![]() |
Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
Núñez de Balboa, 56
28001 Madrid
© 1998 Deborah Siegenthal. Todos os direitos reservados.
UMA MULHER PERIGOSA, Nº 220 - Janeiro 2011
Título original: The de Burgh Bride
Publicada originalmente por Harlequin Enterprises, Ltd.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
™ ® Harlequin y logotipo Harlequin são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV. ® e ™ São marcas registadas pela Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas que têm ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.
I.S.B.N.: 978-84-671-9549-1
Editor responsável: Luis Pugni
E-pub x Publidisa
Geoffrey de Burgh olhou, com horror, para o pau minúsculo que tinha na mão. Sentiu a reacção dos seus cinco irmãos, todos à sua volta abriram a boca com surpresa, respiraram aliviados e deram-lhe as condolências, mas ele não respondeu. Só conseguia olhar para aquele palito, incapaz de acreditar que tivesse sido precisamente ele, de todos os de Burgh que ainda não se tinham casado, que tivesse tirado o pau mais curto.
Tinha perdido e agora teria de se casar com Fitzhugh.
Quando, finalmente, levantou o olhar, Geoffrey deparou-se com os olhos do pai. Se o conde de Campion estava surpreendido por o mais estudioso e culto dos seus filhos ir casar-se com aquele demónio de mulher, certamente não o mostrava. Na sua expressão havia uma compreensão evidente, para consternação de Geoffrey, e havia também orgulho, pois o conde sabia que Geoffrey não o defraudaria.
Geoffrey sentiu mais do que nunca o peso daquela fé e das responsabilidades que suportava, mas não podia rejeitá-las. O rei Eduardo tinha decretado que um dos de Burgh devia tomar por esposa aquela prostituta e agora ele devia cumprir o seu dever, pelo seu rei, pelo seu pai e pelos seus irmãos.
Geoffrey endireitou as costas e disfarçou habilmente o seu mal-estar.
– Muito bem, casar-me-ei com ela – disse.
Não houve felicitações, pois ninguém ali tinha a falsa ilusão de que Geoffrey fosse feliz com aquela mulher. Por uma vez, nenhum dos irmãos começou a fazer as brincadeiras habituais neles. Todos eles se sentiam ditosos por se terem livrado de ter de cumprir a missão que lhes impunha o destino e não podiam tirar importância ao que calhara a Geoffrey. Balbuciando desculpas, os cinco solteiros foram abandonando a sala, desejosos de esquecer a covardia que os afligia no que se referia ao casamento. Geoffrey não podia culpá-los por isso, quem conseguiria não se acovardar perante tal esposa? Viu-os a sair, deixando-o a sós com Campion.
– Senta-te! – ordenou-lhe o seu pai.
Geoffrey ocupou a cadeira que havia à frente do homem que respeitava mais do que qualquer outro, mas não se alterou perante o escrutínio intenso do seu pai. Campion esfregou o queixo, com expressão pensativa.
– Esperava que calhasse a outro, a Simon, tal-vez, embora tenha tanta facilidade em exaltar-se que teria acabado por a matar antes que acabasse a cerimónia – disse, com expressão irónica.
Geoffrey permitiu-se esboçar um sorriso perante a brincadeira do seu pai. O segundo filho de Campion, Simon, era um cavaleiro feroz, a quem não interessavam absolutamente as mulheres. Sem dúvida, teria conseguido intimidar inclusive Fitzhugh, o problema era que tinha um temperamento que, às vezes, lhe toldava a razão.
Campion assentiu, como se estivesse a assentir aos pensamentos de Geoffrey.
– Sim, talvez seja melhor que sejas tu, um negociador habilidoso, a enfrentar a missão. Estou muito orgulhoso de todos os meus filhos, mas tu, Geoffrey, és o mais parecido comigo.
Geoffrey olhou para o seu pai, com surpresa. Embora o seu pai não escondesse o carinho que sentia pelos filhos, nunca se excedia em louvores. Aquilo era um verdadeiro elogio.
– Tens a mesma força que eles, mas também possuis sabedoria. Utiliza a cabeça e o coração, juntamente com a mão na espada, para te relacionares com a mulher que se tornará tua esposa – aconselhou Campion. – Já ouvimos muitas histórias sobre ela, mas sabes tão bem como eu que esses rumores são, com frequência, exagerados. As pessoas nem sempre são o que parecem, portanto, quero pedir-te que mantenhas a mente aberta com ela. Tu, mais do que qualquer outro de Burgh, estás preparado para seguir os meus conselhos.
Geoffrey assentiu em silêncio, embora não albergasse muitas esperanças de que aquela criatura fosse diferente de como a descreviam: um demónio conhecido pelos seus ataques grosseiros, a sua linguagem ordinária e o seu comportamento selvagem. Sabia-se que tinha matado o seu primeiro marido na cama, um acto que o rei tinha querido desculpar pelas circunstâncias em que se desenvolvera o casamento. No entanto, aquele acto a sangue-frio dava muito que pensar a um homem, especialmente àquele que ia seguir os passos do falecido.
Como se tivesse lido mais uma vez os pensamentos do seu filho, Campion pigarreou e disse, com expressão sombria:
– Nos dias vindouros, utiliza a sensatez e a compaixão, meu filho, mas não te esqueças de te proteger sempre – advertiu.
Geoffrey deixou, com muito cuidado, o volume que tinha nas mãos junto dos outros. Tinha mais livros do que qualquer outro dos habitantes do castelo Campion, inclusive mais do que o seu pai. Embora todos os de Burgh soubessem ler e escrever, só Geoffrey tinha estudado com um profes-sor, que tinha tentado saciar as suas ânsias de conhecimento. Tinha continuado a ampliar a sua biblioteca sempre que tinha tido oportunidade, pois o seu interesse pelo saber não tinha cessado, nem sequer depois da partida do seu tutor.
De repente, alguém bateu à porta do seu quarto e sobressaltou-o, pois quase não tinha visto os seus irmãos naquele dia. Geoffrey compreendia bem que se mostrassem resistentes a vê-lo. Todos eles eram homens fortes e valentes, que permaneciam juntos perante qualquer ameaça, mas Fitzhugh era uma inimiga que não sabiam como enfrentar. Não podiam lutar com espadas e machados contra o casamento iminente de Geoffrey, nem podiam expulsá-lo com a ajuda de um exército, por isso não sabiam como ajudá-lo.
– Entre – disse Geoffrey, convencido de que seria algum criado que vinha fazer-lhe a mala, mas tratava-se de Dunstan, o seu irmão mais velho.
Geoffrey não pestanejou perante o olhar furioso daquele cavalheiro magnífico, pois sabia que, por trás das palavras e dos gestos rudes, Dunstan escondia, com frequência, sentimentos mais suaves.
Naquele momento, Dunstan parecia estar terrivelmente incomodado. Campion era maior e mais luxuoso do que a maioria dos castelos, por isso, havia nele inúmeros quartos privados, um dos quais aquele que Geoffrey partilhava com outro dos seus irmãos. Com um sorriso tenso nos lábios, Dunstan entrou e sentou-se onde Geoffrey o convidou a fazê-lo com um gesto, depois de afastar uma pilha de roupa que Stephen tinha amontoado ali.
Sentado sobre o baú enorme, Dunstan olhou atentamente para ele, antes de dizer.
– Preferia que tivesse calhado a outro – disse.
– A Simon, talvez.
Geoffrey não gostou de ouvir aquelas palavras, que eram eco dos pensamentos do seu pai, mas limitou-se a encolher os ombros.
– Desenvencilhar-nos-emos, espero – disse, enquanto dobrava uma túnica de lã.
– Pelo amor de Deus, Geoff, eu... – Dunstan murmurou um palavrão, antes de recomeçar: – Sinto-me responsável. Fui eu quem matou o seu pai.
Geoffrey deixou de fazer o que estava a fazer, para olhar para o seu irmão nos olhos.
– Porque te declarou guerra. Fitzhugh era um filho da mãe ambicioso, que não estava disposto a parar perante nada, até que conseguisse o teu castelo e as tuas terras. Esqueceste que abordou a tua comitiva, assassinou os teus homens e encerrou-te na tua própria masmorra?
Dunstan apertou o queixo.
– Não, mas foi o meu cavaleiro, Walter Avery, que me traiu com Fitzhugh e depois se casou com a sua filha.
– Felizmente, ela acabou com ele antes que pudesse continuar com a sua guerra contra ti – comentou Geoffrey em tom distendido, mas fugindo do olhar do irmão. Embora fosse verdade o que tinha dito, não queria continuar a falar disso, sobretudo, porque seria o próximo marido daquela mulher.
– Geoffrey, Deus sabe que estou muito agradecido por os meus irmãos me terem ajudado, mas não vou permitir que nenhum deles, e muito menos tu, sofra por isso. Maldito seja o decreto do rei! – protestou Dunstan.
Geoffrey continuou a fazer a mala.
– Não podes culpar Eduardo por tentar pôr fim à disputa. Quer certificar-se de que as fronteiras estejam em paz e ninguém melhor para o garantir do que um dos teus irmãos.
– Sim, mas tu, Geoff... – murmurou Dunstan, com evidente consternação. Geoffrey olhou fixamente para ele e mordeu a língua para não responder.
Embora não fosse tão sanguinário como Simon, conseguiria perfeitamente enfrentar uma mulher, assassina ou não, e começava a incomodá-lo que todos dessem a entender que não era capaz de o fazer. Lançou um olhar desafiante ao seu irmão, mas Dunstan desviou o olhar como se se envergonhasse.
– Só lamento que tenhas de formar uma união sem amor – disse, entredentes.
Geoffrey esqueceu o que estava a fazer e esqueceu também os seus sentimentos negativos por Dunstan ao ouvir aquilo. De todos os seus irmãos, só Dunstan conseguiria admitir tal preocupação, pois os outros teriam gozado de semelhante romantismo. De facto, até há bem pouco tempo, também Dunstan se teria rido da ideia, mas agora estava casado e tinha admitido recentemente o que sentia pela mulher com quem se casara apressadamente, Marion. Geoffrey não pretendia tentar comparar aquela mulher amável e carinhosa, que apreciava como uma irmã, com o demónio com quem ia casar-se, mas não conseguiu evitá-lo. Recordava bem o tempo que tinha passado no castelo de Dunstan, em Wessex, onde tinha observado o casal com verdadeira in-veja e tinha desejado ter um amor assim na sua vida.
Agora, tinham-lho negado para sempre. Geoffrey continuou a fazer a mala, sem dizer nada, incapaz de pronunciar palavra alguma para que Dunstan se libertasse da culpa, sentia a língua morta e o coração pesado como uma pedra. Teria preferido que o seu irmão não tivesse falado da-quilo, pois as palavras dele tinham-no sumido numa melancolia estranha que fez com que, de repente, visse o seu futuro tremendamente escuro.
De repente, o sacrifício que ia fazer parecia-lhe muito mais difícil.
O Natal passou com rapidez, a presença de Marion fez com que a celebração agridoce fosse especial. Dunstan e ela, que estavam à espera do primeiro neto da família de Burgh, ficaram algum tempo, uma vez acabadas as festas, como se assim pudessem rebater a triste realidade do próximo casamento que teria de se celebrar. O estado em que se encontravam os caminhos naquele Inverno fez com que se adiasse o casamento, mas o tempo acabou por suavizar e todos, menos Campion, partiram rumo a Wessex. O conde, atacado por uma constipação invernal, ficou no Castelo e Geoffrey sentiu-se aliviado por ter convencido o seu pai a não os acompanhar. Embora os seus irmãos vissem o seu pai como um igual, um pouco mais velho, Geoffrey tinha-se dado conta de que, nos últimos tempos, Campion tinha começado a mexer-se mais devagar. Raramente saía do castelo e Geoffrey não desejava submetê-lo a uma viagem com aquela temperatura. Os seus receios eram justificados, pois chegaram às terras de Dunstan depois de quase uma semana de viagem por caminhos molhados e sob a chuva fria. Ali deixaram Marion, apesar dos protestos irados dela, mas Dunstan não queria que continuasse a viajar no estado em que estava.
Embora o seu irmão não lho tivesse dito, Geoffrey sabia que também preocupava Dunstan que Fitzhugh, devido à reputação terrível dela, pudesse ser perigosa. Ninguém, nem Geoffrey, desejava que Marion se visse exposta a nenhum tipo de violência, nem a nada que pudesse ser-lhe desagradável.
O que, em breve, seria a vida de Geoffrey.
Tentou afastar aquela vitimização tão pouco habitual nele, mas a verdade era que o optimismo que normalmente o caracterizava o tinha abandonado ao atravessar a vila próxima da propriedade de Fitzhugh e ver o estado lamentável em que se encontravam as casas. As pessoas que teria de governar eram tremendamente pobres. Não era o que Geoffrey tinha esperado, por isso, tinha-se desanimado, tinha sentido um aperto no coração. Era óbvio que o pai de Fitzhugh tinha gastado todos os seus recursos na guerra, em vez de a ajudar o seu povo. O desprezo que Geoffrey sentia por aquele homem aumentava à medida que se aproximavam do seu lar.
Embora ninguém tivesse feito comentário algum sobre aquelas casas humildes, Geoffrey tinha visto os olhares dos seus irmãos e a surpresa dos seus rostos. Só Dunstan, cujas finanças tinham melhorado há pouco tempo, parecia não ter sido afectado por aquela miséria e Geoffrey sentira-se agradecido por isso. Nunca tinha sido muito ligado ao primogénito da família, que tinha saído de casa há muitos anos, no entanto, agora sentia um vínculo com ele que ia mais além do respeito que lhe merecia aquele homem a quem chamavam o Lobo de Wessex. Talvez aquele vínculo fizesse com que a sua nova vida fosse um pouco mais fácil, já que Dunstan seria, em breve, seu suserano, para além de seu irmão.
Infelizmente, Geoffrey não podia albergar nenhuma esperança em relação ao seu futuro. Já tinha uma tarefa pela frente, a de reconstruir o que Fitzhugh tinha abandonado e destruído. Quando atravessaram a muralha exterior, Geoffrey pôde ver os celeiros, as oficinas e os estábulos que se amontoavam naquele espaço. Seria necessário alterar o velho muro de pedra para dar mais espaço aos que serviam a casa. No geral, tudo parecia precisar de ser arranjado. Ao olhar para a casa, Geoffrey sentiu alívio. Era maior do que tinha esperado, o que era uma boa notícia, pois, habituado a Campion, não o entusiasmava a ideia de ter de viver num lugar pequeno e cheio de gente. Outra muralha rodeava o pátio de armas e protegia a entrada do castelo, mas o muro defensivo parecia-lhe insignificante, depois de ter crescido num castelo inexpugnável. Pensou que também teria de melhorar a segurança.
Veio recebê-los o administrador, um homem baixinho, de aspecto nervoso, que, por mais que se inclinasse diante deles, não conseguia compensar, nem disfarçar a ausência da senhora da casa. O estado de espírito de Geoffrey piorou, pois Fitzhugh deveria ter vindo recebê-los, como era o costume quando chegavam visitas importantes. O barão de Wessex e os seus irmãos eram, sem dúvida, merecedores desse tratamento, no en-tanto, não havia sinal da dama, nem sequer no interior do castelo.
Era um lugar espaçoso, mas nada limpo. Geoffrey franziu o nariz ao sentir os cheiros que se acumulavam durante os meses de Inverno. O chão era velho e as paredes estavam cobertas de fuligem e sujidade. Embora Geoffrey tivesse crescido num ambiente predominantemente masculino e, por isso, não muito limpo, Marion tinha-se encarregado de o mudar e agora, inclusive quando ela não estava, os criados seguiam as indicações da esposa de Dunstan.
Por isso, já não lhe era nada agradável a imagem de um lugar tão sujo e desarrumado, o que fez com que a opinião que lhe merecia a sua futura esposa caísse ainda mais. Com uma mulher na casa, o castelo deveria ter um aspecto mais asseado. Que tipo de senhora seria aquela? A pergunta deu lugar a muitas outras dúvidas em relação à criatura misteriosa com quem ia casar-se, esperava que, pelo menos, tomasse banho de vez em quando. De repente, veio-lhe à cabeça a imagem de uma amazona horrível, armada, alta, feroz e suja, com o cabelo oleoso e a dentadura incompleta. Nem sequer sabia que idade tinha.
Sentiu um calafrio, mas fez um esforço para se preparar para o que surgisse, embora ninguém tivesse vindo cumprimentá-los e nem sequer houvesse uma dama de companhia na sala. Respirou fundo e ficou à espera, expectante, até que se apercebeu de que os seus irmãos o olhavam, como futuro senhor daquele castelo, à espera que fosse ele a encarregar-se das boas-vindas. A ideia surpreendeu-o, pois estava habituado a deixar aqueles misteres para o seu pai ou para algum dos seus irmãos. No entanto, sabia gerir um lar tão bem como qualquer um deles, talvez inclusive melhor, pois os seus irmãos não tinham paciência para as contas ou para lidar com os criados. Assim, Geoffrey deu um passo em frente e chamou o assustado administrador.
– Sirva-nos cerveja, a mim e aos meus acompanhantes, e chame a senhora da casa, por favor.
– Vou buscar imediatamente as bebidas, milorde – disse o homem, retirando-se com uma reverência. – Mas a senhora Fitzhugh está... Não está disponível neste momento. Pediu-me que lhe dissesse que voltasse noutro dia.
Geoffrey recebeu aquele desprezo com um so-pro, tinha a certeza de que seria apenas o primeiro de muitos. Ao olhar para os seus irmãos, viu que eles também não tinham recebido bem a notícia. Viu a expressão violenta de Simon, o modo como Dunstan apertava os maxilares e a expressão do rosto de Stephen, que, sem dúvida, pressagiava problemas.
Geoffrey sabia que a culpa não era do administrador. Franziu o sobrolho, pensativo.
– E onde está a senhora? – perguntou-lhe.
O administrador olhou, com nervosismo, para a escada que havia ao fundo da sala e depois para os homens temíveis que ladeavam Geoffrey. Pa-recia que aquele homem receava os visitantes e a sua senhora com igual vigor, o que não pressagiava nada de bom para o futuro de Geoffrey.
– Talvez esteja no seu quarto – sugeriu Geoffrey, com jovialidade forçada. – Tentarei convencê-la a descer.
– Geoff, não subas sozinho. De certeza que te espera com uma besta apontada à porta! – advertiu Simon.
Embora também lhe tivesse passado pela cabeça tal possibilidade, recusava-se a tratar a sua futura esposa como uma criminosa, pelo menos, até que tivesse tido oportunidade de a julgar por si mesmo. Também não tinha intenção de se deixar acovardar na sua própria casa. Portanto, não fez caso da advertência dos seus irmãos e dirigiu-se ao administrador:
– Suponho que tenha um quarto, não é verdade?
– Sim, milorde, ao subir a escada, fica à direita
– disse-lhe o homem, antes de sair a correr.
Geoffrey subiu a escada, sem afastar a mão do punho da espada. Já se encontrara em situações muito piores do que aquela, mas a sua precaução natural impedia-o de subestimar o perigo. Talvez aquele demónio de mulher estivesse armada e era evidente que não queria casar-se com ele.
Surgiram na sua mente imagens do primeiro casamento da mulher, mas Geoffrey disse a si mesmo que as circunstâncias tinham sido completamente diferentes. Walter Avery tinha sido um descarado, que tinha tentado aproveitar-se da situação. No en-tanto, qualquer mulher no seu juízo perfeito adoraria aliar-se aos de Burgh. Mas, claro, essa era a questão. Estaria Fitzhugh no seu juízo perfeito?
A resposta esperava-o a poucos metros dali. Passou pelo que parecia o quarto principal e bateu suavemente na primeira porta que havia à direita.
– Rua! – foi um grito feroz.
Uma voz de mulher, mas tão profunda e enérgica que fazia pensar que era aconselhável fazer o que ordenava. Seria Fitzhugh? Geoffrey pensou que era melhor não revelar a sua identidade e voltou a bater.
– Vai-te embora e não continues a incomodar-me!
Geoffrey hesitou um segundo e voltou a tentar, não bateu com mais força, mas insistiu.
– Advirto-te, Serle, que estás a pôr a tua vida em perigo. Expulsa aqueles filhos da mãe, como te disse, e pára de me incomodar!
Geoffrey sorriu. Achava que era o administrador. Talvez a fizesse sair se continuasse a insistir. Foi o que fez e, desta vez, o grito ecoou perto da porta. De repente, abriu-a, Geoffrey entrou nos aposentos e voltou a fechá-la atrás de si. As cenas em público pelas quais a sua futura esposa era conhecida não eram do seu agrado, por isso, preferia ter o primeiro encontro com ela em privado.
De costas para a porta, Geoffrey evitava que pudesse fugir e, ao mesmo tempo, poderia vigiar qualquer inimigo que o esperasse no interior do quarto. Pensou que poderia haver criados, soldados ou guardiães de algum tipo, mas, para sua surpresa, encontrava-se numa divisão minúscula, apenas suficientemente grande para uma cama pequena e um baú. Estava limpa e arrumada, por isso, deduziu que Fitzhugh devia ter uma criada que mantinha aquele quarto em melhor estado do que o resto da casa. Certamente, tratar-se-ia da mulher que olhava para ele.
– Onde está a tua senhora? – perguntou à rapariga que tinha diante de si. Estava vestida com uma lã de melhor qualidade do que a que costumava usar a maioria dos criados, mas era muito inferior à da sua túnica e o vestido fora muito mal confeccionado.
– A minha senhora? – perguntou. – Não tenho tal coisa! Sou Fitzhugh e não respondo perante ninguém, velhaco! Agora, sai daqui, antes de te grave o meu nome no fígado! – exclamou, levando a mão à adaga que escondia no cinto do vestido.
Geoffrey olhou para a mulher com quem ia casar-se.
Era alta para uma mulher, mas não tanto como uma amazona, também parecia esbelta, embora não conseguisse percebê-lo bem devido à cabeleira selvagem que lhe caía por cima do vestido até às ancas. O cabelo tinha uma cor indefinida, parecia precisar de ser escovado e caía-lhe sobre a cara, para esconder alguma cicatriz.
Geoffrey preparou-se para o pior, sem desviar o olhar da adaga. Foi então que reparou que tinha os dedos magros e limpos, e as unhas bem cortadas. Pelo menos, lavava-se. Geoffrey alegrou-se com a notícia, enquanto tentava observar os seus traços através da cabeleira que os escondia. Viu, com surpresa, que não parecia haver cicatriz, nem marca alguma no seu rosto. De facto, em vez de feia e desfigurada, Fitzhugh parecia bastante... atraente. Os seus olhos, cravados nele com um brilho furioso, eram cor de âmbar, como os de um gato, mas era a única semelhança que tinha com um animal, pois o seu semblante não tinha nada de feroz. Tinha a pele ligeiramente dourada, as maçãs do rosto marcadas e a boca pequena, aparentemente incapaz de soltar os palavrões que lhe tinha ouvido.
Geoffrey sentiu que lhe acelerava o coração ao pousar o olhar nos seus lábios. Finalmente, obrigou-se a desviar o olhar e olhou-a de cima a baixo, com surpresa. Era aquela a mulher que inspirava tanto receio e repugnância? Não era uma criatura velha e monstruosa, era uma mulher normal, embora, sim, desbocada.
– Quem raios pensas que és para me olhares desse modo? Se vieste em nome daqueles chacais dos de Burgh, podes ir-te embora! – gritou-lhe.
– Lobos – disse Geoffrey, com expressão ausente, pois ainda não tinha saído do espanto que lhe tinha provocado ver que a sua noiva não era uma bruxa horrível. O cabelo era peculiar, era verdade, mas Geoffrey sentia-se mais fascinado do que repelido.
Gostaria de lhe passar as mãos pela cabeça para lhe desembaraçar a cabeleira e afastar-lha daquele rosto misterioso que se empenhava em esconder.
Fitzhugh olhou para ele, como se tivesse perdido a cabeça.
– O símbolo dos de Burgh é um lobo – explicou-lhe, com voz suave, – não um chacal.
Ela olhou para ele alguns segundos, antes de responder:
– Não me importa, não tenho nada a ver com eles, nem nunca terei. Lacaio, vai dizer-lhes que lhes cuspo na cara!
– Não penso que seja boa ideia, alguns deles têm uma natureza um pouco violenta – aconselhou Geoffrey. – Vá, faça de senhora do castelo e livrar-se-á deles em breve.
– Sim, claro! – gritou. – E como vou conseguir tal coisa?
– Muito simples. Garanto-lhe que partirão depois de o casamento ter acabado – garantiu Geoffrey. E era verdade. De facto, também ele desejava livrar-se da vigilância dos seus irmãos. Então, poderia tomar as rédeas do castelo e da sua senhora, sem a ajuda dos seus irmãos protectores.
– Casamento? Pois! Não vou casar-me com ninguém e muito menos com um de Burgh! – gritou.
Geoffrey estranhou tal desprezo.
– Pareço-lhe assim tão repulsivo? – perguntou-lhe em voz baixa.
A opinião dela não deveria ter-lhe importado minimamente, no entanto, Geoffrey esperou pela resposta, com impaciência. Carecia da lábia e da capacidade de sedução do seu irmão Stephen, que costumava perder tempo com muitas donzelas. Também não era muito versado na arte do cortejo, embora algumas vezes se tivesse saciado com alguma mulher que desejasse partilhar um encontro com ele. De repente, lamentava ter cometido a negligência de não ter praticado tais artes e questionou-se como conseguiria conquistar uma mulher, especialmente aquela tão fora do comum.
Fitzhugh olhou para ele, com surpresa, e depois fechou os olhos, apertando as pálpebras.
– É um de Burgh?
– Geoffrey – disse, impulsionado pelo desejo absurdo de ouvir o seu nome a sair daqueles lábios.
Mas, em vez de o pronunciar, ela soltou uma série de palavrões que teria impressionado inclusive Simon.
– Devia ter suspeitado que era uma armadilha!
– exclamou, agarrando novamente o punho da adaga.
Geoffrey franziu o sobrolho ao ver como o seu rosto se transformava e questionou-se se os seus traços suaves esconderiam, na verdade, um coração gélido e duro. «Seria de esperar», pensou, com tristeza. O seu encanto tinha-o distraído, mas agora não esqueceria a natureza da besta. Fitzhugh não era uma donzela, como as outras mulheres.
– Talvez saiba que já fui casada – disse ela, dando voz às dúvidas dele, enquanto os seus olhos adquiriam um brilho perigoso. Olhos de gato. – Já considerou a ideia de aceitar tal destino?
Geoffrey respirou fundo perante a ameaça implícita nas suas palavras. Tinha acreditado que poderia apelar à sua inteligência, mas parecia que Fitzhugh era como um animal selvagem, irracional e violenta, apesar da suavidade do seu rosto. Tentou acalmar os batimentos, anormalmente acelerados, do coração.
– Não lhe convém matar-me, senhora, pois lá em baixo estão cinco homens que poderiam ocupar o meu lugar. Resigne-se.
Aquelas palavras com que pretendia consolá-la e acalmá-la serviram unicamente para a perturbarem ainda mais.
– Resignar-me? Eu não me resigno a nada, de Burgh! Vou fazer-lhe uma advertência, milorde!
– exclamou, pronunciando o seu título como se fosse uma maldição. – Case-se comigo e arrepender-se-á.
Passou junto dele para abrir a porta. Geoffrey apoiou-se na parede. Sentia-se como se tivesse passado toda a tarde num torneio e ainda nem sequer a tinha tornado sua esposa. Aquela mulher acabaria com ele com aquela língua afiada e aquelas maneiras. Tentaria realmente matá-lo?
Viu-a a sair, fascinado com o movimento da sua cabeleira. Pensou que conseguiria cobrir um homem como se fosse uma manta e depois afastou-se da parede. Aquela mulher era uma assassina e uma louca, não uma dama que merecesse admiração.
No entanto, havia qualquer coisa nela, no modo como escondia o rosto por trás do cabelo, na ordem espartana do seu quarto e nos seus olhos angustiados, que não encaixava com a sua reputação. Geoffrey já tinha visto aquele olhar. Parou para pensar nisso, concentrando no problema a sua mente de erudito, mas depois soprou perante a sua loucura e foi atrás dela.
Por muito violenta e selvagem que fosse, não ia permitir que caísse nas fauces dos lobos que a esperavam lá em baixo.
Elene Fitzhugh desceu as escadas a toda a pressa, ansiosa por escapar do homem que escarnecera dela. A conversa dele, embora desconhecida a Elene, não a tinha enganado nem por um segundo. Geoffrey de Burgh era um homem e, como tal, não podia confiar nele. De facto, aquele homem era mais masculino do que qualquer outro que tivesse conhecido. Era mais alto do que o seu pai, mais forte inclusive do que Walter Avery, que era baixo e compacto, embora musculado. Aquele de Burgh parecia capaz de rodar no ar dois homens como Walter.
Bolas! Malditos fossem os de Burgh! Maldito fosse o rei! Malditos fossem todos os homens do mundo! Passara toda a vida a lutar contra eles e agora, quando finalmente tinha uma coisa própria, iam arrebatar-lha. «Nunca!», prometeu a si mesma.
Era claro que se apercebera da chegada deles. Fora por isso que se metera no seu quarto, embora devesse saber que não seriam assim tão fáceis de dissuadir, mas não imaginara que ele fosse pessoalmente bater à sua porta. Aquilo surpreendera-a, pensara que esmurraria a porta até a deitar abaixo, mas nunca pensara que bateria com a suavidade com que o tinha feito.
Elene pestanejou várias vezes, não ia deixar-se confundir pelo comportamento estranho de Geoffrey de Burgh. Obviamente, o plano inicial de os fazer esperar até que partissem tinha falhado, mas ainda não se lhe tinham acabado as ideias. Quando tivesse acabado com eles, toda a família quereria voltar para casa!
Elene entrou na sala, cheia de autoconfiança, mas parou ao ver o que a esperava. Eram mais de cinco. Seis, pelo que conseguia ver, e todos eles eram, sem dúvida, parentes do homem que tinha subido até ao seu quarto. Eram homens enormes, de cabelo escuro, dois deles ainda mais altos do que aquele que se apresentara como Geoffrey. Todos olhavam para ela com uma mistura de curiosidade e repulsa, uma atitude que Elene conhecia bem e que a fez entrar em acção.
– Para onde estão a olhar? – gritou-lhes. – Saiam daqui e levem o outro! Não vai haver nenhum casamento! – cuspiu para o chão e gostou de ver como os seis pares de olhos se dirigiam para lá.
Mas então aqueles olhos voltaram para ela e Elene deu um passo atrás. O mais velho tinha um aspecto brutal, como se fosse capaz de a matar ali mesmo, e não era o único. Havia outro que não parava de balbuciar e praguejar entredentes, mas Elene manteve-se firme. Aceitara que haveria sempre algum perigo na sua vida, por isso, enfrentou-os sem pestanejar, nem sequer quando sentiu uma mão no braço.
Era Geoffrey, que utilizaria a voz suave e o olhar amável do mesmo modo que os irmãos utilizariam os punhos, para a submeter. Afastou-se do seu alcance e levou a mão à adaga, agarrando o punho com dedos firmes. Estava preparada para o que pudesse acontecer, mas, para surpresa dela, o homem não fez caso da atitude ameaçadora e assinalou os seus irmãos.
– Senhora Fitzhugh, deixe-me apresentar-lhe o meu irmão mais velho, Dunstan, barão de Wessex – disse-lhe e o guerreiro enorme deu um passo em frente.
Portanto, aquele era o Lobo de Wessex! «Tem ar de predador», pensou Elene, observando o homem que durante anos tinha sido o maior inimigo do seu pai. Mas então viu-o a inclinar-se e ficou atónita, embora a expressão do rosto dele lhe dissesse que era um verdadeiro esforço fazer-lhe uma reverência.
Cumprimentou-a, com os dentes apertados.
– Senhora Fitzhugh.
Elene não sabia o que pensar. Que loucura era aquela? A que propósito vinha tanta cortesia? Olhou para Geoffrey, com surpresa, mas não saiu do seu espanto ao ver que ele continuava a comportar-se como se aquilo fosse o mais normal. Estariam todos loucos aqueles irmãos de Burgh?
Elene recuou e tentou pensar com lógica, preparando-se para o ataque seguinte.
– Não me importa quem seja, de Burgh. Leve os seus irmãos e saia imediatamente da minha casa! Aqui, não há nada que vos diga respeito, malditos filhos da mãe!
O Lobo resmungou e deu um passo em frente, como se fosse bater-lhe. Elene preparou-se para lutar ou fugir, mas bastou uma palavra de Geoffrey para deter aquele grandalhão.
– Dunstan – disse-lhe em voz baixa, – por favor, desculpa a minha noiva. Não se sente bem.
Elene olhou para ele, boquiaberta. Aquele homem era louco. Ela acabava de os insultar e ele comportava-se como se não tivesse dito nada! Porque não saíra dali, furioso? Porque não se iam embora todos? O pânico começou a crescer dentro dela ao ver que não se mexiam, enquanto ela continuava a ofendê-los. «É o decreto asqueroso do rei que os mantém aqui», pensou Elene, com raiva. Queriam a sua terra, embora não conseguisse compreender para o que quereriam os ricos e poderosos de Burgh uma propriedade tão penosa como aquela. Como todos os homens, atiravam-se a qualquer hectare de terra, sem pensarem em mais nada.
– Como vejo que não lhe interessa conhecer os meus irmãos, suponho que esteja ansiosa que se celebre a cerimónia. Mandarei chamar o padre e começaremos imediatamente – disse Geoffrey.
Sem fazer caso dos palavrões que saíam da boca de Elene, estendeu-lhe a mão, para a qual ela olhou, aturdida. Não recordava a última vez que a tinham tratado com cortesia, embora fingida. Pestanejou, confusa, e depois abanou a cabeça, negando o encanto que pudesse ter todo aquele civismo.
No mundo, havia todo o tipo de sanguessugas, incluindo algum que ela ainda não conhecesse. Sem dúvida, aquele Geoffrey seria um deles e Elene não tinha a mínima intenção de deixar que entrasse na sua vida. Ao olhar para os outros, viu violência e um ódio mal reprimido que se lhe reflectia nos rostos. Inclinou a cabeça, olhando-os com maldade, pois conhecia bem os daquela espécie. Talvez tivesse sido melhor ter de enfrentar um deles, em vez de o irmão mais ardiloso.
Geoffrey continuava imóvel, com o braço es-tendido. Elene observou-o mais atentamente. Reparou no cabelo castanho e brilhante, nos olhos da mesma cor, uns olhos quentes e profundos, nos traços parecidos com os dos irmãos e, no en-tanto, muito mais suaves.
Foi então que Elene se apercebeu, com certo sobressalto, de que era o mais bem-parecido de todos eles. Pensariam que ia deixar-se enganar pela sua beleza? A simples ideia era ridícula. Não costumavam tratá-la como uma mulher, nem supor-lhe sentimentos femininos e, certamente, não queria que o fizessem os irmãos de Burgh. Virou-se para Geoffrey.
– Porquê o senhor?
Ele sorriu, deixando à vista os dentes mais brancos que Elene já tinha visto e para os quais não conseguiu evitar olhar fixamente.
– Tirámo-lo à sorte – respondeu, encolhendo os ombros.
O instinto de sobrevivência não a deixou sentir-se aliviada ao ouvir aquela confissão. Aquele instinto dizia-lhe que aquele homem era perigoso, talvez inclusive mais do que qualquer um dos seus irmãos violentos. Elene sentia-se encurralada, sem escapatória possível, enquanto o tempo passava e ele esperava pacientemente, estendendo-lhe a mão.
Mais uma vez, olhou para os presentes, cavaleiros aguerridos que não hesitariam em utilizar a sua força formidável contra ela. Não se deixariam enganar, já tinha tentado expulsá-los com insultos e não tinha servido de nada. Malditos obstinados!
Bom, ela também conseguia ser muito obstinada, mas, naquele momento, não tinha outra opção senão procurar uma maneira de ganhar tempo para preparar uma estratégia. Com o olhar de todos em cima dela, Elene afastou a mão da adaga e pô-la sobre o braço de Geoffrey.
Mas, pela primeira vez em anos, tremeram-lhe os dedos.
Geoffrey observava, enquanto a sua noiva andava de um lado para o outro da sala, com evidente inquietação. Era como observar uma beberagem de um alquimista, uma substância que a qualquer momento mudaria de aspecto ou explodiria. Aquela substância particularmente volátil estava em silêncio há demasiado tempo e Geoffrey começava a preocupar-se.
A sua submissão tinha-o surpreendido e inquietado ao mesmo tempo. Era verdade que era a única opção razoável para ela, mas Geoffrey não acreditava que fosse uma mulher razoável. Rendera-se demasiado depressa e agora ele observava-a como teria observado um animal selvagem que a qualquer instante poderia atirar-se ao seu caçador. Embora, normalmente, fosse o mais paciente da família, Geoffrey apercebeu-se de que desejava que se celebrasse a cerimónia antes que a sua noiva sofresse outro ataque de raiva. Infelizmente, não podia haver casamento sem padre e este ainda não tinha chegado.
Serle dissera que havia um padre no castelo que costumava atender os habitantes da vila e dar a missa na pequena capela da casa, mas estava a demorar a aparecer e, por mais que Geoffrey tentasse relaxar, não conseguia fazer desaparecer a tensão dos seus músculos. Tinha a sensação de que o administrador partira há séculos e de que os seus irmãos pareciam inquietos e incapazes de o olharem nos olhos.
Onde raios estava o padre?
«A situação já era suficientemente complicada sem este atraso», pensou Geoffrey, com uma desconfiança tensa que o fez olhar para a sua futura esposa. Estava de pé, junto de uma das janelas, de costas para ele. Aproximou-se dela em silêncio, até estar suficientemente perto para garantir um pouco de privacidade. Então, inclinou-se e fez-lhe a pergunta que o tinha impulsionado a levantar-se.
– O que lhe fez?
Ela virou-se ao ouvir a sua voz, levando a mão à adaga da qual Geoffrey já estava farto. Sentiu a tentação de lha tirar, mas não queria forçar um novo confronto, portanto, tentou ter paciência e observou-a enquanto cravava nele um olhar de fúria, através do véu do cabelo.
– Do que está a falar, de Burgh? – perguntou-lhe, afastando-se um passo dele.
– Do padre. O que lhe fez?
– Não lhe fiz nada, seu filho da mãe!
– Se descobrir que fez algum mal a um padre inocente, só para evitar este casamento...