse a sentir o peso do palácio nos ombros.
Ter’harn era um país rico por causa do petróleo, muito bem situado, com um clima tão desértico como quase mediterrânico na costa montanhosa que dava para o mar Arábico. Tinha uma mistura de culturas embriagadora que iam desde vestígios da cultura turca, da África moderna e dos países árabes. Dos três palácios que havia em Ter’harn, aquele era, de longe, o mais esplêndido. Sobrevivera a cinco séculos, três invasões e uma tentativa de golpe de estado. Cada corredor, canto ou jardim mostrava os vestígios de todos os que tinham passado por ali antes. Embora outros países tivessem mudado de monarcas, governantes ou aliados, Ter’harn era dos poucos reinos que continuava como sempre e a sua família era uma das últimas que não fora destronada. Tudo caía sobre os seus ombros e tinha de encontrar uma rainha que lhe desse um herdeiro para que se mantivesse a linhagem, uma ideia que odiava.
Como ia depressa, os empregados não tiveram tempo de anunciar a sua chegada à sala de jantar, um erro, porque o pai e a mãe estavam abraçados junto da janela e de mãos dadas.
Danyl virou-se, pigarreou, ouviu uma certa agitação, contou até dez, e outros cinco para ter a certeza, e virou-se. Encontrou-os a olhar para ele sem o mínimo indício de vergonha.
– Tinhas mesmo de trazer o Veranchetti da outra ponta do mundo para uma festa? Não te parece um pouco ostentoso mostrar um cavalo do Círculo dos Vencedores a todos os teus convidados?
– Estamos muito bem, querido, obrigada por perguntares. Gosto de te ver – troçou a mãe, que o reprovava sempre por só pensar na eficiência inflexível. – Somos a família real, Danyl, e as pessoas vão achar que tudo o que fazemos é ostentoso… Podemos divertir-nos um pouco com isso, não é? Adoravas fazê-lo.
A mãe não pôde disfarçar o tom de recriminação que costumava acompanhar essa declaração, uma lembrança tácita de que se divertia, antes.
– Além disso – acrescentou a mãe –, só falei com os rapazes.
– Não são uns rapazes, mãe.
– Conheço-os desde que estiveram na universidade juntos. Eram uns rapazes então e serão sempre uns rapazes para mim.
– Fizeste-o às escondidas.
– Danyl, não sejas melodramático. Sabes que o Veranchetti tinha de vir para Ter’harn. Só lhes perguntei se era possível antecipar a data da chegada, para a corrida de Ano Novo e para que coincidisse com o baile que, em certa medida, é para celebrar os teus sucessos.
– Não lhe chamaria o meu sucesso, mãe – replicou Danyl.
– Sim… A encantadora Mason McAulty ainda tem de responder ao nosso convite.
– Convidaste a Mason?
– Sim. Ganhar as três corridas da Hanley Cup é uma façanha fantástica para uma mulher.
As palavras de Elizabeth Arain transformaram-se num zumbido nos ouvidos de Danyl. O nome de Mason McAulty bastava para lhe causar um curto-circuito na mente perfeitamente ordenada. A imagem do cabelo castanho e ondulado que lhe caía por cima de um ombro bronzeado pelo sol, o som de uma gargalhada de há dez anos, o cheiro leve a couro e a feno numa pele sedosa e feminina… A sua mente rebuscou a fúria e a raiva do passado para sufocar esse momento de fraqueza.
Mason McAulty.
Não queria vê-la em Ter’harn ou no palácio. Nem sequer quisera que fosse a cavaleira na Hanley Cup do Círculo dos Vencedores, mas Antonio Arcuri e Dimitri Kyriakou tinham gostado muito da ideia. Dois contra um. Embora também fosse muito provável que, se a tivesse rejeitado, eles aceitassem a sua decisão sem pigarrear. No entanto, quando ela aparecera no clube privado e exclusivo de Londres, ficara aborrecido, tanto que fizera alguns comentários ofensivos que ela ignorara. Tentara dissuadi-la, mas ela, muito teimosa, insistira e, sobretudo, fora isso que impressionara o Círculo dos Vencedores. Isso e o atrevimento incrível da sua proposta. Quem poderia ter imaginado que cumpriria a promessa?
– Quero que venha – continuou a mãe. – Sabes como gosto de corridas de cavalos. De onde achas que veio o teu amor pelos cavalos?
– O meu investimento em cavalos não é amor.
– Danyl Nejem Al Arain, nem penses em usar esse tom comigo. O que a Mason McAulty conseguiu foi milagroso. Ganhar as três corridas da Hanley Cup com cavalos da mesma equipa, a tua equipa, é algo que não se consegue há trinta anos. Tu sabes e eu sei. Quero celebrar esse sucesso sem precedentes dessa cavaleira incrível. Sempre pensei que se não tivesse sido atriz…
– Terias gostado de ser cavaleira. Eu sei, mas eras demasiado alta, mãe.
– Isso não me impediu de montar muito bem a cavalo – replicou ela, num tom melancólico. – Danyl, quero conhecer essa jovem e quero que faças o que for necessário para o conseguir. Vai pessoalmente à Austrália se for preciso. Podes considerá-lo como um presente de Natal adiantado.
– O que ganhas com isto, mãe? – perguntou ele.
– Querido, será a melhor festa que damos em anos. Com umas relações tão boas com os países vizinhos, graças ao teu trabalho árduo, o teu pai e eu estamos a pensar em afastar-nos ainda mais para te deixar subir ao trono.
Danyl olhou para o pai, que observava a conversa em silêncio, como se percebesse porque o filho fugia do assunto.
– No entanto, a tradição diz que terão de esperar até estar casado.
A fúria deu lugar à frustração quando se lembrou dos encontros que lhe tinham marcado nos últimos meses com princesas dispostas ou com presidentes muito decididas. Tudo para impedir que o que a mãe dissera o alterasse. Ia subir ao trono, finalmente, ia herdar o peso da responsabilidade de uma cultura centenária e de perto de três milhões de pessoas.
– Bom, tu fracassas estrepitosamente em encontrar uma noiva – troçou a mãe, num tom afável –, mas nós não podemos esperar para sempre, pois não? Já não somos jovens e já está na hora de ter o meu marido só para mim, para variar. Em qualquer caso, quero que a Mason esteja na festa e que faças o que for necessário para o conseguir.
Estava muito calor, embora fosse cedo, e Mason sabia que estavam a ficar sem tempo. Tinha de se mexer se quisesse chegar à cerca da sua propriedade na Austrália. Apertou um pouco mais a cilha da sela e o Fool’s Fate escoiceou um pouco o chão. Deu-lhe uma palmada no flanco para o tranquilizar e virou-se. O seu pai estava atrás dos alforges, no pátio dos estábulos.
Parecia que envelhecera dez anos, não os dezoito meses que ela passara fora. Tinha as têmporas completamente brancas e os olhos afundados com umas olheiras azuladas. Dominou o arrebatamento de impotência e tristeza porque sabia que o Fool’s Fate o sentiria. O pai pegou num dos alforges e deu-lho. Ela agarrou-o, virou-se para o cavalo e prendeu-o à sela, demorando o tempo que precisava.
Para além dos estábulos, os campos verdes como uma esmeralda prolongavam-se até às montanhas longínquas, umas montanhas que sempre lhe tinham irradiado tranquilidade e que, naquele momento, pareciam pressagiar algo sombrio. Respirou fundo e sentiu o calor espesso nos pulmões.
Joe McAulty estava a pensar em alguma coisa, embora soubesse que só falaria quando estivesse pronto. Não podia apressá-lo. Por isso, limitou-se a continuar a carregar os alforges até ele falar.
– Não achava que fosse acontecer tão depressa.
– Pai, não pode fazer-se nada.
Sempre respondera o mesmo desde que lhe falara pela primeira vez do pagamento da dívida.
– Depois do que fizeste, de ganhares a Hanley Cup…
– Pai, o Mick morreu.
Mason disse-o por cima do ombro e sufocou a dor que sentia por causa do vizinho que lhe parecera um tolo desde que era pequena. No entanto, o pai dizia as coisas sem rodeios e não conhecia a linguagem dos sentimentos.
– Quem ia pensar que o filho reivindicaria a dívida tão depressa? Efetivamente, se não o tivesse feito, o dinheiro que ganhaste poderia ter-nos servido para alguns anos, mas também poderia ter surgido alguma coisa.
Virou-se finalmente. O pai dava pontapés no chão e olhava para os raios do sol da manhã que se filtravam pela nuvem de pó.
– Pai, ainda não perdemos a propriedade. – Mason sabia que se sentia culpado, mas ela não podia culpá-lo. – O trabalho que fazemos aqui com as crianças é tão importante para mim como para ti… e é muito caro. Manter os cavalos, os tutores, os fisioterapeutas, os empregados… O facto de o filho do Mick reivindicar o empréstimo é apenas mais uma coisa com que temos de lidar. Joe… – Chamou-o pelo nome próprio, como todos os empregados. – Não vou dar-me por vencida sem lutar e muito menos com esse rancheiro falso.
Ele esboçou um sorriso triste. Ambos eram muito desafiantes. Virou-se outra vez para o cavalo e fingiu que estava a verificar os alforges.
– Talvez possa montar noutra equipa. Vou ter muitas oportunidades depois da Hanley Cup.
– Não te pediria para fazeres uma coisa dessas – replicou o pai.
– Não foi assim tão grave, pai.
Mason foi incapaz de olhar para ele. Teria percebido. Criara-a sozinho desde que tinha dois anos e percebia todos os seus segredos e todas as suas mentiras. Voltar a correr… Efetivamente, não fora tão grave como achara e montar o Veranchetti fazia com que se sentisse viva e plena como não se sentia há anos, mas custara-lhe e desenterrara muitos sentimentos que tinha de analisar. Fora por isso que decidira arranjar a cerca sozinha.
Custara-lhe montar, mas Danyl? Não, não lhe custara discernir o que sentia por ele. Tinha de se manter afastada dele.
Apanhou o cabelo comprido e escuro com uma fita para que a brisa lhe refrescasse o pescoço. Observou o sol que se punha entre as montanhas enormes que ladeavam o vale do rio Hunter e respirou com tranquilidade pela primeira vez em quase dezoito meses. A cavalgada até ali fora incrível. Conhecia cada promontório e cada terreno baixo daquela propriedade para criar cavalos onde tivera a sorte de também ter sido criada.
Cada vez que saía, cada vez que via esse vale verde ladeado por montanhas que pareciam torres de vigilância que o defendiam, questionava-se como era possível que a mãe se tivesse ido embora. O pai tentara explicar, ao longo dos anos, que a mãe sentira a necessidade de encontrar algo mais… E, se fosse sincera consigo própria, ela também sentira algo parecido há dez anos, quando fora para os Estados Unidos para se formar como cavaleira. No entanto, o lar e os desejos não eram algo inalcançável, estavam ao alcance da mão e era algo que aprendera da pior maneira. Não se importaria de se ir embora, mas não voltaria a fazê-lo.
Levou a chávena fumegante aos lábios e inalou o cheiro a café misturado com o de terra molhada e o do bosque que havia por perto. Se sentia o cheiro a suor, a feno, a esterco, a dor e a algo viril, recusou-se a reconhecê-lo. Era apenas a memória que brincava com ela. A escuridão da noite apoderava-se do manto cor de esmeralda do vale e da propriedade que tentara salvar com unhas e dentes. O dinheiro das três corridas que ganhara para O Círculo dos Vencedores devia ter bastado. Sossegou a vozinha que lhe chegava do coração e lhe perguntava porque não bastara. Nunca tivera pena de si própria, se tivesse, teria sofrido durante muito tempo. Falara com o filho de Mick como se não soubesse que era um ser matreiro que queria transformar a propriedade num terreno de luxo, que queria vender a terra que fora da sua família há sete gerações ao melhor licitador e que queria dinheiro. Porque é que tudo se reduzia a dinheiro?
O que o pai e ela tinham feito não tinha preço, tinham ajudado a relacionar os cavalos com jovens com problemas de aprendizagem que só precisavam de algo positivo nas suas vidas, tinham-lhes ensinado a montar a cavalo, a amar outro ser vivo e a serem amados em troca. Quando a mãe se fora embora, o pai tivera de ficar para a criar e renunciara à sua carreira de treinador, mas vira uma forma de continuar a fazer o que mais amava. Contagiara com o seu amor pelos cavalos centenas de crianças, adolescentes e jovens adultos. Talvez não tivesse sido uma solução definitiva e era possível que não tivesse servido para ajudar todos os jovens que tinham passado por ali, mas ajudara bastantes. O prazer infinito de ver um jovem que era incapaz de olhar para alguém nos olhos a transformar-se, a abrir-se finalmente, a tornar-se alguém mais radiante, a sorrir e rir-se pela primeira vez em muitíssimo tempo… Isso compensava tudo.
No entanto, tinham de crescer para poderem continuar. Precisavam de mais espaço para os tutores, os empregados e as crianças. Não tinham perdas, mas, se não ampliassem o alcance da sua atividade, também não sobreviveriam. E o empréstimo…? Usaria o que ganhara nas corridas e voltariam à casa da partida. Desapareceria tudo o que fizera durante os últimos dezoito meses.
O café caiu-lhe no estômago enquanto pensava noutra corrida. As três últimas tinham significado um esforço físico e mental considerável. Embora lhe custasse reconhecê-lo, dez anos notavam-se, e tivera de treinar a fundo. A primeira coisa que o pai fizera quando voltara fora gozar com ela. Não perdera peso, perdera gordura e transformara-a nos músculos que precisava para dominar os dois cavalos incríveis que montara na Hanley Cup. Tinham sido dezoito meses com semanas profissionais de seis dias, com treinos de manhã e à tarde e com uma refeição por dia.
Deixara as corridas por causa do que acontecera há papara e o orgulho de então… o orgulho de antes… baspara que quisesse cumprir o seu sonho de infância, que quisesse ser o melhor jóquei da Austrália, não a
Em alguns momentos, quando montava o Veranchetti e o Devil’s Advocate, essa necessidade dominara-a por dentro, soubera que conseguia fazê-lo e que ainda podia realizar o sonho de infância.
No entanto, montar para outra equipa, com outros cavalos… Não. Sabia que isso era impensável, como voltar ao Círculo dos Vencedores.
Houvera muitos jornalistas que tinham querido contar a sua história e o dinheiro que lhe tinham oferecido por uma entrevista ou uma sessão de fotografias teria sido digno de se ter em conta se não tivesse procedido das mesmas pessoas que lhe tinham arruinado a carreira da primeira vez. O café deixou-lhe um gosto amargo e soube que não conseguiria fazê-lo, nem mesmo como um último recurso. Já aprendera o suficiente sobre si própria para respeitar a pessoa que era e honrá-la sendo correta e honrada. Talvez tivesse demorado esses dez últimos anos, mas já não ia vender-se ao melhor licitador.
O sol já se escondera atrás das montanhas e as estrelas começavam a brilhar no céu. O Fool’s Fate ficou tenso, escoiceou ligeiramente o chão e puxou a corda que atara a uma árvore atrás dela.
Mason franziu o sobrolho quando ouviu o barulho de uns ramos. Não podia ser o pai, que sabia que queria estar sozinha. Também não podia ser algum empregado porque tinham saído todos para um pub na vila. O limite das terras de Mick era demasiado longe para que fosse alguém de lá. Só restavam os caçadores furtivos. Atirou o café para as brasas, ouviu o barulho e pegou na espingarda.
Danyl deixou escapar uma blasfémia quando viu que se apagava o resplendor ténue que vira. Fora como um sinal luminoso e já só conseguia sentir o cheiro a café queimado e a cinzas molhadas. Talvez devesse ter feito caso a Joe McAulty. Deixara o cavalo para trás porque não quisera assustá-la, embora o barulho dos ramos ecoasse como um canhão no silêncio da noite. Não fez caso da pontada nas entranhas que lhe dizia que talvez não devesse ter deixado os guarda-costas na casa e seguiu em frente. Não poderia ter tido essa conversa com público. Os guarda-costas não tinham gostado, mas tinham obedecido.
Saiu do bosque e ficou parado à frente da beleza do que via. A cena noturna deixou-o com falta de ar e foi quase comparável à admiração que sentia com o deserto de Ter’harn. Fora por isso que demorara um instante a perceber que o acampamento estava vazio. Uma nuvem tapou a lua e a pequena tenda e a fogueira ainda fumegante ficaram nas sombras.
Voltou a praguejar de cansaço e desespero. Onde se metera? Sem disfarçar os passos, entrou na clareira. Depois do voo, a reunião especialmente dolorosa com o primeiro-ministro de Ter’harn e da conversa, ainda mais tensa, com Joe McAulty, estava farto.
Voltou a dar uma olhadela para tentar encontrar alguma pista de onde podia estar. Seguira as indicações de Joe e encontrara o acampamento, mas…
Ouviu que carregavam uma espingarda e parou de pensar nesse instante. A lógica não conseguiu evitar a descarga de adrenalina nas veias. Logicamente, sabia que tinha de ser Mason e, logicamente, sabia que não dispararia, mas…
– Não deverias ter vindo – avisou-o.