Editado por Harlequin Ibérica.
Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.
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28001 Madrid
© 1998 Margaret Barker
© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.
Regresso a casa, n.º 388 - agosto 2018
Título original: Home-Coming
Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.
Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-9188-539-9
Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.
Créditos
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Epílogo
Se gostou deste livro…
– Se quiser fazer o favor de esperar na sala dos médicos, doutora Broughton, vou já avisar o doutor Kalodoukas de que está aqui.
Alice seguiu a jovem enfermeira grega ao longo de um branco e imaculado corredor. As ventoinhas que havia por todo o hospital da ilha de Ceres, estrategicamente dispostas, eram de muita utilidade com o sufocante calor daquela tarde de Maio.
Tinha-se sentado na parte de cima do barco, que zarpara de Rodes, para desfrutar da cálida carícia dos raios solares, suavizados pela brisa do mar. Como sempre que regressava a Ceres, sentia que ali era o seu verdadeiro lar.
Esperara com anelo a chegada ao porto e, quando por fim atracaram, Alice sentiu-se extasiada. As altas colinas levantavam-se no horizonte azul por cimas das casas pintadas em tons pastel, agarradas às encostas, que se afundavam no mar.
Tinha esquadrinhado o porto à procura de algum rosto conhecido, pois a sua prima Maria dissera-lhe que tentaria ir buscá-la se conseguisse sair a tempo do trabalho. Caso contrário, Alice deveria ir ter com ela ao hospital.
Assim que chegou, o calor ambiental e o cansaço causado pela longa viagem que a tinha levado do aeroporto de Gatwick a Rodes e dali a Ceres fizeram-na sentir-se estranhamente nervosa. Enquanto se dirigia para o hospital, apercebera-se de que as vezes anteriores em que voltara a Ceres fora durante as férias de Verão, para ver a sua família. Mas desta vez, pensou carregando a mala, ia como médica auxiliar de Nikolaos Kalodoukas.
O velho Nick! Teria mudado desde a última vez que o vira há anos? Quantos exactamente, dezassete, dezoito?
Já na sala dos médicos, Alice sentou-se enquanto a enfermeira ia avisar o doutor. Que alívio! Tirou os sapatos e decidiu que trocaria de calçado assim que tivesse oportunidade.
Mas antes queria ver Nick, que deveria ter uns trinta e seis anos. Sim, porque ele tinha dezoito anos quando começou a estudar Medicina, depois das últimas férias que tinham passado juntos. Ela tinha dez anos. Recordou que Nick se tinha queixado quando ela lhe pediu, enquanto passeavam um dia pela colina, que a levasse às cavalitas, ele comentara que antes não lhe custava, mas que com dez anos já pesava muito.
A porta abriu-se e um desconhecido, alto e moreno, apareceu à sua frente. Alice conteve a respiração.
– Disseram-me que a doutora Alice Broughton estava aqui. É você por acaso?
– Sim, sou Alice Broughton. E você...?
– Nikolaos Kalodoukas.
O desconhecido aproximou-se de Alice e estendeu a mão. Alice levantou-se, arrependida de ter tirado os sapatos, já que a altura dos saltos a teria feito sentir-se mais segura de si mesma. Aquele homem não podia ser Nick.
Apertou-lhe a mão e olhou-o nos olhos, castanhos escuros, e depois descobriu que se tratava sim do seu adolescente favorito, que se tinha convertido num homem fantástico. A linha da sua boca era a mesma, apesar de haver na cara dele uma expressão aristocrata que a desconcertava.
O pai de Nick fora um parente afastado da família real da Grécia, recordou Alice continuando colada ao chão e tentando ressuscitar feições que lhe recordavam aquele amigo que tanto amara quando era pequena.
Sim, não havia dúvidas, era Nick. Mas, porque é que se mostrava tão distante? Tentava dizer-lhe que, como director médico do hospital de Ceres, tinha que cumprir um certo protocolo?
De repente, sorriu e Alice sentiu-se como se o sol saísse detrás de uma nuvem. Aliviada, devolveu-lhe o sorriso.
– Bom, já te convenceste de que sou mesmo eu? – perguntou-lhe num tom frio, mas educado.
Alice percebeu que ainda não lhe tinha solto a mão e que estivera a estudar o seu rosto com descaramento. Nos velhos tempos, teria corrido para lhe dar um forte a braço, mas naquele momento não parecia o mais indicado.
– Sim. Gostaria de dizer que não mudaste, mas... – soltou-lhe a mão.
– Garanto-te que eu também não te teria reconhecido, Alice.
Aliviou-a intuir certa calidez nos olhos dele, mas ainda havia algo que o retraía.
A porta abriu-se e uma mulher morena de baixa estatura com uma bata branca entrou.
– Alice! Desculpa não ter podido ir buscar-te ao porto – disse Maria Pachos. – Ouvi a sirene do barco quando estava a acabar de atender os pacientes, mas uma senhora começou a queixar-se e não consegui livrar-me dela. Ainda bem que aqui estás! Não é, Nick? – disse depois de abraçar a sua prima e de lhe dar um beijo em cada face.
Nick sorriu e assentiu. Parecia mais descontraído desde que Maria entrara.
– Maria organizou um almoço familiar em tua honra, Alice – disse ele. – Calculo que se prolongará por toda a tarde, por isso, dêem-me licença, tenho que dar umas instruções ao pessoal. Tinha terminado uma operação quando chegaste – acrescentou. E saiu.
– Reconheceram-se? – perguntou-lhe Maria.
– Não! Nick mudou muito. E não parece tão extrovertido como antes.
– Bom, isso é compreensível, não se vêem há muitos anos – disse Maria. – Provavelmente custa-lhe a aceitar o facto de que cresceram. Anda, vamos para casa. Stravos vai levar-nos à Baía Nymborio. Mas antes tenho que mudar de roupa.
– Eu também, se for possível, Maria.
– Claro. Não sabes como estou contente por te ver, Alice!
Depois de tomar um duche refrescante no vestiário do pessoal médico e depois de pôr um vestido fino que levava na mala, saíram do hospital.
Stravos, o marido de Eleni, a empregada de Maria, recebeu-a calorosamente. Alice apertou-lhe a mão e recordou como ele sempre fora amável com ela quando era pequena. Subiram para uma lancha com motor e, enquanto o observava a dirigir o leme com destreza, pensou que ele não tinha mudado muito naqueles anos todos. O seu cabelo agora era grisalho, mas a sua cara, na essência, continuava a mesma.
Só as crianças e os adolescentes mudavam tanto, pensou com certa nostalgia ao recordar como Nick a passeava de barco e a ameaçava atirá-la à água para alimentar os peixes. Alice sempre rira com aquela brincadeira, pois sempre tinha confiado em Nick, certa de que não podia fazer-lhe nada que pudesse magoá-la.
Tentou descontrair-se e agradeceu a suave brisa que soprava enquanto Stravos as levava à baía vizinha.
A casa da família estava num extremo da baía Nymborio, mas depois tinha-se transformado na casa permanente de Maria, onde vivia com o seu marido, Stamatis, e o seu bebé, Demetrius.
As avós de Alice e Maria eram irmãs e ali se tinham reunido os filhos, filhas, netos e netas de ambas. Tecnicamente, Alice e Maria eram primas; mas, para Alice, Maria era a sua irmã mais velha. Esta, por seu lado, sempre tinha adorado cuidar da sua priminha loira e de olhos azuis.
– Como está a avó Helena, Alice? – interessou-se Maria, afastando a longa cabeleira negra que lhe caía sobre a cara. – Não a vejo desde a última vez que nos juntámos na casa dela em Rodes, no Natal.
– Continua a desfrutar da vida, apesar de ter perdido a agilidade depois da operação à anca. Começa a andar de novo, mas não evolui tão rapidamente como ela gostaria, a julgar pelas cartas que recebi das minhas tias. Adorei ver-te no Natal, Maria. Quando me falaste deste trabalho em Ceres tive a certeza de que era o que queria.
– E estás contente por voltar à Grécia, Alice?
– O que é que achas? – replicou ela.
– É exactamente do que precisas para esquecer – sorriu Maria.
– Sim – Alice engoliu em seco.
Apercebeu-se, aliviada, de que não tinha pensado em Paul desde que saíra de Inglaterra no dia anterior.
– No Natal não pude perguntar-te pelo teu divórcio – disse Maria com cautela. – Era demasiado recente... Foi muito horrível?
Alice mexeu na sua cabeleira loira, enquanto olhava para as águas transparentes em que se reflectiam as colinas.
– Na realidade foi um grande alívio. Tinha chegado a um ponto em que sabia que Paul não mudaria nunca, que continuaria sempre a procurar uma mulher e depois outra...
– Eu avisei-te.
– Eu sei -Alice sorriu com ironia. – É a mesma história de sempre. O amor é cego e todas essas histórias. Juro-te que pensava que amava Paul.
– E agora?
– É o momento ideal para começar uma nova vida, sem homem nenhum durante uma temporada. Agora estou muito tranquila. Já nem sequer me apetece odiar Paul. Só sinto pena dele... e das pobres mulheres que vão ter que sofrer o mesmo que eu.
– Esta é a Alice de que eu gosto! Não imaginas como mudaste nos dois anos que estiveste casada com Paul. Quero dizer, nem sequer vieste a Ceres, por isso soube que alguma coisa não devia correr bem.
– Paul não gostava de viajar para lado nenhum, a não ser que pudesse ficar hospedado num hotel de luxo com sauna, piscina, ginásio... – Alice deteve-se. Depois colocou a mão sobre os olhos em forma de viseira, para ver a costa. – Quem é que está na varanda de cima? – perguntou, apontando para uma casa grande e branca com telhado vermelho.
– É a avó Katerina – respondeu Maria, sorridente. – Chegou ontem para te dar as boas-vindas.
– Quanta honra! – exclamou Alice, ansiosa por tornar a ver a avó de Maria. Stravos alcançou o cais. – Como é que o Nick vem para cá? – perguntou a Maria quando saíam da lancha.
De repente, pareceu-lhe muito importante que ele estivesse com eles. Tinha a certeza de que a impressão que tivera dele naquela manhã tinha sido errónea. O homem que vira no hospital não fora o amigo carinhoso e encantador que ela tinha adoptado como irmão, e estava convencida de que em casa, longe das responsabilidades do hospital, tornaria a mostrar-se amigável como sempre.
– O mais provável é que venha no seu todo-o-terreno. A estrada da costa melhorou muito nestes últimos anos e, apesar de ainda haver pedras, o carro de Nick pode com elas.
– Alice!
Alice olhou para cima e sorriu à avó de Maria, que era muito parecida com a sua própria avó, Helena. Alta e elegante, com o cabelo branco e apanhado num carrapito, estava esplêndida com o seu vestido preto. Levantou-se lentamente e agarrou-se ao gradeamento da varanda.
– Vem cá, minha querida – cumprimentou-a.
Alice subiu a correr até ao primeiro andar enquanto Maria ia à cozinha, pois tinha que se encarregar dos preparativos para o almoço. Tinham vindo a falar inglês até àquele momento, mas em casa, pareceu-lhes natural falar grego.
Katerina Pachos abraçou Alice afectuosamente e disse-lhe que parecia cansada da viagem. Alice comentou que se alegrava de ter chegado a casa por fim e que, apesar da viagem ter sido extenuante, tinha merecido a pena. Sentou-se na varanda com aquela idosa afectuosa que conhecia de toda a vida, e serviu-se de um copo de vinho branco enquanto conversavam.
– Deve ser Nikolaos – comentou a avó de Maria, apontando para uma nuvem de pó que se levantava na estrada.
Alice sentiu-se incomodada. Afinal, Nick era o seu novo chefe. Era ele quem devia tomar a iniciativa de retomar a relação que tinham antes. Ela não devia mostrar-se demasiado efusiva.
O todo-o-terreno parou e Nick saiu e acenou amistosamente para a varanda.
– É um homem estupendo! – disse Katerina. – O avô dele era muito amigo do meu marido, sabias? Eu adorava que os pais dele o deixassem vir passar aqui as férias quando era pequeno, porque se dava muito bem com o meu neto. Iannis aborrecia-se muito, mas com Nikolaos divertia-se sempre. Lembras-te?
– Sim, Nick conseguia fazer com que todos nos sentíssemos alegres – respondeu Alice. – Estava sempre a organizar passeios pelas colinas ou festas na piscina.
Maria ligou pelo intercomunicador para as avisar de que o almoço estava pronto, de modo que neta e avó dirigiram-se para andar de baixo, em cujo terraço as esperava uma enorme mesa de madeira. Katerina pediu a Nick que se sentasse ao seu lado e insistiu para que Alice se sentasse também ao lado dele.
– Bem-vinda, Alice! – brindou Stamatis, o marido de Maria, depois de servir vinho branco a todos.
Alice olhou à sua volta e sorriu alegremente. Sentia-se tão bem de volta a Ceres! As pessoas de que mais gostava estavam ali: a avó Katerina, sorridente com o copo de vinho ao alto; Maria, ocupada a cortar a carne ao seu pequeno filho de dois anos, Demetrius, que não parava de bater com a colher na mesa; Stamatis, sempre acolhedor; Eleni, a empregada...
E Nick. Estava sentado ao lado dela, tão perto que podia aspirar o aroma da sua loção da barba, misturada com um toque de sabonete. Devia ter tomado um duche antes de mudar de roupa e vestir aquela camisa branca que lhe ficava tão bem. Alice olhou para ele e recordou que ele fora sempre o seu amigo preferido da infância.
Segurava uma travessa de carne assada e convidava-a com educação a que se servisse. Alice agarrou numa colher e ficou surpreendida por lhe tremer tanto a mão. Tanto que acabou por deixar cair um pedaço de carne para a toalha.
– Não te preocupes. Não direi nada aos crescidos – sussurrou ele.
Alice sorriu. Aquele era o Nick que ela conhecia!
– Acho que a falta de sono já se está a notar – comentou ela com calma.
– Tranquila. Não tenho intenção de te fazer trabalhar esta tarde. Proponho-te que te deites e descanses até amanhã de manhã.
– A que horas tenho que estar no hospital?
– Ora, não precisas de sair de casa antes das sete. Achas que consegues?
– Claro – garantiu Alice, que não gostou nada que Nick tivesse tornado a falar-lhe num tom levemente profissional.
Quando Eleni levou umas laranjas com umas fatias de queijo, Alice pediu desculpas e disse que mal conseguia manter os olhos abertos. Maria acompanhou-a a um quarto pequeno, na parte superior da casa, com vista para a baía. Eleni já se tinha encarregado de lhe pendurar a roupa e arrumar o resto nas gavetas do armário.
– Desce à hora de jantar, se acordares. Se não, deixamos que continues a dormir – despediu-se Maria.
Alice abriu a cama, meteu-se lá dentro de um salto e depois começou a tirar a roupa. Fechou os olhos e escutou os novos e ao mesmo tempo familiares ruídos de Ceres, tão diferentes dos do trânsito de Londres, do seu apartamento. Do apartamento para onde se tinha mudado quando não conseguiu aguentar mais as infidelidades de Paul.
A única coisa que ouvia era o bater das ondas e um murmúrio de vozes vindas de lá de baixo.
Era de noite quando acordou, mas o luar entrava pelas cortinas. Alice sentiu-se tão desorientada que teve que ver as horas no relógio: eram dez da noite. Sentia-se fresca e descansada, disposta a enfrentar o mundo de novo, mas já todos teriam ido deitar-se. Provavelmente, já teria perdido o jantar.
Correu as cortinas e encostou-se ao parapeito. Por baixo dela, alguém descansava numa cadeira no terraço do piso inferior, com um copo de conhaque na mão. Nick olhou para cima ao ouvir correr as cortinas.
– Porque é que não continuaste a dormir até ao amanhecer? – perguntou-lhe com a doçura que usava com ela quando eram pequenos. Alice debruçou-se e sorriu.
– Quando acordei, pensava que já tinha amanhecido Já não estou cansada.
– Perdeste o jantar. Desce e faremos juntos uma incursão pela cozinha.
– Em dois minutos estou aí.
Aquilo já era mais normal! Sabia que Nick não podia ter mudado tanto. A sua frieza tinha sido apenas uma atitude forçada por estarem no hospital.
Pôs um vestido e penteou-se depressa. Olhou-se ao espelho do quarto e, ao ver que estava pálida, pôs um pouco de pó nas faces e deu um toque muito leve de baton nos lábios. Não fazia sentido maquilhar-se mais àquela hora da noite. Ia apenas ver Nick e ele não repararia no seu aspecto.
Quando saiu para o terraço, ele contemplou-a durante uns segundos em silêncio, mais do que ela tinha esperado, mas menos do que teria desejado.
– Sim, estás muito melhor – disse num tom neutral. – Come qualquer coisa e depois sirvo-te um conhaque. Anda, vamos ver o que encontramos.
Alice seguiu Nick até à cozinha. Ele abriu o frigorífico e tirou um prato com batatas e molho de queijo, cozinhadas segundo uma receita de Eleni.
– Comemo-las ao jantar e estavam muito boas. Vou tirar algumas e aquecê-las no micro-ondas – disse Nick. – Também ainda há um pouco de salada. Senta-te.
Alice viu-o meter o prato no micro-ondas enquanto ela cortava um pedaço de pão e o comia com algumas azeitonas que havia num pires. Da vez seguinte que Nick olhou para ela, ele sorria abertamente.
– Muito obrigada, Nick.
– Tenho um interesse oculto em que os meus empregados se alimentem bem – disse com leveza ao sentar-se à frente dela.
– Ainda bem que escolhi as batatas com molho de queijo.
– Também não te dei muitas mais opções.
Ambos riram e, então, os seus olhares cruzaram-se. Alice sentiu um arrepio de excitação ao deleitar-se nos amigáveis olhos castanhos.
– Maria diz que passaste um mau bocado – prosseguiu ele. – Ainda bem que não conheci esse homem; senão... – deixou a ameaça no ar.
– Senão? – pressionou Alice, parando o garfo no ar, a meio do caminho.
– Senão, teria sido muito rude com ele – respondeu com cautela. – Parece que não escolheste bem.
– Ora! – soltou uma gargalhada violenta. – Na realidade não me lembro de ter feito nenhuma escolha. Paul simplesmente chegou e deixou-me fascinada. Em menos de um minuto passei de uma mulher sensata a uma mulher que perdeu o juízo por culpa dele.
– Onde o conheceste?
– No hospital. Eu tinha acabado de chegar e trabalhava tanto que não tinha tempo para fazer vida social. Depois apareceu ele, disse-me que trabalhava lá como anestesista e convenceu-me de que a vida não era apenas trabalho. Levava-me a sair sempre que tinha oportunidade. Divertíamo-nos... a princípio... – a voz quebrou-se-lhe.
– E depois?
– Casámos poucas semanas depois de nos termos conhecido e passámos a lua-de-mel nas Caraíbas. Paul gastava o dinheiro que não tinha. Disse-me para não me preocupar com coisas sem importância. Quando regressámos, tinha à espera dele uma carta do gestor do banco, comunicando-lhe que tinha dívidas altíssimas. Disse-me que tinha ficado sem um centavo e que tinha que o ajudar. Então, comecei a emprestar-lhe parte do dinheiro que o meu avô me tinha deixado... uma vez e outra... e outra... Até ao dia em que soube que o gastava com outras mulheres. Parei de lhe financiar as saídas, saí de casa, mudei de hospital... – não conseguiu continuar a falar.
– Lamento, Alice – disse Nick, estendendo um braço até lhe acariciar a mão. – Não deveria ter perguntado.
– Alegro-me que o tenhas feito.
Virou a mão e apertou a de Nick. O calor daquele contacto reconfortava-a, e fazia-a experimentar umas cócegas que há muito tempo não sentia. Olhou-o nos olhos e alarmou-se ao descobrir a reacção do próprio corpo. Sem dúvida, estava a recuperar a vontade de viver.
Nick não retirava a mão, de modo que foi ela quem, lentamente, foi deslizando os dedos até os separar dos dele.
– Gostava de dar um passeio pela colina – comentou com suavidade. – Não me apetece voltar para a cama e preciso de um pouco de ar fresco... Mas deves estar cansado, Nick. Voltaste ao hospital da parte da tarde? – acrescentou ao ver que não respondia de imediato.
– Sim, claro. Mas não estou assim tão cansado. Faço-te companhia no passeio. Não deves sair sozinha. O caminho não é plano e, se torceres um tornozelo, irias ter dificuldade em regressar.
Nick encabeçou a marcha pelo caminho que saía da parte traseira do jardim. A colina estava iluminada pela lua e não se ouvia um só som, além de algum pio de um mocho solitário.
Alice parou a meio do caminho, enquanto subiam, para recuperar o alento. Nick deteve-se para a esperar.
– Preciso de me sentar um pouco – disse ela com um meio sorriso. – Não estou tão em forma como devia.
– Vais levar algum tempo a recuperares-te de... de tudo o que passaste – comentou Nick com delicadeza, retornando para se sentar ao lado dela.
-lhe um beijo na face.
O beijo dele foi tão suave como o voo de uma borboleta. Tão delicado e fugaz que Alice não teve a certeza se não teria sido um sonho. Nick empreendeu a marcha de regresso a casa, abriu-lhe a porta e despediu-se.
Ouviu o motor do todo-o-terreno dele até ficar tudo em silêncio. Alice subiu as escadas e entrou no seu quarto. Tirou o vestido, deitou-se na cama e fechou os olhos, mas parecia que o sono não a tomaria ainda. Teria gostado de continuar o serão no terraço, partilhando um conhaque com Nick.
Contudo, à última da hora, parecia ter ficado cheio de pressa. Talvez se tivesse arrependido de lhe ter dado aquele beijo. Talvez... Tentou não arranjar mais razões pelas quais Nick poderia ter decidido ir-se embora tão repentinamente. Para ela teria sido suficiente sentar-se e conversar com ele contemplando-o ao luar. Isso era tudo o que ela queria, uma conversa com um velho amigo... ou não?
Nick avançava pela estrada da costa, pisando o acelerador a fundo, irritado pelo modo grosseiro como tinha tratado Alice. Do modo como era confiante, não lhe estranhava que se tivessem aproveitado dela. Tinha desejado com todas as suas forças ter-lhe dado um abraço forte para a consolar; mas não se atrevera com medo que ela o interpretasse erroneamente.
Sem dúvida, Alice não voltaria a ser a ingénua menina de antes. Tinha aprendido a desconfiar e isso complicava tudo. Maria dissera-lhe que Alice ainda estava atordoada pelos recentes acontecimentos e que haveria de passar muito tempo antes de tornar a confiar num homem. Maria pedira-lhe que se mostrasse neutral com ela.
Enquanto se desviava pela estrada que o conduziria à sua casa, recordou que Maria lhe assegurara que Alice queria manter com ele a relação fraternal que os tinha unido durante a infância. Não deveria mudar o cariz daquela relação sob nenhum conceito.
Nick franziu a testa. Tinha-lhe perguntado porque é que ele iria querer mudar a sua relação com Alice, e Maria replicara-lhe que ele era um pouco mulherengo e que, aparentemente, o seu carácter não diferia muito do de Paul, o ex-marido de Alice.
Abriu a porta de casa e depois fechou-a com força. Como podia acusá-lo daquela forma? Simplesmente por sair de vez em quando com uma rapariga! Depois, pensou que Maria só queria proteger Alice, de modo que não devia tomar aquilo como algo pessoal.
Como Alice desconfiaria dos homens durante um tempo, após a sua desagradável experiência matrimonial, Nick concordou em manter a relação fraternal e platónica que sempre os tinha unido. Não faria nada que a pudesse incomodar. Sempre tivera muito carinho por ela e não suportava a ideia de a fazer sofrer mais do que já tinha sofrido.
Sentou-se numa das cadeiras do seu terraço e olhou para o mar. Ao longe, na casa de Maria, uma luz apagou-se, Alice ia dormir. Pensou que seria difícil aprender a lidar com ela, com a mulher em que se tinha transformado. Era uma pena que Maria o tivesse dissuadido previamente, porque naquela tarde tinha-se sentido atraído por Alice...
De qualquer maneira, se ela estava tão magoada como dizia Maria, ele teria cuidado para não ultrapassar a barreira da amizade, disse Nick para si. Apesar de representar um grande esforço para ele.