Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

© 2009 Allison Lee Johnson. Todos os direitos reservados.

DESEJOS IMPOSSÍVEIS, N.º 1317 - Março 2012

Título original: A Weaver Holiday Homecoming

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

Publicado em portugués em 2012

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.

Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.

® Harlequin, logotipo Harlequin e Bianca são marcas registadas por Harlequin Books S.A.

® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

I.S.B.N.: 978-84-9010-692-1

Editor responsável: Luis Pugni

ePub: Publidisa

Prólogo

– Esta missão não se parece com nenhuma das que tiveste até agora, com nenhuma das que tivemos.

O homem, de cabelo grisalho, olhou para ele por cima da mesa e acrescentou:

– Até há menos garantias do que o habitual.

O pub onde se encontravam estava cheio de gente, mas ninguém demonstrava interesse no que o resto dos clientes fazia ou dizia. As pessoas não iam àquele local para serem vistas, mas exatamente para o contrário, para não chamarem a atenção.

Era um lugar perfeito para as reuniões de Ryan Clay e do seu chefe, Cole.

Como Cole parecia estar à espera de algum tipo de resposta, Ryan olhou para ele, virou lentamente o seu copo sobre a marca que deixara na mesa e disse:

– Não faz mal. Consigo fazê-lo.

– Não vai ser fácil – avisou.

Ryan pensou que era um aviso desnecessário. As missões da agência nunca eram fáceis para nenhum dos agentes que estavam na lista de nomes ultrassecreta de Hollins Winword, entre os quais havia vários familiares do próprio Ryan.

Na verdade, o seu interesse pela missão que Coleman Black lhe resumira devia-se precisamente àquele último fator. A organização de criminosos em que ia infiltrar-se estava a destruir a sua família.

– Consigo fazê-lo – insistiu.

Ryan falou num tom de impaciência, porque era evidente que o seu chefe não lhe teria dado aquele trabalho se não estivesse completamente convencido da sua capacidade.

Coleman Black era um homem muito duro, mas também prático. Sabia que os agentes bons eram difíceis de encontrar e, em consequência, detestava perdê-los.

Além disso, quando um agente chegava ao nível de Ryan dentro da organização, já não tinha a obrigação de aceitar todos os trabalhos, podia rejeitar os que considerasse oportunos sem sofrer por isso.

Mas ninguém os rejeitava. Nunca.

Ryan voltou a olhar para o seu chefe e declarou:

– Vamos começar de uma vez, Cole.

Coleman observou-o durante um instante, como se calculasse a sua determinação. Depois, assentiu e chegou-se para a frente.

Só então é que começaram a falar a sério.

Capítulo 1

Cinco anos depois

Não conseguia aguentar.

Ryan Clay observou a escuridão da sua chávena de café e desejou que fosse uísque, embora tivesse deixado de beber há um ano.

Pensou nas suas possíveis vias de escape e chegou à conclusão de que a forma mais fácil de fugir era desaparecer, simplesmente. Outra vez.

Já funcionara antes. Pelo menos, durante uma temporada.

É óbvio, ainda se sentia culpado por ter permitido que os seus entes queridos acreditassem no pior, mas o seu sentimento de culpa estava deslocado. Se tivesse de escolher entre permitir que soubessem a verdade e deixar que pensassem que estava morto ou desaparecido no cumprimento do dever, a segunda opção era a única aceitável.

Porque também era a única que estava à altura das expectativas dos Clay.

Na sua família teriam tido uma deceção enorme se soubessem que abandonava uma missão sem a ter terminado e que a abandonava com as mãos manchadas de sangue.

Mas nas justificações de Ryan havia algo que falhava. Se não queria incomodar a sua família, não devia ter voltado, devia ter ficado onde estava, num canto afastado do mundo, entre pessoas tão desgraçadas como ele.

Olhou para a bota, que apoiara no corrimão de metal do balcão do bar e levantou a chávena de café para beber outro gole.

Tabby Taggart, a empregada de mesa, parou à frente dele com a cafeteira e ofereceu-lhe um pouco mais.

– De certeza que não queres que volte a enchê-la? – perguntou. – Há uma hora que dás voltas e mais voltas a essa chávena de café, Ryan. Já deve estar frio.

Era verdade.

Ficara frio.

E estava tão amargo como o seu próprio humor.

– Não, obrigado – respondeu.

Tabby ainda estudava no liceu da última vez que se tinham encontrado. Desde então, passara tanto tempo que já acabara o curso, mas Ryan tinha trinta e sete anos de idade e continuava a vê-la como uma jovenzinha, como se não tivesse mudado nada.

A julgar pelo que sabia, estava à espera de conseguir um emprego num museu de Itália. Enquanto isso, dedicava-se a servir mesas no restaurante Ruby, que também não mudara muito desde que a mãe de Ryan se mudara para a pequena localidade de Weaver, no Wyoming, quando ele só tinha nove anos.

Os bancos de aço cromado do balcão continuavam com o mesmo almofadado vermelho de sempre. As mesas do estabelecimento continuavam tão cheias de gente como sempre e o menu mais popular, que não estava precisamente no menu, também era o mesmo de sempre: o mexerico.

Ryan imaginou o que as línguas maliciosas diriam quando o vissem ali, no restaurante.

Sobretudo, porque estava sozinho. Outra vez.

Tal como estivera na noite anterior no Colbys. E antes disso.

Para o caso de ser pouco, também podiam falar de um detalhe que tornava a sua presença mais suspeita, em vez de se alojar em casa dos seus pais ou na de qualquer um dos seus muitos familiares, dormia num hotel.

Naquele momento, sentiu uma pontada na têmpora e fechou os olhos, tentando bloquear o tinido dos talheres contra a louça branca, as canções de natal que se ouviam de fundo e as conversas da clientela que, na sua maioria, eram sobre as festas da vila, para as quais faltava pouco, ou sobre as aventuras de alguém.

Noutra época, Ryan teria conseguido desligar-se com facilidade e concentrar-se num só pensamento, numa só questão ou num só objetivo.

Mas as coisas tinham mudado.

– Olá, Chloe…

Ao ouvir a voz animada de Tabby, Ryan abriu os olhos e voltou a olhar para o líquido da sua chávena. Era vagamente consciente da menina de cabelo escuro que se aproximou do balcão e parou a alguns metros dele. Até então, estivera sentada numa das mesas do restaurante na companhia de uma idosa pequena e de aspeto frágil que tinha o cabelo branco e muito encaracolado.

– A avó e eu queremos levar uma fatia de bolo à minha mãe – disse a menina.

– Que bolo queres?

A menina apontou para um dos bolos que estavam no balcão, dentro de um expositor de vidro decorado com fitas prateadas e vermelhas, e respondeu:

– Aquele – respondeu Chloe.

– Vou já cortar uma fatia e embrulhar.

Enquanto Tabby tirava o bolo, a menina lançou um olhar a Ryan e explicou, como se ele tivesse mostrado algum interesse, porque escolhera o bolo de noz e não outro.

– A minha mãe não gosta de abóbora. Vai ser uma surpresa…

Ele fez um esforço e respondeu com um sorriso que esperava que não a assustasse. Já assustara muitas meninas ao longo da sua vida. Além disso, aquela pareceu-lhe encantadora. Vestia-se inteiramente de arroxeado, com a única exceção das suas botinhas para a neve, que eram verdes.

– Se a tua mãe gosta desse bolo, certamente, também vai gostar dos rolinhos de canela que fazem aqui – disse ele. – Sei que lhes põe muita noz…

Ryan não soube porque se incomodou em dar explicações à menina, mas ele foi o primeiro a surpreender-se.

– A doutora Keegan já percebeu isso – afirmou Tabby, enquanto guardava a fatia de bolo numa caixinha cor de rosa. – Penso que gosta quase tanto dos rolinhos de canela como de ti.

Tabby deu a caixinha à menina com um sorriso.

Chloe voltou a olhar para Ryan e reparou que só estava a beber uma chávena de café.

– Não tem fome? – perguntou-lhe.

– Não.

– Ainda há bolo – observou a pequena, apontando para o expositor.

Ryan começava a arrepender-se de ter dado conversa à menina. Não estava de humor para falar com ninguém, mas esboçou outro sorriso para tentar parecer simpático o que, a julgar pela expressão de Chloe, fracassou miseravelmente.

Tabby decidiu intervir novamente para quebrar o silêncio antes de se tornar incómodo.

– Dizes que o bolo é uma surpresa para a tua mãe?

A menina assentiu e tirou algumas notas enrugadas e alguns trocos do bolso das suas calças.

Depois, contou com muito cuidado as notas e acrescentou as moedas que faltavam.

– Sim – respondeu. – A minha mãe tem de trabalhar, até aos sábados… Portanto, a avó e eu saímos para fazer as compras de Natal.

Tabby apoiou-se no balcão.

– E onde foram? – perguntou, com interesse.

– Oh, a muitos sítios – declarou a menina, que mudou o peso do corpo de um pé para o outro. – Mas a loja de que mais gostei foi a de Braden. Comprei o presente da minha mãe e ainda me sobrou dinheiro.

Chloe voltou a olhar para Ryan e acrescentou:

– Ganho dinheiro por limpar o pó e todas as semanas poupo o que me dão. Embora não tenha poupado muito. Não tinha suficiente para comprar o presente da minha mãe e o videojogo que eu queria, a princesa roxa… Numa loja normal custaria cinquenta dólares, mas na de segunda mão, custa vinte.

– Bom, só faltam três semanas para o Natal – recordou Ryan. – Podias pôr esse videojogo na tua carta para o Pai Natal.

– Normalmente, não seria preciso porque o meu aniversário é dentro de pouco tempo – disse a menina, que levantou sete dedos para os informar da sua idade, – mas a minha mãe diz que cinquenta dólares é muito caro… De qualquer forma, vou ter a minha própria festa e convidei os meus amigos. É a primeira vez que tenho uma festa de aniversário.

A idosa de cabelo branco, que estivera com a menina numa das mesas do local, levantou-se do seu lugar, dirigiu-se para a porta e disse:

– Chloe, querida, passámos muito tempo fora e suponho que a tua mãe sente a tua falta. Temos de ir.

– Já vou, avó… – disse a menina, carregada com a fatia de bolo. – Muito obrigada, Tabby. Ah e foi um prazer conhecê-lo, senhor… Na verdade, parece-me que deixou cair uma coisa.

A menina correu para a sua avó e acompanhou-a para o exterior do estabelecimento. Ryan franziu o sobrolho, voltou a olhar para a sua chávena de café frio, pagou a Tabby e levantou-se do banco. Estava farto de ouvir o barulho dos talheres e as canções de natal.

– Até mais tarde, Tab.

A empregada, que estava a servir outro cliente naquele momento, despediu-se dele, sacudindo uma mão.

Então, quando Ryan pegou no casaco que deixara no banco do lado, viu uma nota de um dólar no chão.

Olhou para ela durante alguns segundos e teve a certeza absoluta de que não era dele. Teve-a porque todas as notas que tinha eram de vinte dólares.

Só havia uma explicação, era da menina de cabelo castanho e olhos azuis. Fora por isso que dissera que deixara cair alguma coisa. Fora ela que lha dera.

Esfregou o queixo, sentiu a sua barba de vários dias e adivinhou o que acontecera. Tinha tão mau aspeto que a menina inocente o tomara por um vagabundo e quisera ajudá-lo de um modo incrivelmente elegante, atirando a nota ao chão para lhe dizer depois que a deixara cair.

Praguejou para si, pegou na nota e virou-se para a empregada.

– Tabby… O que sabes daquela menina, Chloe? Tabby encolheu os ombros e secou as mãos num pano.

– É a filha de Mallory Keegan, a obstetra que está a substituir o doutor Yarnell, que está de férias…

– Onde é o consultório?

– Na rua Sycamore – respondeu.

Ryan reconheceu o nome da rua, mas não o sobrenome Yarnell. Ainda se lembrava da época em que a sua mãe era a única médica da zona. Agora, geria o hospital Weaver e a localidade crescera tanto que precisava de uma obstetra substituta para fazer o trabalho de um médico que se fora embora para desfrutar de umas longas férias.

Pelos vistos, algumas coisas tinham mudado muito.

– Obrigado, Tabby.

Vestiu o casaco e foi-se embora.

A tarde era fria e o céu estava coberto de nuvens cinzentas que ameaçavam chuva.

Olhou para um lado e viu o escritório do xerife, que durante muito tempo fora do seu pai. Aposentara-se há alguns anos, precisamente quando Ryan fora declarado desaparecido em ação, mas, apesar disso, lembrava-se dele cada vez que olhava para o edifício de tijolo.

Mais tarde, quando voltara de entre os mortos, descobrira que os seus pais e o resto dos seus familiares já tinham superado a sua suposta perda e que viviam felizes.

Ao vê-lo vivo, tinham pensado que era um milagre.

Mas Ryan sentia-se morto por dentro.

Não havia nenhum milagre no seu regresso.

Não havia nenhuma honra.

Tirou um cigarro do maço de tabaco, acendeu-o, virou-se para a direção contrária da rua e levantou a gola do casaco.

Sycamore era duas ruas mais abaixo da Main, mas era uma rua muito comprida e desconhecia o número do consultório. Podia ser perto dali ou podia ser na parte nova da vila, que crescera com um sem-fim de torres de apartamentos, supermercados e lojas durante os seus anos de ausência.

Definitivamente, algumas coisas tinham mudado e outras não.

Mas Ryan tinha a certeza de que encontraria a pequena Chloe Keegan antes de o sol se pôr.

Afinal de contas, dedicara três anos da sua vida a salvar jovenzinhas não muito mais velhas do que Chloe e a impedir que as vendessem ao melhor preço, embora com tantos fracassos como êxitos. A última coisa de que a sua consciência precisava naquele momento era do peso de uma menina encantadora com um coração enorme.

– Mãe!

Mallory Keegan levantou a cabeça para olhar para a sua filha e bateu com a cabeça no armário. Mas isso não foi o pior. Com o susto, deixou cair a chave inglesa que tinha na mão e a ferramenta bateu nos canos que acabara de arranjar.

Praguejou em voz baixa e tentou bloquear o jorro de água que surgiu dos canos, encharcando-lhe a cara, enquanto tentava sair.

– Estou aqui em cima! – gritou para a pequena.

Mallory virou-se para o toalheiro da casa de banho, secou a cara e atirou a toalha para o jorro, pequeno, mas muito copioso.

Ela era obstetra, não canalizadora.

E não sabia arranjar as canalizações.

Mas tinha tão pouco dinheiro, sobretudo com o aniversário de Chloe e o natal ao virar da esquina, que tentara arranjá-la e evitar outra conta.

Ouviu os passos Chloe na escada e soube que demoraria pouco a aparecer. Noutras circunstâncias, ter-se-ia levantado para a receber, mas estava tão cansada que se sentou no chão e se limitou a esperar.

Tivera um dia comprido e difícil no consultório, com um aborto de uma jovenzinha e uma cesariana imprevista de uma mãe que esperava o seu terceiro filho.

Chloe entrou na casa de banho, segurando uma caixinha cor de rosa. As suas botas escorregaram um pouco no chão, que continuava húmido porque Mallory não conseguira secá-lo.

Assim que viu a sua filha sorridente, sentiu-se mais animada. Estendeu os braços para ela e a menina apertou-se contra o seu corpo, apagando qualquer resto de frustração.

– Hoje trouxeste algum bebé para o mundo?

Mallory riu-se suavemente.

– Sim, trouxe um – respondeu.

Mallory reparou na caixinha da sua filha e acrescentou:

– O que é isso?

Chloe afastou-se dela e espreitou para o interior do armário.

– Uma fatia de bolo. Já arranjaste os canos?

– Não, mas não tires…

O aviso de Mallory chegou demasiado tarde. Ia dizer-lhe para não tocar na toalha, mas a curiosidade da menina foi mais rápida e teve a consequência imaginável, o jorro de água acertou-lhe na cara.

Chloe gritou e recuou.

Nunca gostara de água. Tolerava os banhos se não houvesse outro remédio, mas odiava nadar e nem sequer se atrevia a chapinhar numa ribeira, mesmo que estivessem no verão e estivesse muito calor.

No entanto, Mallory não afastara Chloe da sua família de Nova Iorque nem a trouxera para uma pequena localidade do Wyoming porque tinha medo da água. Tinha motivos mais importantes.

Pegou noutra toalha e deu-lha.

– Toma, seca-te.

Enquanto Chloe se secava, Mallory voltou a pôr a toalha molhada nos canos.

– Receio que tenhamos de chamar alguém que saiba arranjar canos – continuou. – Eu não consigo fazer mais nada.

Tirou a menina da casa de banho e levou-a para a escada. Pelo caminho, deu uma olhadela à fatia generosa de bolo que havia na caixinha e lambeu-se. Entre o trabalho no hospital e o assunto dos canos, estivera tão ocupada que não tivera tempo para comer.

– Tem um aspeto delicioso…

Inclinou-se sobre a sua filha e deu-lhe um beijo na cabeça. Depois de chegarem ao andar de baixo, dirigiram-se para a cozinha.

A sua avó estava ali.

– Obrigada pelo bolo – disse Mallory.

– Agradece-lhe a ela. Pagou-o com o seu dinheiro – respondeu Kathleen, com o seu sotaque carregado.

Kathleen Keegan estava há quase vinte anos nos Estados Unidos, mas tinha o mesmo sotaque irlandês que ao princípio.

Mallory pousou o bolo e tirou um garfo da gaveta.

– Divertiram-se nas compras? – perguntou.

O interesse de Mallory era real. Kathleen era famosa por encontrar bugigangas incríveis nos lugares mais insuspeitos.

– Bom…

Chloe e Kathleen trocaram um olhar de cumplicidade. Mallory, que já ia começar a comer o bolo, apercebeu-se.

– Pode saber-se o que compraram?

– Oh, nada. Nada de nada – respondeu Chloe, num tom inocente. – Mas vi o videojogo que queria comprar e só custa vinte dólares.

Mallory tentou não sorrir e conteve um gemido de satisfação quando provou o bolo de noz. A sua filha adorava videojogos, mas eram tão caros que geralmente não podia comprá-los.

– E se é tão barato, porque não o compraste? Sei que tinhas mais de vinte dólares contigo quando a avó e tu saíram de manhã.

No fundo, Mallory alegrou-se por a sua filha não ter comprado o videojogo. Se o tivesse feito, ela teria tido de devolver o que comprara há alguns dias como presente de aniversário.

Chloe voltou a olhar para a sua avó e corou.

– Eu… Bom… Tenho de ir à casa de banho.

A pequena saiu a correr da cozinha.

Mallory olhou para Kathleen e perguntou:

– O que está a acontecer aqui?

– Não me perguntes, menina – respondeu a sua avó. – Se achas que vou contar-te os segredos de Chloe, estás enganada.

Mallory sorriu de orelha a orelha.

– Ah, compreendo… Foram comprar os presentes de natal.

Kathleen não disse nada. Limitou-se a sorrir.

– Falando de presentes, não seria mau se me dessem um canalizador – continuou Mallory. – Não consegui arranjar os canos.

– Porque não telefonas à doutora Clay e lhe pedes para te recomendar algum?

Mallory mordeu o lábio inferior. A ideia de recorrer a Rebecca Clay não lhe agradava e não só porque suspeitava que fora ela que a recomendara para o trabalho no hospital, mas porque estavam lá graças a ela.

Mas Rebecca Clay não era o motivo por que, há seis semanas, tinham chegado a Weaver. Rebecca limitara-se a facilitar a mudança.

O motivo era a menina cujos passos se ouviam naquele momento no andar superior.

O motivo era Chloe.

Mallory angustiou-se tanto que perdeu a fome de repente. Guardou o resto do bolo e deixou o garfo no lava-loiça.

– Depois procuro alguém – murmurou.

Saiu da cozinha e dirigiu-se para a parte traseira da casa. Mas, então, tocou a campainha da porta principal.

Arregaçou as mangas da camisola, que continuavam molhadas por causa da fuga nos canos, e abriu a porta pesada da casa sem a cautela que teria tido no seu antigo apartamento de Nova Iorque.

Encontrou-se à frente de um homem alto, de costas largas.

Um homem de cabelo escuro e barba de dois dias.

Um homem cujos olhos azuis lhe pareciam muito familiares.

Tão familiares, que ficou gelada.

Não estava preparada para falar com ele. Imaginara muitas vezes o encontro, porque os seus planos exigiam que o conhecesse pessoalmente. Mas ao vê-lo ali, à porta da casa, ficou sem fala.

Ele franziu o sobrolho e olhou para ela com interesse.

– Doutora Keegan? – perguntou, num tom profundo.

Ela engoliu em seco e assentiu.

Ele olhou para ela com mais intensidade e apertou-lhe a mão.

– É um prazer conhecê-la – disse. – Sou Ryan Clay.

Mallory segurou a sua mão durante mais tempo do que o normal, como se não fosse capaz de se afastar dele.

O contacto da sua pele fê-la sentir um arrepio, apesar do tempo que passara.

E aquele arrepio não tinha nada a ver com as palavras que ia pronunciar, porque Mallory sabia o que ia dizer.

– Vim por causa da sua filha.

Capítulo 2

Enquanto observava a doutora Keegan, Ryan Clay teve a impressão de estar a ver um fantasma.

Ela olhava para ele com os olhos esbugalhados, com uns olhos muito peculiares, de uma cor de mel que lhe parecia estranhamente translúcida.

E não só translúcida, mas também familiar.

Ryan achou-o muito estranho. Tinha a certeza de que não se tinham visto antes, de que não se conheciam.

– Por causa da minha filha? – perguntou ela.

A voz de Mallory era tão fraca que Ryan teria suspeitado alguma coisa noutras circunstâncias, mas atribuiu a sua reação ao facto de encontrar um desconhecido à porta da sua casa.

Mesmo assim, soube que aquela mulher escondia alguma coisa.

Levou uma mão ao bolso, tirou a nota de um dólar que Chloe atirara para o chão do restaurante e um envelope.

– Vim para lhe devolver o seu dinheiro e para lhe dar isto.

A médica humedeceu os lábios com a língua, captando a atenção de Ryan. Mas não era necessário, já reparara nos seus lábios grossos, rosados e de aspeto suave.

Mallory aceitou o envelope, que se amarrotou um pouco sob os seus dedos.

Ryan voltou a pensar que a conhecia.

– Mamã! A avó disse que os canos da casa de banho estão a deitar mais água do que antes…

Chloe apareceu à porta da casa e ficou junto da sua mãe. Ao ver o recém-chegado, sorriu e disse:

– Olá! O que está a fazer aqui?

A sua mãe passou-lhe um braço por cima do ombro, em gesto protetor.