Editado por HarperCollins Ibérica, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
Destino o teu coração
Título original: Destination India
© 2016, Katy Colins
© 2018, para esta edição HarperCollins Ibérica, S.A.
Publicado originalmente por Carina UK
Tradutor: Fátima Tomás da Silva
Reservados todos os direitos, inclusive os de reprodução total ou parcial em qualquer formato ou suporte.
Esta edição foi publicada com a permissão da Harlequin Books, S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são usados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, factos ou situações são mera coincidência.
Imagem da capa: Dreamstime.com
1ª edição: Julho 2018
ISBN: 978-84-9139-276-7
Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.
Página de título
Créditos
Sumário
Dedicatoria
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Agradecimentos
Se gostou deste livro…
Querida, não deixarei que caias quando sei que podes voar.
Isobel, isto é para ti.
Túrbido (adj.): inquietante, perturbador.
A primeira coisa que ouvi foi as chaves na porta, a tilintar umas contra as outras, enquanto a fechadura rodava lentamente.
Bolas, voltara a fazê-lo.
Afastei a cabeça do computador portátil. Percebi que tinha ficado com a palavra «qwerty» gravada na face. Esfreguei os olhos cansados e, certamente, espalhei os restos de rímel pela cara. Ouvi o som metálico da campainha quando a porta se abria e, rapidamente, escondi-me por baixo da secretária com um ar de dor, porque bati com o osso do cotovelo. Encolhi os joelhos, pu-los por baixo do queixo e tentei aninhar-me contra o canto, com a esperança de que ele não visse os sapatos que tinha deixado perto da secretária.
Ouvi os passos dele nos ladrilhos do chão, ladrilhos que tinham sido importados de Marrocos pela dona anterior e que, apesar de uma vez terem conhecido a areia do deserto, agora, tinham a lama e a sujidade de Manchester nas juntas estreitas. Eram lindos, mas também era muito difícil mantê-los limpos. Ele assobiava suavemente e eu distingui a melodia de uma série de televisão de que todos falavam, mas que ainda não tinha tido tempo de ver. Mentalmente, voltei a esbofetear-me por estar naquela situação outra vez, mas não ia permitir que ele me encontrasse assim. Nem pensar!
De repente, parou. Fiquei com falta de ar. Dali, via os seus sapatos elegantes e castanhos, uns sapatos que eu vira durante os saldos de janeiro na montra da sapataria que havia um pouco mais abaixo, na mesma rua. Pensara que lhe ficariam muito bem.
Naquele momento, aqueles sapatos apontavam para mim. Tentei manter-me imóvel e ouvi que ele parava de assobiar e deixava escapar um suspiro profundo. Porque não se mexia? O meu coração batia com força no peito. Porque voltara a fazê-lo? Voltara a pôr-me naquela situação ridícula e era a única culpada. Quando os seus pés se aproximavam ainda mais da minha secretária, ouvi que a porta se abria novamente.
— Tudo bem? — cumprimentou Kelli, no seu típico tom rouco matinal, no meio do silêncio da sala.
— Bom-dia, Kel, deixaste as luzes acesas ontem à noite, antes de ires? — perguntou ele.
Ouvi Kelli resmungar. Imaginei-a a revirar os olhos, que pintava sempre com Kohl, e a lançar-lhe o seu melhor olhar sarcástico.
— O quê? Não, fui eu. Saí antes da Georgia — defendeu-se e bocejou sonoramente. Agora, eu também via os seus ténis Converse desgastados e sujos, cujos atacadores, que uma vez tinham sido brancos, estavam cheios de algo que parecia lama. Realmente, precisava de fazer uma boa limpeza àquele chão. Mais outra tarefa na minha lista de coisas para fazer, que crescia sem parar. Talvez alugasse um aspirador industrial ou a vapor. Tinha a certeza de que a minha mãe tinha um que ganhara no bingo há anos. «Concentra-te, Georgia. Concentra-te para que não te vejam.» Voltei a retesar o corpo. Doíam-me os ombros de ter estado encurvada toda a noite por cima do computador portátil e estava a começar a ter cãibras nas pernas.
— Oh, claro — disse Ben. Os seus pés saíram do meu campo de visão. Ouvi que virava o letreiro de madeira da porta para que indicasse «Aberto» para a rua. — Bom, importas-te de apagar a candeeiro da Georgia? Falarei com ela quando chegar. Talvez seja alguma nova medida de segurança que pôs em prática — comentou, de longe.
Merda! Tinha-me esquecido de que o deixara aceso.
— Sim, muito bem — murmurou Kelli e aproximou-se da minha mesa novamente. Vi a pele pálida das suas pernas através dos rasgões das calças de ganga desgastadas. — Não é capaz de apagar a maldita luz? — resmungou, em voz baixa, enquanto se inclinava sobre a minha secretária. Fechei os olhos com força. Como ia sair dali sem que me vissem?
— Ena, acabou o leite. Podes ir buscar-nos uns cafés? Tira o dinheiro do fundo comum — pediu Ben, da pequena cozinha que havia ao fundo da loja.
— Está bem — resmungou Kelli e atirou uma das minhas canetas ao chão.
— Tem cuidado — avisou Ben. — Não desarrumes a secretária.
— Sim, já sabemos que tem transtorno obsessivo compulsivo — troçou Kelli, com um risinho malicioso.
— Organizada, Kelli. A palavra que procuras é «organizada» — corrigiu Ben e eu percebi que falava com um sorriso.
— Hum… Na minha opinião, é uma maníaca do controlo — murmurou Kelli, em voz baixa.
— Como?
— Nada, nada. Só disse que não vou desarrumar nada.
Não era uma maníaca do controlo nem tinha um transtorno obsessivo compulsivo. Só gostava de ordem. Gostava de organizar as coisas, de ter um plano, de saber que tudo correria como era devido e, sim, isso requeria um certo nível de organização, algo que Kelli devia aprender.
Kelli pôs a mão por baixo da secretária e apalpou o chão a poucos centímetros dos meus pés em busca da caneta. O seu braço magro foi seguido pela sua cabeça, com o cabelo pintado com madeixas azuis, e pela sua cara pálida. Os seus olhos avermelhados fixaram-se nos meus.
— Oh!
Apertei o dedo indicador contra os lábios.
— O que se passa? — perguntou Ben.
Abanei a cabeça e apontei para a parte superior da secretária. Kelli sorriu com um ar de gozo e ergueu-se.
— Nada, nada. Acabei de encontrar um agrafador que procurava há dias — mentiu. Depois, os seus pés afastaram-se e continuou: — Eh… Na verdade, acho que devias ir buscar os cafés. Eu tenho um problema feminino e não devia sair com frequência com este ar tão frio.
Eu tive de conter a gargalhada. «Muito bem, Kelli. Boa desculpa.»
Imaginei a cara de Ben, a corar, ao ouvir que gaguejava.
— Está bem. Está bem. Não há nenhum problema. Tu… eh… começa a trabalhar que eu vou buscar o café para os dois.
Kelli deixou-se cair na cadeira e disse:
— Obrigado, Ben. Agradeço-te muito. Prometo-te que irei assim que me passar o período.
Ouvi o barulho da roupa e a campainha da porta, que se abriu e se fechou rapidamente. Olhei com nervosismo para fora da mesa para me certificar de que tinha o caminho livre.
— Podes sair. Foi-se embora — avisou Kelli. Eu saí de baixo da minha secretária e tirei uma penugem da saia amarrotada. — Então, dormiste aqui outra vez?
— Não sei como aconteceu. Estava a trabalhar nas viagens pela Europa e, imediatamente, o Ben entrava pela porta e acordava-me. Não pode voltar a encontrar-me assim e muito menos depois do que aconteceu da última vez — replicou. Kelli e eu trememos ao recordá-lo.
Há algumas semanas, adormecera enquanto trabalhava arduamente para acabar uma apresentação para um novo operador turístico com que queríamos associar-nos. Ben encontrara-me a babar-me em cima de um dos diapositivos e acordara-me tão bruscamente que eu, acidentalmente, entornara uma chávena inteira de chá frio em cima do meu computador. O computador em que guardara todo o nosso trabalho árduo, sem fazer uma cópia de segurança. Todo aquele esforço para nada. Os técnicos não tinham conseguido recuperar a informação. Ben encolhera os ombros como se fosse apenas uma daquelas coisas que podiam acontecer, uma lição para aprendermos a fazer uma cópia de segurança do nosso trabalho, mas eu sabia que estava zangado.
Quando fundámos aquela empresa, eu tinha a ideia de que íamos passar o dia a trabalhar muito, mas que também íamos divertir-nos e que passaríamos as noites abraçados um ao outro na cama. Não sabia como a agência de viagens ia afastar-nos. Os olhares de convite para o leito tinham-se transformado em olhares de desilusão.
Já eram nove em ponto. Não tinha tempo para ir a casa e mudar de roupa sem que Ben se questionasse porque estava tão atrasada. Ia ter de alisar as rugas da saia e esperar que ele não se apercebesse de que usava a mesma camisa que no dia anterior. Calcei os sapatos e fui à casa de banho para tentar arranjar o cabelo, que parecia um ninho de pássaros.
— Tenho maquilhagem, se quiseres — indicou Kelli, enquanto me afastava.
Ao ver as olheiras escuras, os olhos avermelhados e a pele cinzenta, aceitei a oferta dela. Um instante depois, parecia fazer menos parte da noite dos mortos vivos e mais da manhã dos mortos vivos. Tinha uma camada espessa de maquilhagem nas faces, uma mancha de batom bordô nos lábios e uma risca de Kohl nos olhos, que completava a minha imagem. Não sabia se era uma melhoria, mas, pelo menos, disfarçava o meu olhar de sonolência e as rugas que tinham ficado marcadas na cara. O cabelo era outro assunto: Precisava de atenção imediata, mas eu nem sequer me lembrava da última vez que tinha podido ir ao cabeleireiro. Tinha o cabelo sem brilho e emaranhado, era um desastre.
— Toma, apanha o cabelo — sugeriu Kelli, passando-me alguns ganchos.
— Obrigada, Kel, agradeço-te muito — agradeci. Aceitei-os e comecei a apanhar as madeixas de cabelo que tinha na cara.
— De nada, chefe. Eu… eh… não falava a sério quando disse que és uma maníaca do controlo — replicou, enquanto arrastava as solas dos ténis no chão.
— Não sei a que te referes — repliquei, com um sorriso. Naquele momento, a campainha da porta tocou e ambas nos assustámos.
— Kel? — inquiriu Ben, num tom de voz bem audível. — Não tinham o teu café com leite de tamanho extra com leite semidesnatado e duas doses de café, portanto, deram-me outro que parece que é para alguém chamado Heyli.
Kelli deixou-me para continuar a arranjar-me.
— Ah, bom, obrigada.
— A Georgia já chegou? Porque é que o casaco dela está no chão? — perguntou ele e ouvi que as suas calças de ganga faziam barulho quando se baixou para apanhar o meu casaco, que eu tinha deixado cair com a pressa para me arranjar.
— Eh, bom, eh… — murmurou Kelli.
— Estou aqui! — exclamei e saí com um sorriso, tentando transmitir a sensação de que tinha dormido muito bem. — Lamento, devo ter deixado cair o casaco ao entrar a correr na casa de banho…
— Ah, bom-dia! — cumprimentou Ben, com um ar de confusão ao ver a minha nova aparência. — Eh… estás bonita. Toma, serviram o teu café sem erros.
— Obrigada — agradeci e, rapidamente, sentei-me na secretária, agindo com toda a normalidade que podia e tentando não reparar na sua testa franzida, que dava a entender que Ben tentava adivinhar o que eu tinha de diferente naquele dia. — Bom, estão prontos para a reunião de pessoal?
— Sim — afirmou ele. Rapidamente, concentrou-se no trabalho e dirigiu-se para a sua secretária.
As reuniões de pessoal apareciam em todos os livros de gestão empresarial que eu tinha tentado ler. Bom, os livros de áudio que eu tinha descarregado no telemóvel para me ajudarem a amortecer o barulho dos adolescentes que iam para a escola todas as manhãs no mesmo autocarro que eu. Supostamente, aquelas reuniões eram muito importantes para nos certificarmos de que todas as tarefas eram distribuídas equitativamente, de que tínhamos um objetivo claro e de que todos eram apreciados, para além de manter um contacto frutífero com os colegas e reforçar a relação da equipa… Ou algo do estilo. Nunca era capaz de me concentrar na voz monótona da gravação de 1001 Formas de Melhorar a sua Empresa quando algum adolescente estava a ouvir Justin Bieber a todo o volume com os auscultadores minúsculos do telemóvel.
Quando sugerira que fizéssemos reuniões semanais, Kelli e Ben tinham tentando não se rir de mim. Éramos apenas três, para além de alguma visita de Trisha, a madrinha de Ben, que era a anterior dona do negócio. Por isso, tinham-me dito que não eram necessárias, mas eu insisti, sobretudo, para me certificar de que estava tudo sob controlo.
— Kel? Pronta? — perguntei.
— Sim.
Pegou no caderno, sentou-se na beira do sofá e, ignorando o meu olhar de reprovação, pôs os pés no almofadão.
— Bom… — Olhei com cansaço para a minha lista de tarefas e recordei que devia acrescentar a limpeza a vapor do chão e também trazer uma muda de roupa limpa para o caso de voltar a adormecer ali. Só pelo sim pelo não. — Enviaram-nos a apresentação da nossa campanha de verão, a que vos mandei aos dois. Não tinha tempo para vos perguntar o que achavam, portanto, aceitei, mas, não se preocupem, é verdadeiramente boa. Por outro lado, no princípio desta semana, temos a viagem guiada pela Islândia. Kelli, podes enviar a informação dos passaportes de todos ao guia do grupo por correio eletrónico?
Ela assentiu.
— Bom, na verdade, também posso fazê-lo. Só demoro dois minutos. Também precisamos de enviar o itinerário atualizado. Já o comecei, portanto, posso acabá-lo — declarei e risquei a tarefa no papel.
Ignorei o olhar de confusão de Ben e continuei a ler a lista.
— O próximo ponto é o tour da Índia, que começa dentro de duas semanas. Como sabem, é uma das viagens que mais vendemos. Por isso, devemos concentrar a maior parte dos nossos esforços nela, portanto, acho que temos de pensar na nossa relação com a empresa de tramitação de vistos com que estamos a trabalhar.
— Qual é o problema? — perguntou Ben.
— Nenhum, nenhum, mas acho que seria melhor se o fizéssemos nós. Parece que quantos menos serviços externos tivermos de contratar, mais valor terá uma empresa — expliquei e ignorei o sobrolho franzido dele. — Eu estudo-o e…
— Georgia… — interrompeu-me Ben.
— Sim?
— Há alguma coisa que queiras que a Kelli e eu façamos?
— Oh, sim, lamento — desculpei-me, timidamente. — Kel, se pudesses alugar um aspirador a vapor para limpar os ladrilhos do chão, agradeceria — pedi. Tinha a certeza de que não ia fazer uma tarefa tão simples mal. — E, Ben, tu já estás ocupado com os preparativos para a Convenção de Turismo e a acabar os conteúdos para a página de Internet. Disseste que ativarias o compartimento «O que está a acontecer?» na semana passada e… Bom… Ainda não está acabado.
— Pediste-me para fazer isso ontem, não na semana passada — corrigiu ele, com o sobrolho ligeiramente franzido.
— A sério? — perguntei. Meu Deus, só passara um dia? — Bom, de qualquer forma, tem de ficar resolvido, por favor.
— Parece que sim — respondeu ele, com um piscar de olho que fez com que as minhas zonas femininas experimentassem uma vibração estranha.
Pigarreei e obriguei-me a voltar a concentrar-me.
— Obrigada. Finalmente, estava a pensar também que devíamos aprender uma língua nova. Talvez pudéssemos ter aulas à hora de almoço ou algo do estilo. Falar outra língua seria de grande ajuda para encontrar novos clientes e para estabelecer relações com os guias estrangeiros.
Ao olhar, expectante, para as suas caras, apercebi-me de que a minha nova ideia caíra em saco roto.
— Acho que talvez possamos deixá-lo para o futuro — concedeu Ben, em voz baixa, tentando não se rir, enquanto Kelli bocejava exageradamente.
— Sim, bom, mas talvez devêssemos voltar a falar disso em breve. Li que o mandarim é a língua mais falada do mundo, portanto, na verdade, deveríamos pensar nisso para entrar nesse mercado. Ah, por último, uma coisa muito importante: Consegui uma reunião com o Hostel Planners no fim desta semana, para ver se conseguimos fazer um dos nossos tours com eles.
— Não nos disseste nada.
Ben fixou os seus olhos castanhos profundos nos meus e um brilho de confusão e dor apareceu brevemente no seu rosto.
— Descobri esta manhã. Quero dizer, ontem à noite — corrigi, gaguejando.
— Queres que te acompanhe a essa reunião? Parece-me que a tua lista de tarefas é cada vez mais pesada. Não seria conveniente partilhar um pouco a carga de trabalho, Georgia? — perguntou ele, ao mesmo tempo que inclinava a cabeça para mim.
— Está tudo sob controlo. Confia em mim — pedi e sorri fracamente sem olhar para Kelli, porque sentia que estava a lançar-me um olhar com que me dava a entender que sabia que as coisas não estavam sob controlo.
— Bom, se tiveres a certeza… — murmurou Ben, que não estava disposto a deixá-lo assim.
— Sim, tenho a certeza — afirmei, com um pouco mais de ênfase do que queria. Depois, suavizei o meu tom e acrescentei: — Lamento, mas acho que tens trabalho suficiente a preparar-te para a convenção. Como vai o teu discurso? Queres praticá-lo connosco? Talvez possas enviar-mo para que possa revê-lo antes de ires — sugeri, com todo o tato que pude e com a esperança de parecer uma colega de trabalho muito atenciosa e não uma maníaca que precisava de controlar tudo o que ele ia dizer.
— Está tudo sob controlo — respondeu, com um sorriso, tocando com o dedo indicador numa das têmporas.
— Mas, escreveste-o?
Ben sorriu e mexeu as mãos vagamente.
— Sim, vai correr muito bem.
Não o escrevera. Ele dizia sempre que preferia improvisar, mas eu tremia só de pensar nisso. Assenti e acrescentei outro ponto à lista do meu caderno: «Escrever o discurso de Ben.» Tentaria pôr-lho no bolso para que o tivesse quando precisasse dele. Ele voltaria da convenção agradecendo-me por o ter ajudado.
— Muito bem, então, alguém quer acrescentar alguma coisa? — perguntei.
Ben abanou a cabeça, mas Kelli levantou o seu braço magro.
— É uma coisa que não está relacionada com o trabalho, mas a minha banda vai tocar na Academia amanhã à noite.
— Ena, isso é incrível! — exclamou Ben.
Kelli corou.
— Bom, não é para tanto, não é a verdadeira Academia, é a que existe em Rusholme, por cima de um restaurante indiano, mas, mesmo assim, é um concerto. Suponho — disse e fez uma pausa para ordenar as ideias. — Bom, questionava-me se quereriam vir. Se quiserem, posso pôr-vos na lista de convidados. Já sabem, se não estiverem demasiado ocupados ou algo do estilo — acrescentou e mordeu o lábio inferior.
— É claro que estaremos lá. Não é? — inquiriu Ben e interrompeu-me. Naquele momento, eu estava a rever a agenda de trabalho do meu telemóvel.
— Talvez não seja o vosso estilo de bar, mas as bebidas são baratas e, se vierem, dão-vos dez por cento de desconto em qualquer caril e poppadums grátis.
— Georgia? Vens? — insistiu Ben.
— Sim, sim, parece-me bem — acedi, distraidamente, com um sorriso tenso. — Bom, agora, vamos voltar a concentrar-nos no trabalho.
Aquele foi um dia bom, na verdade, excetuando o início dramático e pouco profissional. Entraram quatro clientes sem marcação prévia que reservaram as suas viagens in situ e outros seis que levaram folhetos e fizeram comentários positivos sobre a ideia de voltar para pagar um sinal. Eu estava absorta a rever o correio eletrónico quando o meu telemóvel tocou. Era uma chamada da minha mãe.
— Olá, mamã, não tenho muito tempo. Tenho muito trabalho — avisei, rapidamente.
— Dizes sempre isso — replicou ela, estalando a língua, e eu revirei os olhos. — Bom, não vou distrair-te muito, era só para me certificar de que não te esqueceste desta noite.
«Esta noite? Esta noite?» Comecei a rever febrilmente a minha lista de tarefas. O que acontecia naquela noite?
— Eh… Não, mamã, não me esqueci. Está tudo sob controlo — menti.
Ela respirou fundo, com alívio.
— Ótimo. O teu pai está tão contente por te ver… Vamos sair quando passar a hora de ponta. Sabes que não gosta de conduzir quando as estradas estão cheias de loucos. A que horas reservaste no restaurante?
Fiquei em branco. Então, de repente, lembrei-me. Olhei rapidamente para o calendário para verificar se estava certa. E estava.
Merda! Era o aniversário do meu pai e há semanas que tinha prometido à minha mãe que conseguiria uma mesa para jantar no Chez Laurent, um restaurante francês luxuoso de Manchester, de que os famosos diziam maravilhas, e um lugar onde era necessário reservar com uma antecedência absurda.
— Eh… Às nove em ponto — menti.
— Perfeito! Bom, vou deixar-te continuar a trabalhar. Até mais tarde, amor.
Despedi-me da minha mãe e desliguei com um nó no estômago. Esqueci o que estava a fazer e procurei o número de telefone do restaurante, rezando para que acontecesse o milagre de haver um cancelamento de última hora para aquela noite. Não tive sorte.
A rececionista petulante, falando com um sotaque francês descaradamente falso, disse-me que não era possível. Disse-lhe para não se preocupar e concentrei toda a minha atenção em navegar na Internet para encontrar outras opções.
De repente, a minha carga de trabalho parecia-me menos importante. Tinha ligado os alarmes do meu telemóvel e do correio eletrónico para me recordarem que tinha de comprar um presente para o meu pai e reservar aquele lugar, mas cada vez que tinham tocado, adiara-os, pois estava sempre a meio de alguma tarefa. Naquele momento, tinha vontade de me estrangular. Depois de o final do ano anterior ter sido tão enervante, tencionara tratá-lo com atenção no seu aniversário, celebrar o facto de estar connosco depois de ter estado prestes a perdê-lo. Suspirei, reprovando-me por ser tão má filha.
Todos os restaurantes de cinco estrelas estavam cheios ou só tinham mesa para as cinco da tarde e dentro de duas semanas. Estava a custar-me muito e a ocupar-me muito tempo. Se continuasse assim, teria de passar mais uma noite em branco para resolver o que não conseguira fazer naquele dia.
Suspirei novamente e isso chamou a atenção de Ben.
— Estás bem, Georgia?
— Não conheces nenhum chef com estrela Michelin que queira vir fazer um jantar esta noite, pois não? — perguntei, com a cabeça entre as mãos.
— Desculpa?
— É o aniversário do meu pai e prometi que o levaria a jantar num restaurante de cinco estrelas, mas esqueci-me por completo — queixei-me, com um gemido.
Kelli levantou o olhar.
— O meu amigo Shaun, o Peganhento, trabalha no TGI Fridays. Posso tentar arranjar uma mesa lá… Não, esquece. Tem essa alcunha por algum motivo.
Ben fez uma careta de nojo e virou-se para mim.
— Porque não mudas de planos e fazes um bom jantar em tua casa?
Riu-se.
— Quero tratar o meu pai com atenção, não matá-lo. Não te lembras do que cozinhei quando estávamos na Tailândia?
A minha mente encheu-se de lembranças daquela tarde numa cozinha que cheirava a especiarias em Ko Lanta e corei ligeiramente ao pensar em como estávamos unidos naquele momento, em como estava convencida de que teria podido acontecer qualquer coisa entre nós nessa altura, para além de trocarmos presentes no Natal e partilhar ideias de negócios de uma maneira amistosa, mas profissional.
Ben sorriu ao lembrar-se.
— Sim, talvez devas seguir em frente com o teu plano de os levar a um restaurante.
Virei-me para o meu computador, desejando concentrar-me no trabalho e não no que poderia ter acontecido entre nós, quando Ben me chamou.
— Ouve, não foste a um evento para a criação de contactos empresariais, ou uma coisa dessas, no Verde, esse restaurante italiano novo? Podes ligar à pessoa que o organizou e ver se consegue arranjar-te uma mesa para hoje.
— É uma ideia fantástica! Obrigada! — exclamei e revi os cartões de negócios que tinha na secretária. Pensei naquele dia tão aborrecido durante o qual a minha mente inquieta vagueara da overdose de PowerPoint para as flores frescas e os enfeites de nogueira do restaurante. Tinha passado o resto daquela reunião aborrecida a questionar-me se devíamos redecorar a agência com tons parecidos.
Encontrei o cartão de Luigi, o diretor do restaurante, um italiano sensato e amável que me tinha dado bons conselhos sobre lugares para visitar em Roma quando lhe falei das nossas viagens pelo país. Cinco minutos depois, conseguira uma mesa para três às nove em ponto da noite. Bingo! Talvez, afinal de contas, conseguisse fazer bem aquilo.
Desilusão (s. f.): Libertar-se, ou ser libertado, da ilusão.
— É muito elegante, não é? — perguntou a minha mãe, pegando no saleiro de porcelana por cima da toalha de linho engomado. — Mas… não íamos àquele restaurante francês? A Viv fala sempre dele desde que o filho, Adam, a levou uma vez quando veio a Londres de visita. Juro-te que ouvi falar mais do maldito crème brûlée desse lugar do que da ciática da Viv e, realmente, ela nunca para de falar da ciática.
— Mas soa muito bem, de todos os modos. Refiro-me à sobremesa, não à dor de costas da Viv — comentou o meu pai, antes de olhar para a minha cara.
— Tentei conseguir mesa, mas estava cheio — expliquei, para me desculpar, e tive de ignorar a careta da minha mãe por Adam ter conseguido levar a mãe ao restaurante francês. — Embora digam que este lugar também é muito bom. É o melhor italiano de Manchester ou uma coisa dessas.
— Hum… — murmurou a minha mãe. — É um pouco pequeno.
— Podia dizer-se que é acolhedor, não é? — sugeri, para tentar ver o lado positivo do grande pilar de mármore falso que havia à frente da nossa mesa. Luigi dera-nos mesa, mas não especificara que íamos estar atrás do Coliseu romano, junto da casa de banho. O cheiro reconfortante a alho e alecrim do restaurante cheio não conseguia disfarçar as baforadas de lixívia que nos chegavam cada vez que se abria a porta da casa de banho.
— Bom, parece-me que é ótimo e é uma mudança de estar a ver as notícias enquanto como as famosas batatas com carne da tua mãe — declarou o meu pai, rindo-se suavemente. Depois de pedirmos o jantar a uma empregada de mesa enervada que se esquecera de nós, a julgar pela sua cara corada e brilhante, começámos a comer os palitos salgados.
— E vieste diretamente do trabalho, Georgia? — perguntou-me a minha mãe, apontando com a cabeça para a minha roupa amarrotada. Eu tinha uma mancha de tinta e outra de café no punho da camisa e ainda tinha a maquilhagem inspirada em Kelli.
— Sim, lamento muito. Tencionava passar por casa antes de vir, mas…
— Atrasaste-te — concluiu ela e suspirou. — Bom, de qualquer forma, alegro-me muito por poder sentar-me a falar contigo por um momento, finalmente. Embora tenha de dizer que estás um pouco pálida, querida.
— Eu… eh… Hoje, experimentei uma maquilhagem nova, mas não vou voltar a usá-la — declarei, enquanto sacudia as migalhas do colo. — Bom, papá, muitos parabéns! — exclamei. Levantei o meu copo de Chianti para brindar enquanto lhe dava um beijo na face e senti o seu cheiro familiar a linho limpo e tomateiros. — O teu presente vai chegar por correio — indiquei. Era mentira, mas só a meias. Assim que chegasse a casa, escolheria algo ótimo na Internet e pediria que lho enviassem o quanto antes.
— O único presente de que preciso é ver-te — afirmou, passando-me a mão pelo cabelo. — Agora, conta-nos como está tudo. Há séculos que não te vemos, querida. Espero que não estejas a trabalhar demasiado.
— Bom, sabem que o primeiro ano de um negócio é sempre um pouco difícil, mas estamos a lutar para encontrar um lugar no mercado e até temos uma pequena rentabilidade — expliquei e pisquei o olho, com um sentimento de carinho. Era para isso que trabalhava como uma louca: Para conseguir resultados.
— Uma notícia excelente — afirmou o meu pai. Com um sorriso e brindámos.
— E para além do trabalho? Não há nenhum homem sobre quem queiras contar-nos alguma coisa? Sempre pensei que o Ben e tu fariam um casal muito bom. Com a tua inteligência e os seus olhos castanhos, os vossos filhos seriam génios e supermodelos.
— Mamã! — exclamei e, rapidamente, limpei do queixo um pouco de vinho que tinha entornado.
— O que foi? — perguntou ela, encolhendo os ombros com inocência. — Não trabalhes tanto ao ponto de te esqueceres de te divertir, Georgia.
— Eu divirto-me — afirmei, com uma careta. Tive de conter um vómito por causa do cheiro de um senhor gordo ao sair da casa de banho e passar ao nosso lado. — Neste momento, estou a divertir-me.
— Sair para jantar no aniversário do teu pai não conta. Não acho que vás conhecer o homem da tua vida aqui — replicou a minha mãe.
— Eu penso o mesmo, querida — concordou o meu pai e apontou com a cabeça para a casa de banho dos homens, antes de se rir.
— Não tenho tempo para essas coisas neste momento — disse, mexendo as mãos à minha volta. Desejava que a empregada aparecesse com os nossos pratos e, assim, desviar a atenção do facto de ser um fracasso em tudo o resto, à parte da minha carreira profissional. Não queria que os meus sentimentos por Ben se reavivassem, porque tinha passado muitos meses a mantê-los guardados numa caixa em que dizia: «Não abrir».
— Hum… Bom, estamos preocupados contigo, é apenas isso — replicou a minha mãe, ao mesmo tempo que pousava a mão na minha com suavidade. — Quando voltaste da tua viagem, estavas emocionada com a ideia da nova empresa e parece-me ótimo que esteja a correr tudo tão bem. A sério, filha — acrescentou, com um suspiro. — Mas, Georgia, tens de te certificar de que não ocupa todo o teu tempo.
Eu afastei a mão, bebi um bom gole do meu copo de vinho e sorri.
— Já te disse que estou bem, mamã.
A minha mãe continuou a olhar para mim e arqueou uma sobrancelha antes de assentir, lentamente.
— Bom e como está a Marie? E o pequeno Cole? Há séculos que não os vejo. De certeza que o menino está a crescer rapidamente…
— Estão bem… — murmurei, pensando na minha melhor amiga e no seu filho. — Há algum tempo que não os vejo, mas sabes como são estas coisas… Ela está no seu trabalho e eu estou no meu. Vou ligar-lhe em breve.
— Bom, diz-lhe que os teus pais lhe mandam um beijo.
— Sim, prometo. Papá, como passaste o resto do teu dia de aniversário? Deram-te algum bom presente? — perguntei ao meu pai, para mudar rapidamente de conversa. Com os meus pais, às vezes, voltava a ser uma adolescente mal-humorada que não queria falar de rapazes. Ou, pelo menos, daquele rapaz em concreto.
— Sim, sim — respondeu o meu pai. — Este ano, a tua mãe superou-se e ofereceu-me um rádio digital de gama alta — explicou, rindo-se. — Tens de o ver, Georgia. Sintoniza programas de rádio que nem sequer sabia que existiam. Qual será a próxima ideia das pessoas?
Estava a ouvi-lo enquanto me contava que tinha começado a ouvir um programa de jardinagem apresentado por um homem chamado Wayne, de Dorset, quando o meu telemóvel tocou.
— Lamento muito, tenho de atender esta chamada. Não te esqueças da conversa, papá. Demoro um minuto — repliquei e levantei-me, com cuidado para não bater com a cabeça nas vigas por baixo das quais estávamos sentados.
— Ah, bom. Está bem — disse o meu pai e assentiu com tristeza.
Para conseguir ouvir melhor a chamada, saí rapidamente do calor agradável do restaurante e senti a gelada brisa do princípio da primavera. Tinha-me esquecido por completo de que tinha combinado ter uma conversa telefónica com Dan Milligan, o chefe de vendas da revista de viagens mais importante do país, Itchy Feet. Tentara conseguir um espaço publicitário para pôr um anúncio naquela revista, porque me apercebera de que todos os nossos adversários tinham anúncios muito atraentes de página completa nela e qualquer coisa que eles pudessem fazer, nós podíamos fazer melhor.
— Boa-noite, sou a Georgia Green — declarei, no meu tom mais rígido.
— Olá, Georgia, sou o Dan. Liguei-te porque, como sabes, hoje é o último dia para adquirir um espaço publicitário no próximo número da revista. Tenho uma boa oferta para te fazer.
Então, começou a fazer um discurso sobre o número de leitores da revista e outros números que eu não compreendia por completo, mas que pareciam impressionantes. Depois, fez uma pausa para lhe dar mais emoção.
— Portanto… como estamos muito interessados em incluir os novos operadores turísticos na revista, para manter um estilo fresco e para refletir o que acontece agora, podemos oferecer meia página ou uma página completa a… — disse e fez outra pausa —, quarenta por cento abaixo do preço normal.
— Ena, isso é muito menos do que esperava — redargui, depois de deixar escapar uma tosse por causa da surpresa.
Ele deu uma gargalhada forçada.
— O que se passa é que só posso oferecer-te este preço porque estamos prestes a começar a impressão, ou seja, precisaria da informação muito em breve. Tem de ir para a imprensa o mais depressa possível, entendes?
— Esta noite? Não pode esperar até amanhã? — perguntei e olhei para o relógio. Teria de deixar o jantar de aniversário do meu pai para voltar a correr para a agência e preparar qualquer coisa. Além disso, não ia poder falar disso com Ben antes de fazer o acordo. Não podiam esperar até à manhã seguinte?
— Não, não podemos. Já estou a adiar tudo porque queria oferecer-te este grande desconto. É praticamente um presente!
Eu fiquei calada, a pensar. Mesmo com o desconto, aquele anúncio levaria uma boa parte do nosso orçamento para publicidade.
Dan devia ter-se apercebido dos meus reparos.
— Sabes? Tenho a Aventuras Totalmente Incríveis à espera. Queria fazer-te a oferta primeiro, mas sei que, assim que lhes ligar, aproveitarão o desconto sem pensar duas vezes.
Normalmente, era Ben que se encarregava de administrar o orçamento para a publicidade, mas aquela era uma oferta demasiado boa para ser rejeitada. Teria de pedir desculpas ao meu pai, mas tinha a certeza de que ele entenderia. Respirei fundo.
— Sim, está bem. Aceito. Podes incluir-nos no próximo número.
— Excelente! Deixa-me fazer algumas chamadas e já te ligo para confirmar. Então, precisarei da cópia do teu anúncio dentro de uma hora.
— Tens a minha palavra — prometi. Sorri e desliguei.
Tinha perdido a noção do tempo. Tinha pele de galinha e tiritava, mas conseguira uma página completa a cores no número seguinte da revista. Estava impaciente por contar a Ben. Certo, havia a possibilidade de ele se zangar um pouco por causa do dinheiro do orçamento que eu acabara de gastar em cinco minutos, mas estava convencida de que era o melhor que podia fazer.
As coisas estavam a correr cada vez melhor para O Clube de Viagens para Corações Solitários, a nossa agência de viagens, que era especializada em ajudar as pessoas que acabavam de sofrer um desengano amoroso, para que o seu sentimento de perda e confusão se transformasse num desejo de viajar com pessoas parecidas com elas. Desde que tínhamos começado, em novembro do ano passado, eu tinha vivido para a empresa. Estava desesperada para que fosse um sucesso. E, espantosamente, parecia que estava a correr bem. Esfreguei os braços e entrei no restaurante.
— Lamento muito. Demorei mais do que pensava… — comecei a dizer, mas fiquei sem palavras ao ver a cara de aborrecimento da minha mãe e a desilusão do meu pai, que tinha a testa franzida. Os seus pratos estavam vazios e o meu esparguete carbonara estava frio e começava a transformar-se num monte peganhento de cor amarelada com um ar repugnante.
— Não podíamos esperar mais — disse a minha mãe e fez uma careta.
— Oh, sim… claro. Lamento — desculpei-me, tentando cravar o garfo no molho ressequido, depois de afastar uma camada da parte superior. Não conseguia comê-lo, portanto, afastei o prato. — Bom, conta-me que mais coisas te ofereceram no teu aniversário — pedi ao meu pai.
— Bom — respondeu ele —, os rapazes do bar ofereceram-me um…
O som do meu telemóvel interrompeu-o.
— Lamento — desculpei-me, encolhendo-me. — Não vou demorar.
Peguei no telemóvel e saí outra vez para a rua.
— Georgia! — exclamou Dan, alegremente, quando atendi a chamada. — Combinado!
— Bom… eh… ótimo — afirmei. Tinha um nó de preocupação no estômago, mas… não ia deixar passar aquilo e muito menos com aqueles idiotas da Aventuras Totalmente Incríveis à espera para ocupar o nosso lugar.
— A única coisa que se passa é que preciso do anúncio em menos de uma hora. Será um problema?
— Não, não. Vou tratar já disso.
Desliguei o telemóvel e estava prestes a entrar quando a porta do restaurante se abriu e os meus pais saíram, com os casacos vestidos.
— Georgia, vamos para casa. Tínhamos vindo para te ver, não para olhar para uma cadeira vazia nem sermos gaseados pelos peidos de um estranho! — queixou-se a minha mãe. — Esqueceste-te de que é o aniversário do teu pai? A única coisa que queria era ver-te e passar algum tempo com a família!
Embora eu também precisasse de me ir embora, não queria que a noite acabasse assim. Senti um nó no estômago e corei.
— Lamento muito, mamã. Só que me apanhaste no meio de algo que tinha de resolver. Mas já acabei. Consegui pôr um anúncio na Itchy Feet, sabes, a revista de que te falei há algumas semanas.
O meu pai pigarreou e sorriu apagadamente.
— Fico feliz, querida. Lamento ser um desmancha-prazeres, mas sinto-me um pouco cansado. Sabes como é envelhecer. Fica para outra altura?
Eu assenti e mordi o lábio inferior.
— De certeza que estás bem?
— Georgia, é tarde. Vamos esquecer o assunto. Podes voltar ao trabalho e vemo-nos depois — replicou a minha mãe, enquanto abotoava o casaco e me dava um beijo na face.
— Bom, liguem-me em breve. Ah, e feliz aniversário, papá — afirmei, enquanto se afastavam.
Estava prestes a entrar no restaurante para ir buscar o meu casaco e pagar quando ouvi que a minha mãe dizia ao meu pai:
— Além disso, viste como está cansada? Acho mesmo que esta empresa é demasiado para ela.
— Eu acho que só precisa de dormir bem e cuidar-se um pouco mais, Sheila — indicou o meu pai.
— Hum… espero que tenhas razão. Não é normal que esteja a trabalhar tanto, que se esforce tanto para demonstrar uma coisa que não precisa de demonstrar. Estou preocupada com ela, Len.
— Sim, eu sei. Eu também, mas não vai acontecer. Vai resolver tudo. Afinal de contas, é uma Green.
Eu entrei no restaurante. Todos pensavam que eu era um fracasso? Não. Estava bem. Melhor do que bem.