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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1999 Diana Hinz

© 2019 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Procura-se pai, n.º 544 - julho 2019

Título original: A Dad of His Own

Publicado originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Sabrina e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited.

Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-1328-280-0

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Créditos

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Se gostou deste livro…

Capítulo 1

 

 

 

 

 

– Biscoitos de chocolate recheados de coco são os meus preferidos – Bobby Margolis contemplou o prato de biscoitos à sua frente com uma expressão de quem seria capaz de os devorar em apenas alguns minutos. Contendo-se, agarrou em dois biscoitos e praticamente engoliu o primeiro sem mastigar. Em seguida, lembrando-se das recomendações da mãe a respeito das boas maneiras, procurou controlar-se. Mesmo assim, engoliu metade do segundo biscoito à primeira dentada. Depois, sorriu e agradeceu: – Obrigado.

– Fica à vontade, Bobby – a mulher colocou o prato de biscoitos sobre uma mesinha de canto, ao lado do sofá onde o miúdo estava sentado. Murmurando um pedido de licença, saiu do escritório e voltou em seguida, trazendo um copo de leite. – Toma, querido – disse, oferecendo-o ao menino. – Leite é um óptimo acompanhamento para biscoitos, não achas?

– Sim, senhora – o garoto assentiu, pegando no copo. Sorveu um grande gole e perguntou: – Será que poderia comer só mais um?

– Ora, que pergunta – a mulher sorriu, com ar benevolente. – Já disse para te servires de quantos quiseres. Até porque um garoto em fase de crescimento como tu precisa de se alimentar bem.

– É verdade – Bobby apossou-se de mais dois biscoitos e guardou-os, disfarçadamente, no bolso da jaqueta. Depois, tirou um terceiro que devorou rapidamente.

A mulher baixou os olhos, enquanto um sorriso se insinuava nos seus lábios finos, delineados com batom rosa-pálido.

Bobby compreendeu, envergonhado, que ela tinha percebido a manobra. E justificou-se:

– Vou levar estes para comer mais tarde…

– Sim, querido, podes levar até todos, se assim o desejares.

– Que bom! – Bobby estava a exagerar, mas não conseguia conter-se. Devorou mais dois biscoitos e acabou de beber o leite.

Sabia que estava a ser terrivelmente mal-educado. Mas, também, nunca se sentira tão faminto em toda a sua vida. E não era para menos: pouco antes do almoço, tinha conseguido iludir a vigilância da professora para ir ao escritório onde agora se encontrava. Mas isso ocorrera por volta das dez e meia da manhã. Não era por acaso que agora o seu estômago roncava como um leão enfurecido, pensou Bobby, ou como um velho autocarro escolar numa estrada sinuosa…

– Toma, Bobby – a mulher ofereceu-lhe um guardanapo de papel.

– Obrigado – agradeceu ele, observando-a com atenção.

Aquela mulher de cabelos grisalhos, olhar bondoso, conjunto de saia e casaco bege, mais parecia uma personagem de filmes antigos como os que passavam na Sessão Nostalgia na televisão. «Usa um perfume parecido com o daquele saquinho perfumado que a mamã colocou no meu guarda-roupa outro dia.» pensou. «Como é que se chama mesmo o tal perfume?» E recordou-se, de súbito: «Flores do Campo! É isso.»

Bobby não desgostava totalmente da fragrância. Mas a ideia de ter aquele cheiro nas suas roupas não era nada atraente… Assim, tinha pedido à mãe que retirasse o saquinho do seu armário. E ela cumprira a promessa. Aliás, ela cumpria sempre as suas promessas…

Interrompendo esta linha de pensamentos, Bobby sentiu-se invadido por uma nuvem de tristeza. A mamã costumava honrar a sua palavra. Mas havia uma promessa da qual ela se esquecera completamente. Por isso ele estava ali, naquele escritório, pronto para resolver um problema muito grave.

Enchendo-se de coragem, perguntou à mulher:

– Bem, minha senhora, agradeço muito pelo lanche. Mas agora, se não se importa, gostaria de falar com a doutora Saint Ives.

– Tu já estás a falar com ela, meu rapaz – a mulher respondeu, abrindo o rosto vincado pelos anos num largo sorriso. Estendendo a mão, apresentou-se: – Clementine Allister Saint Ives, às tuas ordens.

Bobby observou a mão de veias e juntas salientes. Lembrou-se de imediato de que a sua avó tinha mãos idênticas. Aliás, isso devia ser comum nas pessoas idosas, pensou, antes de dizer:

– A senhora não se parece com uma advogada… – retribuiu o cumprimento e voltou a atenção para os quadros pendurados na parede, atrás da doutora Saint Ives.

Tratava-se de diplomas, com toda a certeza, concluiu ele. Diplomas que tinham nomes de escolas das quais jamais tinha ouvido falar: Harvard, Stanford, Berkeley… Havia também algumas siglas complicadas, tais como PhD. O que significaria aquilo? Isso era o que Bobby pretendia descobrir.

– O que é PhD, doutora Saint Ives? – perguntou, curioso.

– Significa que eu alcancei o grau de Doutora em Psicologia.

– Mas a senhora não é advogada?

– Sim, mas também me formei em Psicologia.

O menino assentiu com um gesto de cabeça. Ia dizer algo, mas a entrada de um gato completamente preto na sala fê-lo interromper-se.

– Ora aí está o Francis – disse a doutora Saint Ives, sorrindo para o bichano, que saltou para o seu colo, ronronando. – Diz olá ao nosso amigo Bobby Margolis…

– Olá, Francis – sorrindo, o menino estendeu a mão para acariciar o gato que, a princípio, relutou em aceitar o afago. Depois, baixando a cabeça, deixou-se acariciar e continuou ronronando.

– Ora vejam só… – disse a doutora Saint Ives, num tom alegre – O Francis gostou de ti. Em geral, ele é muito arisco, sabias?

– A maioria dos gatos são-no.

– Tens razão, querido. Mas nem todas as pessoas entendem esse facto. Acham que os pobrezinhos são traiçoeiros e pensam coisas horríveis a respeito dos gatos pretos… Que patetice!

– Eu gosto de gatos de todas as cores – declarou Bobby. – Tenho um branco e amarelo, muito bonito.

– A sério? E como é que ele se chama?

– Simon – respondeu Bobby, sentindo-se já muito à vontade na presença da velha senhora. – A mamã deu-lhe este nome em homenagem àquele cantor chamado Paul Simon, da dupla Simon & Garfunkel.

– Oh, eu conheço – em voz baixa, a advogada cantarolou um trecho da música Mrs. Robinson, um grande sucesso da dupla.

– A mamã adora essa canção – comentou Bobby.

O gato Francis saltou do colo da doutora Saint Ives para o chão. Com passos leves, saiu pela mesma porta por onde tinha entrado.

– Pelos vistos, ele só te veio cumprimentar – disse a velha advogada, com um sorriso bondoso.

– Se eu tivesse tempo, poderia brincar com o Francis – após uma pausa, Bobby mudou de assunto. – Mas eu gostaria também de ter um cão. Aposto que o Simon se daria bem com ele.

– De facto, alguns cães fazem amizades com gatos. Mas nem todos.

– O meu faria. Só que a mamã não quer cães lá em casa.

– Porquê? Ela não gosta de cães?

– Adora. Mas acha que, se tivéssemos um cão, ele ficaria muito sozinho. Afinal, ela passa o dia todo no trabalho e eu na escola. O Simon é muito independente e acho que não se importa muito com a solidão.

– Mas aposto que ele fica muito contente quando tu e a tua mãe chegam.

– Se fica! – confirmou Bobby, sorrindo. – Acabo de ter uma ideia!

– Qual?

– Talvez o Simon pudesse fazer companhia ao cãozinho, enquanto eu e a mamã estivéssemos fora.

– É possível, querido. Mas antes tu terias de ensinar ambos a serem amigos.

– Tem razão. Acho que vou tratar disso durante as próximas férias, pois a mamã já disse que não poderemos viajar.

– Oh, será uma óptima forma de passar o tempo, fazendo algo bonito e produtivo. A propósito, em que ano estás?

–No quarto. Eu já disse isso à senhora que me atendeu…

Bobby referia-se à secretária da doutora Saint Ives, que aliás lhe tinha feito uma série de perguntas, tais como: em que dia tinha nascido, onde morava, em que colégio estudava… E muito mais. Tinha até mesmo tirado uma fotocópia da certidão de nascimento que ele trouxera.

– Bem, vamos ver… – sentando-se à mesa de trabalho, a doutora Saint Ives pegou numa pasta que continha a ficha de Bobby e a fotocópia do seu registo de nascimento. Leu a ficha atentamente e sorriu, antes de indagar: – Tens nove anos… certo?

– Nove e meio – frisou ele. – Vou fazer dez em Março – um tanto lisonjeado, acrescentou: – A mamã costuma dizer que sou bastante esperto para a minha idade.

– Concordo com ela, Bobby – opinou a advogada. – Tu de facto deves ser muito inteligente. A maior prova disso é que conseguiste orientar-te numa cidade tão agitada quanto São Francisco… Apesar de não morares aqui.

– Ah, isso não foi complicado – declarou Bobby, sorrindo. – A minha professora alugou um autocarro para trazer a minha turma inteira de Marysville até cá.

– E vocês vieram a São Francisco apenas para passear?

– Viemos conhecer o Museu de História – baixando a voz, Bobby assumiu um tom confidencial. – Mas, para dizer a verdade, não vi quase nada. Estava demasiado preocupado, à espera de uma oportunidade para dar uma escapadela e apanhar um táxi.

– Quer dizer que tu já tinhas planeado tudo?

– Sim – confirmou Bobby, sem disfarçar uma ponta de orgulho. – Já há algum tempo que venho matutando neste projecto. E agora…

– Surgiu a oportunidade de o realizar – completou a advogada.

– Isso mesmo, doutora Saint Ives.

– Compreendo – de súbito, a advogada mostrou-se apreensiva: – Tu não achas que a tua professora ficará terrivelmente preocupada quando der pela tua falta?

– Já tratei desse pormenor – assegurou Bobby, sorrindo.

– Sim? E posso saber como?

– Bem, se a professora perguntar por mim, o Danny dirá que fui à casa de banho – e o menino acrescentou, à laia de explicação: – Ele é o meu melhor amigo, sabe?

– Eu já imaginava que fosse, querido.

E Bobby prosseguiu:

– Bem, ele tratará de tranquilizar a professora – num tom muito sério, declarou: – Tenho de voltar ao museu até às duas horas, pois essa é a hora marcada para o final do passeio. O autocarro escolar vai-nos buscar à porta do museu para nos levar de volta para casa.

– Que, por sinal, fica em… – a advogada consultou a ficha do Bobby, antes de concluir: – Marysville. Certo?

– Sim.

– Que eu saiba, a tua cidade fica longe daqui.

– Nem tanto, minha senhora.

A doutora Saint Ives fitou-o com ternura, ao indagar:

– E posso saber porque é que preferiste vir-me procurar, em vez de conhecer o Museu de História, juntamente com os teus colegas e a professora?

O menino suspirou profundamente. Passou a mão por entre os cabelos negros, lisos e curtos. O seu rosto tinha uma expressão ansiosa que os límpidos olhos azuis denunciavam. Ajeitou a jaqueta com gestos nervosos. Depois, colocou as mãos nos bolsos dos jeans, como se não soubesse ao certo o que fazer com elas.

– Fala, Bobby – a advogada encorajou-o, num tom amável.

Um longo momento se passou antes que Bobby se decidisse:

– Há algum tempo, a senhora ajudou o meu amigo Danny a encontrar uma família.

– O quê? – a doutora Saint Ives ficou surpreendida.

– O Danny, o meu melhor amigo, foi adoptado pelos Parrots quando tinha apenas quatro anos. Lembra-se disso, doutora Saint Ives?

A advogada ficou em silêncio por alguns instantes.

– Tenho lidado com muita gente em vinte anos de profissão. Mas acho que me recordo do Danny, sim. Ele morava num orfanato, aqui em São Francisco, não é verdade?

– Isso mesmo! – confirmou Bobby, entusiasmado. – E a senhora conseguiu que o Senhor e a Senhora Parrots ficassem com ele. Os dois vieram buscá-lo ao orfanato e levaram-no para Marysville – após uma pausa, finalizou: – Eu e o Danny temos a mesma idade e moramos pertinho um do outro. Lembro-me do dia em que o Senhor e a Senhora Parrots chegaram com o Danny. O pobrezinho era muito tímido e desconfiado… Mas eu gostei dele e ficámos logo amigos.

– Que bela história, Bobby – a doutora Saint Ives sorria. – E como vai o Danny?

– Muito bem. Ele é muito feliz como filho dos Parrots.

– Graças a Deus!

– E graças à sua ajuda também, doutora Saint Ives. O Danny contou-me que a senhora é especialista em ajudar pessoas.

– Especialista? – a velha advogada estava comovida. – Bem, eu faço o possível. E por falar nisso, Bobby… – interrompendo-se, ela consultou a ficha que tinha nas mãos. – O teu nome completo é Robert James Margolis, certo?

– Isso mesmo.

– Muito bem, senhor Robert James Margolis, em que posso auxiliá-lo?

– Quero que a senhora encontre o meu pai.

A advogada ergueu as sobrancelhas em sinal de surpresa. Levou alguns segundos a recuperar e perguntou em seguida:

– Diz-me, Bobby, a tua mãe sabe que tu estás aqui?

– Não.

– E porque é que não lhe disseste que vinhas?

O menino baixou os olhos.

– A mamã não gosta de falar sobre o papá. Acho que ela pensa que eu ficarei triste se fizer isso.

– Mas tu… já tentaste conversar com ela sobre esse assunto?

– Sim. Perguntei certa vez sobre o papá quando era ainda uma criança.

– Quando eras uma criança… – a advogada repetiu, comovida. O pequeno Bobby parecia julgar-se muito grande aos nove anos e meio de idade…

– Depois de algum tempo, resolvi perguntar outra vez – Bobby continuou. – Mas a mamã desconversou. E daí por diante, foi sempre assim: eu perguntava e ela fugia do assunto. Disse que um dia, quando eu for maior, saberei de tudo. Acontece que já sou suficientemente grande. Mas a mamã parece não perceber isso.

– Compreendo…

Retirando as mãos dos bolsos, Bobby tirou do bolso um pequeno envelope e colocou-o sobre a mesa.

– Aqui dentro há dezoito dólares. Foi tudo o que consegui juntar, doutora Saint Ives – levando a mão à testa, o menino corrigiu-se: – Bom, não foi bem assim. Na verdade, eu tinha vinte e oito dólares. Mas gastei cinco para vir de táxi e terei de pagar outro tanto para voltar ao museu. Por isso, só posso dar-lhe dezoito dólares… por enquanto – retirando outro envelope de um bolso interno da jaqueta, colocou-o ao lado do primeiro. – Aqui estão oito cromos do álbum Maravilhas da Natureza. É um álbum com animais selvagens, sabe? Todos os miúdos adoram isto. Estes oito cromos são muito difíceis de conseguir. Qualquer menino dará uma fortuna por eles. Se a senhora tiver um sobrinho, ou um neto que coleccione…

Entre comovida e surpresa, a doutora Saint Ives afirmou:

– Na verdade, eu…

– Ia-me esquecendo de dizer outra coisa importante – Bobby interrompeu-a. – Tenho vários CD’s e uma aparelhagem. Posso vendê-los e mandar-lhe o dinheiro, se for preciso.

– Não te preocupes com isso – a advogada procurava controlar-se para não ceder às lágrimas. – E podes guardar os teus cromos, querido. Ficarei apenas com os dezoito dólares – no fundo, ela bem que gostaria de devolver o dinheiro ao Bobby. Mas se fizesse isso, certamente o ofenderia. Afinal, aquele miúdo tinha um carácter forte.

– Tem a certeza de que não vai querer os cromos, doutora Saint Ives?

– Absoluta.

– Está bem – o menino guardou o envelope e entregou-lhe outro mais pequeno, azul, com a palavra Papá escrita a guache, bem no centro. Mais abaixo, o nome Nick Purcell em letras mais pequenas. – Esta é uma carta para o meu pai. Por favor, dê-lha quando o encontrar.

«As crianças são simples e puras» – pensou a velha advogada. « E com que facilidade acreditam em milagres, pois o Bobby parece não ter dúvidas de que encontrarei o seu pai» E, no tom mais natural que conseguiu, indagou:

– Diz-me, porque é que resolveste procurar o teu pai, após todos esses anos?

Sem hesitar, o menino respondeu:

– Bem, em primeiro lugar porque quero muito conhecê-lo. Em segundo, por causa do piquenique.

– Qual piquenique?

– Todos os anos, lá na escola, acontece um piquenique chamado Pai-Filho. Cada criança tem que levar o pai, sabe? E eu não quero ir com o Senhor Brisbane de novo…

– Quem é o Senhor Brisbane, querido?

– É o inspector da escola. Ele acompanha as crianças que não têm pai durante o piquenique.

– Então, esse senhor deve ser uma boa pessoa.

– É, sim. E a esposa dele, a Senhora Brisbane, também. Quando acontece o piquenique Mãe-Filho, ela vai com as crianças que não têm mãe – Bobby fez uma pausa. – Eu gosto muito dos dois, sabe? Mas este ano quero ir ao piquenique com o meu papá e não com um substituto.

– Compreendo, Bobby.

Um largo sorriso estampou-se nos lábios do Bobby.

– Quer dizer que a senhora vai mesmo encontrar o meu pai… E a tempo dele ir ao piquenique comigo?

– Farei o melhor possível.

– E aposto que vai conseguir – afirmou Bobby sem a menor sombra de dúvida. – Afinal, a senhora já fez outra coisa bem mais difícil…

– Qual, Bobby?

– Ora, a senhora conseguiu arranjar um papá e uma mamã para o Danny. O meu caso é muito mais fácil: a senhora terá apenas de encontrar o meu papá verdadeiro. Não será preciso arranjar um novo.

– Claro – a advogada concordou, pensando que definitivamente a lógica infantil fazia muito mais sentido do que a adulta. Lançando um olhar ao relógio de parede, que marcava uma e quinze da tarde, sugeriu: – Bem, é melhor agora tu ires andando.

– Certo. Obrigado, doutora Saint Ives – levantando-se, Bobby estendeu a mão.

A advogada retribuiu o cumprimento e recomendou:

– Espera um momento, sim? Vou pedir à minha secretária que ligue para a praça de táxis.

– Não se preocupe, doutora Saint Ives. Não deve ser difícil arranjar um, numa avenida tão movimentada.

– Eu sei disso, querido. Mas faço questão de chamar um táxi da minha confiança.

– Se a senhora insiste… – e Bobby voltou a sentar-se. Esperou que a advogada desse a ordem à secretária e acrescentou: – O Danny tinha razão. A senhora é uma pessoa muito boa mesmo.

Com os olhos rasos de lágrimas, ela sentenciou:

– Apenas tento fazer a minha parte para tornar este mundo de loucos um pouco melhor. E sempre que encontro miúdos como tu, Bobby, a minha esperança no ser humano redobra. Acho que vale a pena lutar para entregar um planeta menos destruído às novas gerações – abrindo o envelope que continha os dezoito dólares, retirou uma nota de cinco e ofereceu-a ao garoto. – Agora pega mais isto, por via das dúvidas.

– Não, doutora – o menino recusou, com veemência. – Já tenho cinco para pagar o percurso até ao museu.

– Mas é bom andar prevenido.

– Não precisa de se preocupar.

– Não estou preocupada. Apenas acho que deves…

– Não, doutora Saint Ives. A senhora já foi boa de mais para mim. E não quero que trabalhe de graça.

Mais uma vez, a doutora Saint Ives teve de fazer um imenso esforço para controlar as lágrimas. Se o Bobby soubesse quanto ela cobrava por uma consulta quando se tratava de pessoas de grandes recursos financeiros… Aliás, a maioria da sua clientela era constituída por gente assim. Tanto que ela podia até reservar uma parte do tempo para trabalhar com os menos bafejados pela sorte.

O interfone tocou na sua mesa de trabalho, interrompendo-lhe as divagações. Era a secretária, informando que o táxi do Bobby já estava a caminho.